Já Camões
o dissera nas suas “Oitavas ao
Desconcerto do Mundo”, já Sá de
Miranda o contara na sua ´”Écloga
Basto”, a respeito da “Chuva de Maio”,
parafraseando o conhecido rifão “Maria
vai com as outras”, já D. Francisco
Manuel de Melo explorara os defeitos do mundo e da Corte em especial, nos
seus “Apólogos Dialogais” entre
outros “contos”, de Eça nem se fala, a
respeito da nossa “falta de transparência”, ou sofismas de actuação, e Vieira, Senhores, e tantos, tantos…. A “corte”
de hoje está na continuação de toda uma falta de educação que vem de trás, que
nos desviou do recto caminho, das normas de civilidade, tudo o que Alberto Gonçalves e outros
mais vêm pregando… e sempre aos peixes. Desta vez tratou-se da distribuição dos
“subsídios” aos “media” por conta da pandemia, e das irregularidades nisso, por
conta da hipocrisia. Textos de Alberto
Gonçalves e de Alexandre Homem
Cristo, ambos do OBSERVADOR:
I - As vozes do dono /premium
Todos os diários, semanários e estações de televisão são afinal da
República, a República que os socialistas ocuparam perante a indiferença ou a
conivência da boa parte da população.
ALBERTO GONÇALVES,
Colunista do Observador
OBSERVADOR, 23 mai 2020, 00:013
Sobre
os subsídios do governo aos “media”, José
Manuel Fernandes disse duas
coisas de que discordo parcialmente. Uma é que, em matéria do controlo do
jornalismo, o dr. Costa distingue-se do “eng.” Sócrates por agir pela
calada, ao contrário do estardalhaço praticado pelo seu antecessor no PS. A
outra é que não foram divulgados os critérios de atribuição das
verbas. Vamos por
partes.
Em primeiro lugar, não vejo grande
diferença na subtileza de ambos os caciques. Vejo diferença na eficácia. Falo por mim, e não, por exemplo, por Manuela Moura
Guedes. Atravessei
os anos “socráticos” a escrever num jornal e numa revista (de grupos
distintos), disse o que me apeteceu D. Francisco Manuel de Melo nos seus
Apólogos Dialogais”, especialmenteacerca da miséria moral do “animal feroz” e
nunca, nunca, nunca, sofri o mais leve reparo dos meus directores. Suspeito, e
é apenas uma suspeita, de que os meus directores sofriam reparos de certas
instâncias, a que não ligavam. Nesse período, eu até recebia convites
ocasionais dos canais televisivos, que recusava porque raramente trabalho de
borla. Certo é que 13 ou 14 meses após o dr. Costa tomar conta disto e iniciar
o processo de venezuelização, em curso hoje acelerado, fui corrido de ambas as
publicações, ignoro se por pressão externa, se por sabujice interna. Os
directores em causa, bastante mais amestrados, não eram evidentemente os
mesmos, e sim serviçais que não caíram do céu. O “eng.” Sócrates berrava às
vezes em vão; o dr. Costa, espécime similar, berra e é escutado.
Em segundo lugar, os
critérios de atribuição dos subsídios são claros. Há oito dias, o
indivíduo que preenche a secretaria de Estado do “audiovisual” ou lá o que é,
declarou: “Não adianta estar a promover a leitura de jornais se
não fizermos simultaneamente a promoção da literacia mediática, isto é, da
capacidade de qualquer cidadão, seja de que idade for, poder descodificar,
compreender e ler de maneira clara os sinais do seu tempo”. Vinda de quem vem, a
conversa fiada é inequívoca: o governo
iria patrocinar as televisões, as rádios, os jornais e as revistas que
transmitem diligentemente a propaganda oficial. Sempre que alguém se acha no
direito de estabelecer o padrão ideal de os demais “descodificarem,
compreenderem e lerem”, está a falar, de maneira escancarada, de fiscalização,
manipulação e censura. Os “sinais do tempo” não enganam.
Aliás,
se restassem dúvidas em volta dos tais “critérios”, estas dissiparam-se com
a transcrição detalhada, no Diário da República, das verbas e dos destinatários.
A quase totalidade do dinheiro brindou as empresas que
detêm a SIC, a TVI e a CMTV, além da dona do falecido DN. O resto, salvo as
migalhas finais, espalha-se pelo “Público”, pela “Bola”, pela “Renascença”, e
pela “Visão” e “Caras”. Ou seja-se, a
expensas da “literacia mediática”, e de facto do contribuinte, paga-se
entretenimento, arraial, futebol e sobretudo a gentileza que os canais e os
títulos acima dispensam ao dr. Costa e respectiva tropa. Recentemente, o director de informação da TVI
justificou o cancelamento de um programa de investigação (“Ana
Leal”) com a descoberta de que as
audiências não querem críticas ao poder durante uma crise. No exacto momento em que a apresentaram aos 1,691
milhões, a Cofina correu com André Ventura. Não
vale a pena lembrar as hagiografias da anedótica senhora da DGS produzidas por
JN e DN. Não vale a pena referir a orientação editorial da SIC, que na
“informação” (sic literal) culpa Trump por cada desgraça da Terra e nas
variedades lava governantes no programa daquela senhora que grita. Não vale a
pena mencionar o “Público”, ponto. E não vale a pena exigir dois
neurónios: um basta para constatar que os subsídios pagam a lealdade – a
anterior e a que aí vem.
O
governo pretendia atirar 19 mil euros ao Observador (a comparar com os 300 e
tal mil do “Público” e da “Bola”, ou os 400 mil da “Visão”). Fez bem, já que
passou a este jornal um atestado de independência. O Observador (e o Eco, com 18 mil) recusou. Fez bem,
já que garante que a independência é para continuar. O governo subiu a esmola
para 90 mil euros. Fez bem, já que passeou as deficiências contabilísticas e de
carácter que moram por ali. O Observador voltou a recusar. Fez bem, já que
provou que a decência não depende do montante.
Descontado
o avanço ditatorial que simboliza, no fundo o episódio é positivo. Até agora,
uma pessoa via cinco minutos de um noticiário ou abria um jornal (exercícios
hipotéticos) e contorcia-se de vergonha ao contemplar tamanha bajulação do
poder. De agora em diante, uma pessoa compreende que a
bajulação não é impressão sua, fruto do acaso, favores fortuitos ou mera
imbecilidade: é o resultado de financiamento directo, com valores discriminados
e proporcionais às vénias que se cometem. Está no Diário da República. Todos os
diários, semanários e estações são afinal da República, a República que os
socialistas ocuparam perante a indiferença ou a conivência da boa parte da
população. A parte da população que sobra, e que quer aceder a jornalismo
autêntico, por oposição a contorções subservientes a Costa, o Magnífico, sabe
onde procurá-lo. Na verdade, já sabia. Mas agora é oficial.
COMENTÁRIOS
Antonio Sousa Branco: Renovei a
assinatura Premium do Observador há dias, estando válida até Maio de 2021.
Estou à espera de segunda-feira, para falar com o atendimento ao cliente para
me dizerem como renovo até 2022. Na segunda-feira, vou, também, através de
participação financeira, integrar a comunidade do jornal Eco. Como antigo
jornalista de televisão, que deixei de ver, com excepção de noticiários
estrangeiros, do Netflix e do HBO, continuo um "infodependente". Sei
que não prestar vassalagem ao poder político, ou a qualquer outro (como dizemos
na gíria jornalística não ser apenas pé de microfone), paga-se muito caro...mas
o Observador e o Eco podem olhar para o espelho e não terem vergonha do que
vêem.
José Paulo C Castro: Existe a vénia
normal de respeito por um superior. Existe depois a vénia até aos joelhos,
virado de costas para o dono, que representa toda uma nova relação de submissão
a contrapartidas. Parece ser o caso. E, como dizia o outro, "em
política, o que parece é."
Jorge Carvalho: Subsídios do
governo aos “media” é o ordenado da oligarquia à censura.
II - Sem transparência, não deve haver financiamento/premium
O governo está a subsidiar a comunicação social através de critérios
que não são transparentes e fórmulas de cálculo que só foram conhecidas por
alguns. Se isto não for inédito, é pelo menos insólito.
ALEXANDRE HOMEM
CRISTO
OBSERVADOR, 21 mai
2020
Foi
há dois dias que se publicaram em Diário da República os apoios do Estado à
comunicação social, sob forma de antecipação de publicidade institucional. Sem
transparência e sem alarido, para que não se levantassem ondas — a atribuição
destes apoios não justificou uma conferência de imprensa da tutela, nem os seus
critérios de atribuição foram devidamente explicitados ao público. E, assim, o
governo decidiu alocar milhares ou milhões de euros em transferências para os
grupos de comunicação social, de forma opaca e sem que o escrutínio possa
realmente ser exercido, alterando até os valores após a
publicação dos apoios. Repito, para quem não entende a gravidade: o
governo está, na prática, a subsidiar a comunicação social através de critérios
que não são transparentes e fórmulas de cálculo que só foram conhecidas por alguns
(os que receberam mais). Se isto não for inédito entre democracias
maduras, é pelo menos insólito.
É um erro enquadrar este tema nos valores ridículos que foram atribuídos
ao jornal Observador e (bem) recusados pela sua administração. E é um erro porque o que está em causa é muito
mais do que a situação específica de um ou outro órgão de comunicação social.
Está em causa a transparência de uma decisão política sensível: não é
admissível que o governo financie quem escrutina a sua actividade sem
publicitar os critérios com clareza, sem adoptar o máximo rigor na sua
aplicação e sem optar pela transparência na partilha da informação.
Comecemos
por aí Está também em causa a própria credibilidade externa dos órgãos de comunicação
social perante o seu público: aceitar tais apoios, distribuídos de forma opaca,
é participar num processo que coloca injustamente sob suspeita a independência
jornalística que deveria ser à prova de bala. E, por fim, está em causa a
natureza destes apoios: o Estado está só a apoiar empresas em
virtude da crise ou está a interferir no mercado da comunicação social?. Com esta solução, o governo interfere no mercado
da comunicação social. E não tinha de ser assim, porque havia uma alternativa
óbvia ao pagamento de publicidade (que, na prática, é um subsídio). Essa
alternativa era um empréstimo com garantia do Estado, ao qual todos os órgãos
de comunicação social pudessem recorrer — seria, nesse sentido, equitativo e
cada um usaria em função das suas necessidades. Mas seria
também uma forma de o Estado não interferir na concorrência, como fará,
apoiando mais uns em detrimento de outros. Aliás,
precisamente para evitar isso, a solução do empréstimo foi aplicada noutros
países e, em Portugal, noutros sectores de actividade, pelo que nada teria de
difícil na sua implementação. Então, por que razão não se
seguiu esse caminho? Talvez
porque implicaria manter uma saudável distância entre o poder político e os
órgãos de comunicação social. Uma distância que ninguém aprecia. Nem o poder
político que, pela sua natureza, ambiciona sempre controlar o escrutínio que a
comunicação social lhe aplica. Nem os próprios grupos de comunicação, já que
muitos deles vingaram à base de um acesso privilegiado ao poder.
Se o governo já tinha optado por este
mau caminho, é lamentável que o tenha conseguido tornar ainda pior com tamanha
opacidade no processo. A forma desastrada como geriu este dossier não tem ponta
por onde se lhe pegue: não explicitou critérios, não mostrou as suas contas,
não explicou porque recusou opções alternativas de apoio, não anunciou a
decisão (deixou que a publicação em Diário da República o fizesse), enganou-se
nas contas e corrigiu-as com ligeireza. Esquecer
que não pode haver financiamento à comunicação social sem total transparência
já não é um mero problema de incompetência, é a demonstração de que a tutela
não tem noção de que a relação entre o poder político e o jornalismo vive da
tensão e do escrutínio, e que não pode ser de aceitação acrítica.
Num país com maior tradição de liberdade e até mais amor próprio,
seria de esperar que os grupos de comunicação social rejeitassem, em bloco,
todo e qualquer apoio público até que o governo tornasse o processo de
antecipação de publicidade transparente e escrutinável. Não seria apenas uma
forma de limpar este assunto. Seria, sobretudo, uma forma de a comunicação
social dizer a todos (em particular ao governo) que, mesmo em momentos
difíceis, não pode ser cúmplice deste tipo de processos — tão opacos que
mancham o seu prestígio e colocam sob suspeita a independência com que os
jornalistas cumprem a sua missão. Mas estamos em Portugal e reina o silêncio. É
uma pena que, por cá, não se perceba que, com a pandemia a permitir poderes
excepcionais, a única resposta possível é um escrutínio excepcional.
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