Com mais uma lição de eficácia – na crítica
como na orientação. Por António Barreto. Conviria
escutá-lo. E segui-lo.
OPINIÃO CORONAVÍRUS
Fechar é fácil, abrir é difícil
As autoridades têm revelado várias
qualidades e outros tantos defeitos. O importante é acertarem, não é serem
amáveis. Têm-se perdido em propaganda política intolerável, a que explora o
medo.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 3 de Maio de 2020
Por
enquanto, com tanta gente a saber tanta coisa, não ficámos mesmo a saber nada.
Mais tarde, com menos gente a saber tudo, aprenderemos mais. De qualquer modo,
fica uma consolação: os que mais ajudaram na explicação e na compreensão foram
alguns cientistas. Há qualquer
coisa na ciência bem exercida, com escrúpulos e contenção, com dúvida e
experiência, com liberdade e cultura, que nos deixa em paz com a humanidade,
nem que seja por umas horas…
Aprender a lição ou fazer a
revolução? Esta
última tem os favores dos militantes, dos intelectuais e dos artistas. Há tantos
a pensar que se deve aproveitar a “janela de oportunidade”, como agora dizem os
papagaios! Ou então a “transformar os problemas em soluções”, como garantem as
mesmas aves! Todos os dias se conhecem novas propostas. Ultrapassada a crise do
vírus, há que mudar de modelo de desenvolvimento, transformar as relações de
trabalho, remodelar os padrões de consumo, repensar o ambiente e o clima,
estabelecer novas regras da democracia e ultrapassar o capitalismo. Exige-se já o grande debate nacional sobre o
tema, assim como um olhar radical sobre o estado da sociedade actual. Pensa-se
todos os dias na sociedade futura e nas relações sociais imaginadas por
intelectuais que mantém relações esporádicas e intermitentes com a realidade.
Para já, há que mudar a Constituição. E sair do Euro… Dizem.
E,
no entanto, o mais provável é que, logo a seguir à resolução da crise
sanitária, o essencial seja arranjar emprego, encontrar clientes, procurar novos
mercados, recuperar o tempo perdido nas escolas, estudar o que se esqueceu,
semear o cereal, tratar do vinho e alimentar o gado. Será um choque para todos os que se preparam para
o grande debate e a oportunidade do século! Será uma frustração medonha para os
que pretendem nada mais, nada menos, do que “alterar o
paradigma de organização das sociedades”!
Seria tão mais interessante que os
esforços e a imaginação se concentrassem em objectivos simples, ao alcance de
uma geração! Objectivos mais reais, práticos e menos ilustres do que revoluções
gloriosas que se transformam em catástrofes.
Já
se percebeu que Portugal sofre de dois problemas profundos: a falta
de previsão e as falhas de organização. Na
saúde, por exemplo. Temos um número considerável de médicos, mas um número
ridículo de enfermeiros e técnicos. Um serviço de saúde repousa nos dois,
não só nos primeiros, nem só nos equipamentos. Sabe-se que Portugal é um dos
países da Europa com mais médicos e menos enfermeiros por habitante. As filas
de espera para as cirurgias e as consultas não podem ter como explicação a
“falta de médicos”. Não faltam os medicamentos mais modernos, os tratamentos
mais caros e os equipamentos mais sofisticados. Mas faltam máscaras,
desinfectante, luvas, reagentes e zaragatoas. Em vez de
rosnar contra o Serviço Nacional de Saúde ou de querer liquidar a medicina
privada, não seria mais interessante e eficaz ocuparmo-nos de simples questões
de organização e disciplina?
Os casos mais chocantes até hoje foram seguramente os que
ocorreram em lares com infecção generalizada e velhos abandonados e
mortos. Assim como com as “pousadas”
para refugiados criadas por negreiros com eventual cumplicidade de
serviços oficiais. Sem falar nos aumentos
de vencimentos que foram esquecidos, nos pagamentos de indemnizações
e subsídios que não chegaram e na liquidação de dívidas do Estado. Episódios
destes são mais importantes, para retirar as lições devidas, do que declarações
tonitruantes sobre a mudança de modelo social!
Portugal tem reservas de cereais para meia dúzia de
dias. Um problema laboral ou de mau tempo deixa em crise a
alimentação dos animais e dos humanos. Também temos ridículas reservas de
petróleo, oleaginosas e adubos. Há décadas que é assim. Vivemos na dependência
dos importadores, dos comerciantes e dos produtores internacionais, das
empresas de transporte, dos sindicatos e dos estivadores. Por isso o Estado
português tem uma reduzida capacidade de negociação em caso de emergência ou de
conflito.
Fazer
uma revolução e alterar os modelos de turismo e viagem, como tantos propõem; nacionalizar
a banca e as grandes empresas privadas; liquidar o ensino privado; privatizar
os últimos serviços públicos; e estabelecer o rendimento mínimo universal e
incondicional, nada disto resolve os problemas dos cidadãos, nem corrige os
verdadeiros defeitos postos a nu, como sejam a falta de previsão e a
desorganização.
As
autoridades têm revelado várias qualidades e outros tantos defeitos. O
importante é acertarem, não é serem amáveis. Têm-se perdido em propaganda
política intolerável, a que explora o medo. Os governantes têm-se exibido como técnicos e
massacram a opinião com pormenores que ninguém compreende. Assim, não se dá
segurança, só se aumenta a incerteza. Mas deve acrescentar-se que, até certo
ponto, as autoridades surpreenderam: mostraram-se mais responsáveis do que
habitualmente. Depois de terem maquilhado a realidade com optimismo, começaram
a pensar que dizer a verdade era mais importante. Quando se tratou de fechar,
mostraram-se seguros e marialvas. Depois,
começaram a corrigir e a rectificar os próprios erros. Agora, chegámos à fase
da abertura. As autoridades parecem menos propagandísticas, mais incertas, com
receio de errar. Em certo sentido, é melhor assim.
As próximas semanas vão ser cruciais para percebermos se estamos na boa
via ou se cometemos erros medonhos. As alternativas são todas fatais: educação
ou contágio de jovens; protecção absoluta ou infecção; prevenção ou tratamento.
Saúde ou economia.
Abrir é difícil.
Sociólogo
TÓPICOS
Nenhum comentário:
Postar um comentário