Também Pascal os teve, Pensamentos que se
prolongaram pelos séculos, falando na infinita pequenez humana contraposta à
sua grandeza de reflexão: “L´Homme n’est
qu’un roseau, le plus faible de la nature. Mais c’est un “roseau pensant”.
Tiveram sorte, os franceses, com estes seus discursadores que lhes orientaram a
caminhada futura, como nós teríamos, se quiséssemos ater-nos a propostas de
moral ou de doutrina, que ainda há quem siga ou interprete. O mal é que
dificilmente já se encontrarão figuras de respeitabilidade resultante das suas
leituras e do seu saber clássico. Como Francisco
Assis. Ainda bem que temos esse prazer de o ler, movido, é
certo, pela sua doutrinação política que os comentadores explicam poeticamente,
com as palavras do canto de Sérgio
Godinho, impregnadas de lirismo e de amor humanitário, que é
o que está a dar, entre nós, mais fácil de curtir, com música. E de
compreender. Repito: “Que força é
essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que te põe de bem com outros E de mal
contigo? Que força é essa? Amigo Que força é essa?...”
OPINIÃO
A democracia e os tiranetes
As circunstâncias que vivemos
favorecem o surgimento de uma cultura de dependência incompatível com as
exigências de uma democracia séria.
FRANCISCO ASSIS
PÚBLICO, 23 de Maio de 2020
Étienne de La Boétie, o jovem e genial amigo a que Montaigne se refere nas suas célebres reflexões sobre a amizade,
legou-nos uma pequena obra de inestimável valor teórico-prático intitulada Discurso
sobre a Servidão Voluntária. O texto,
escrito ainda antes de o autor atingir os vinte anos de idade e publicado
postumamente em 1576, procurava responder a uma questão suscitada por um
acontecimento da época mas dotada de uma pertinência trans-histórica: a de
conhecer as razões que levam as pessoas a aceitar voluntariamente a tirania.
La Boétie compreendeu claramente que o exercício abusivo da
autoridade política só é possível porque há nos seres humanos, ou pelo menos
nalguns deles, uma propensão para o consentimento da servidão. Essa estranha inclinação resulta da auto-inibição do
desejo de liberdade e da acomodação a um modo de distribuição do poder
assente numa hierarquização de diferentes níveis de comportamentos tirânicos.
O tirano sobrevive tiranizando os tiranetes e estes,
por sua vez, tiranizam todos os demais.
A
figura do tiranete é
apresentada com uma exactidão descritiva de tal ordem que a nossa imaginação se
aventura de imediato a projectá-la cruelmente nas manifestações concretas em
que a reconhecemos. O
tiranete é a peça-chave de todo este sistema. Representa
a dupla negação do que na natureza humana corresponde ao impulso da liberdade.
Nega-o pela condição submissa que ostenta face ao tirano e pela atitude
autoritária que exibe perante os outros membros da sociedade em que se integra.
Da sua cartilha só consta um preceito – obedecer ao princípio da obediência. É um dogmático da submissão, um idólatra do
conformismo. A sua identidade consiste em não ter identidade porque tudo o que
o substancializa limita a sua margem de manobra. Nesta vocação camaleónica
experimenta uma leve e confusa sensação de liberdade que pode chegar ao ponto
de lhe despertar momentaneamente um impulso libertino. Esse é o instante em que
está receptivo a mudar de destinatário da sua servidão. Não nos iludamos,
contudo: o tiranete adere e rompe por razões de cálculo, já que lhe são estranhos os
mecanismos das paixões políticas.
Para La Boétie, o
grande escândalo antropológico residia nesta vontade de servidão que
considerava contrária à verdadeira natureza humana. Custava-lhe admitir a
veracidade da extraordinária conclusão a que chegou – há nos homens uma predisposição para o
servilismo. Ser livre é desejar ser livre. São muitas as
circunstâncias históricas em que se assiste à anulação desse desejo. Por
compreensível cautela, o autor recorreu a exemplos anteriores à sua própria
época procurando furtar-se, desse modo, a qualquer retaliação política ou
penal.
Por
muito grave que seja a crise que enfrentamos, nada legitima a instauração na
prática de um estado de excepção conducente à redução dos direitos reais de
intervenção no espaço público
Quinhentos anos depois, que utilidade
podem ainda ter estas singulares reflexões numa Europa caracterizada pelo
predomínio das democracias liberais? Muito
mais do que pode parecer à primeira vista. Já não há tiranos e os tiranetes
adornam-se com outras roupagens, mais consentâneas com o ar dos tempos actuais.
Subsiste, porém, a melíflua propensão para a prática do servilismo,
particularmente em sociedades estruturalmente pobres e com escassa tradição
demo-liberal. Aí, uma
crise como aquela que estamos a viver pode estimular quase
inconscientemente a adopção de comportamentos similares aos retratados por La
Boétie. Sem se dar muito bem por isso, as coisas começam a
mudar. Vozes que se calam, contrapoderes que se demitem, comentadores que se
tornam hagiógrafos, jornalistas que curvam a cerviz. Lentamente vai-se
instalando um “novo normal”, como agora se diz, sem que quase ninguém se
incomode ou reaja. Chegará então o tempo da multiplicação dos burocratas, dos
bajuladores, dos bufões. Debater passará a ser uma excentricidade, questionar
transformar-se-á numa provocação. As palavras perderão o seu sentido original e
o silêncio terá a promessa de uma recompensa. Quando derem por si, os homens
serão habitantes de um mundo diferente.
Como
é óbvio, não é inevitável, e talvez não seja sequer provável, que isto venha a
suceder na realidade. Importa,
contudo, agir de modo preventivo dispensando particular atenção a princípios e
a regras fundamentais e imprescindíveis para o funcionamento plenamente
democrático de uma sociedade. Antes de
mais, convirá assinalar que, por muito
grave que seja a crise que enfrentamos, nada legitima
a instauração na prática de um estado de excepção conducente à redução dos
direitos reais de intervenção no espaço público. A
ninguém pode ser atribuído o privilégio de determinar arbitrariamente o que
pode ou não ser objecto de discussão política. Se assim não fosse, quem tivesse
o poder de decidir a agenda teria a capacidade de condicionar drasticamente o
debate, desvirtuando a essência da cultura democrática. Para além disso, é
ainda imperioso acautelar um conjunto de procedimentos formais que garantam o
respeito pelo pluralismo das ideias e das opiniões e assegurem o exercício das
liberdades de expressão e de participação na vida pública. O Estado deve sentir-se obrigado a
especiais deveres de isenção e de transparência numa altura em que a sociedade
civil está natural e visivelmente enfraquecida. Temos que ter consciência que
circunstâncias económico-sociais dramáticas favorecem o surgimento de uma
cultura de dependência incompatível com as exigências de uma democracia séria.
Militante do PS
TÓPICOS
Jose INICIANTE: Vi-te a trabalhar o dia inteiro Construir as cidades
pr'ós outros Carregar pedras, desperdiçar Muita força p'ra pouco dinheiro Vi-te
a trabalhar o dia inteiro Muita força p'ra pouco dinheiro Que força é essa? Que
força é essa? Que trazes nos braços? Que só te serve para obedecer? Que só te
manda obedecer? Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que te põe de
bem com outros E de mal contigo? Que força é essa? Amigo Que força é essa?
Amigo Que força é essa? Amigo Não me digas que não me compreendes Quando os
dias se tornam azedos Não me digas que nunca sentiste Uma força a crescer-te
nos dedos E uma raiva a nascer-te nos dentes Não me digas que não me
compreendes Que força é essa Que força é essa? Que trazes nos braços? Que só te
serve para obedecer? Que só te manda obedecer? 23.05.2020
Jose INICIANTE: Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que te
põe de bem com outros E de mal contigo? Que força é essa? Amigo Que força é
essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que força é essa?
Amigo Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo
Autor: Sérgio Godinho. 23.05.2020
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