sábado, 30 de maio de 2020

Nobres discursos



Também Pascal os teve, Pensamentos que se prolongaram pelos séculos, falando na infinita pequenez humana contraposta à sua grandeza de reflexão: “L´Homme n’est qu’un roseau, le plus faible de la nature. Mais c’est un “roseau pensant”. Tiveram sorte, os franceses, com estes seus discursadores que lhes orientaram a caminhada futura, como nós teríamos, se quiséssemos ater-nos a propostas de moral ou de doutrina, que ainda há quem siga ou interprete. O mal é que dificilmente já se encontrarão figuras de respeitabilidade resultante das suas leituras e do seu saber clássico. Como Francisco Assis. Ainda bem que temos esse prazer de o ler, movido, é certo, pela sua doutrinação política que os comentadores explicam poeticamente, com as palavras do canto de Sérgio Godinho, impregnadas de lirismo e de amor humanitário, que é o que está a dar, entre nós, mais fácil de curtir, com música. E de compreender. Repito: “Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que te põe de bem com outros E de mal contigo? Que força é essa? Amigo Que força é essa?...”
OPINIÃO
A democracia e os tiranetes
As circunstâncias que vivemos favorecem o surgimento de uma cultura de dependência incompatível com as exigências de uma democracia séria.
FRANCISCO ASSIS
PÚBLICO, 23 de Maio de 2020
Étienne de La Boétie, o jovem e genial amigo a que Montaigne se refere nas suas célebres reflexões sobre a amizade, legou-nos uma pequena obra de inestimável valor teórico-prático intitulada Discurso sobre a Servidão Voluntária. O texto, escrito ainda antes de o autor atingir os vinte anos de idade e publicado postumamente em 1576, procurava responder a uma questão suscitada por um acontecimento da época mas dotada de uma pertinência trans-histórica: a de conhecer as razões que levam as pessoas a aceitar voluntariamente a tirania. La Boétie compreendeu claramente que o exercício abusivo da autoridade política só é possível porque há nos seres humanos, ou pelo menos nalguns deles, uma propensão para o consentimento da servidão. Essa estranha inclinação resulta da auto-inibição do desejo de liberdade e da acomodação a um modo de distribuição do poder assente numa hierarquização de diferentes níveis de comportamentos tirânicos. O tirano sobrevive tiranizando os tiranetes e estes, por sua vez, tiranizam todos os demais.
A figura do tiranete é apresentada com uma exactidão descritiva de tal ordem que a nossa imaginação se aventura de imediato a projectá-la cruelmente nas manifestações concretas em que a reconhecemos. O tiranete é a peça-chave de todo este sistema. Representa a dupla negação do que na natureza humana corresponde ao impulso da liberdade. Nega-o pela condição submissa que ostenta face ao tirano e pela atitude autoritária que exibe perante os outros membros da sociedade em que se integra. Da sua cartilha só consta um preceito – obedecer ao princípio da obediência. É um dogmático da submissão, um idólatra do conformismo. A sua identidade consiste em não ter identidade porque tudo o que o substancializa limita a sua margem de manobra. Nesta vocação camaleónica experimenta uma leve e confusa sensação de liberdade que pode chegar ao ponto de lhe despertar momentaneamente um impulso libertino. Esse é o instante em que está receptivo a mudar de destinatário da sua servidão. Não nos iludamos, contudo: o tiranete adere e rompe por razões de cálculo, já que lhe são estranhos os mecanismos das paixões políticas.
Para La Boétie, o grande escândalo antropológico residia nesta vontade de servidão que considerava contrária à verdadeira natureza humana. Custava-lhe admitir a veracidade da extraordinária conclusão a que chegou – há nos homens uma predisposição para o servilismo. Ser livre é desejar ser livre. São muitas as circunstâncias históricas em que se assiste à anulação desse desejo. Por compreensível cautela, o autor recorreu a exemplos anteriores à sua própria época procurando furtar-se, desse modo, a qualquer retaliação política ou penal.
Por muito grave que seja a crise que enfrentamos, nada legitima a instauração na prática de um estado de excepção conducente à redução dos direitos reais de intervenção no espaço público
Quinhentos anos depois, que utilidade podem ainda ter estas singulares reflexões numa Europa caracterizada pelo predomínio das democracias liberais? Muito mais do que pode parecer à primeira vista. Já não há tiranos e os tiranetes adornam-se com outras roupagens, mais consentâneas com o ar dos tempos actuais. Subsiste, porém, a melíflua propensão para a prática do servilismo, particularmente em sociedades estruturalmente pobres e com escassa tradição demo-liberal. Aí, uma crise como aquela que estamos a viver pode estimular quase inconscientemente a adopção de comportamentos similares aos retratados por La Boétie. Sem se dar muito bem por isso, as coisas começam a mudar. Vozes que se calam, contrapoderes que se demitem, comentadores que se tornam hagiógrafos, jornalistas que curvam a cerviz. Lentamente vai-se instalando um “novo normal”, como agora se diz, sem que quase ninguém se incomode ou reaja. Chegará então o tempo da multiplicação dos burocratas, dos bajuladores, dos bufões. Debater passará a ser uma excentricidade, questionar transformar-se-á numa provocação. As palavras perderão o seu sentido original e o silêncio terá a promessa de uma recompensa. Quando derem por si, os homens serão habitantes de um mundo diferente.
Como é óbvio, não é inevitável, e talvez não seja sequer provável, que isto venha a suceder na realidade. Importa, contudo, agir de modo preventivo dispensando particular atenção a princípios e a regras fundamentais e imprescindíveis para o funcionamento plenamente democrático de uma sociedade. Antes de mais, convirá assinalar que, por muito grave que seja a crise que enfrentamos, nada legitima a instauração na prática de um estado de excepção conducente à redução dos direitos reais de intervenção no espaço público. A ninguém pode ser atribuído o privilégio de determinar arbitrariamente o que pode ou não ser objecto de discussão política. Se assim não fosse, quem tivesse o poder de decidir a agenda teria a capacidade de condicionar drasticamente o debate, desvirtuando a essência da cultura democrática. Para além disso, é ainda imperioso acautelar um conjunto de procedimentos formais que garantam o respeito pelo pluralismo das ideias e das opiniões e assegurem o exercício das liberdades de expressão e de participação na vida pública. O Estado deve sentir-se obrigado a especiais deveres de isenção e de transparência numa altura em que a sociedade civil está natural e visivelmente enfraquecida. Temos que ter consciência que circunstâncias económico-sociais dramáticas favorecem o surgimento de uma cultura de dependência incompatível com as exigências de uma democracia séria.
Militante do PS
TÓPICOS
Jose INICIANTE: Vi-te a trabalhar o dia inteiro Construir as cidades pr'ós outros Carregar pedras, desperdiçar Muita força p'ra pouco dinheiro Vi-te a trabalhar o dia inteiro Muita força p'ra pouco dinheiro Que força é essa? Que força é essa? Que trazes nos braços? Que só te serve para obedecer? Que só te manda obedecer? Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que te põe de bem com outros E de mal contigo? Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Não me digas que não me compreendes Quando os dias se tornam azedos Não me digas que nunca sentiste Uma força a crescer-te nos dedos E uma raiva a nascer-te nos dentes Não me digas que não me compreendes Que força é essa Que força é essa? Que trazes nos braços? Que só te serve para obedecer? Que só te manda obedecer?  23.05.2020
Jose INICIANTE: Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que te põe de bem com outros E de mal contigo? Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Que força é essa? Amigo Autor: Sérgio Godinho. 23.05.2020
Colete Amarelo EXPERIENTE: A necessidade... de comer, por exemplo.  23.05.2020

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