E eu não quis deixar de colocar também os
comentários dos seus oponentes, como forma, aliás, de lhe prestar homenagem pela sua coragem, nobreza,
saber e elegância expressiva, ao exprimir o seu repúdio pelas macacadas
sindicalistas deste 1º de Maio. Francisco
Assis é um homem que, esse sim, devia ser representante máximo deste país, é
tempo de lançar ordem neste estábulo de Áugias, que só uma força hercúlea
poderá talvez eliminar – a força da integridade mental e moral, tanto como a física, que parecem ser apanágio de Francisco
Assis, jovem bastante ainda para levar um tal projecto de “limpeza” e ordem a bom porto.
OPINIÃO
O PCP, Lenine e o confinamento político
Na sinistra e norte-coreana
coreografia da Alameda perpassava o fantasma do triunfo da unicidade sindical.
Tantas décadas decorridas e eis finalmente Soares e Zenha momentaneamente
derrotados.
FRANCISCO ASSIS
PÚBLICO, 9 de Maio de 2020
No meio da pandemia que nos assola o
PCP ainda encontrou tempo e entusiasmo para celebrar o aniversário do
nascimento de Lenine. O partido que contesta o confinamento momentâneo,
resultante de uma crise sanitária, extasia-se na proclamação das virtudes do
criador do mais terrível modelo de confinamento político que a História
conheceu. É por isso que há qualquer coisa de obsceno e de repulsivo nas
considerações que os comunistas portugueses tecem acerca dos presentes
constrangimentos ao pleno exercício das liberdades públicas no nosso país. Estes
constrangimentos não ofendem o modelo constitucional democrático-liberal, não
se destinam a perdurar no tempo e não atacam o núcleo fundamental dos direitos
cívicos e políticos. É hoje muito difícil escrever o que quer que seja que
contrarie a retórica dos comunistas, dos filo-comunistas e dos imbecis sempre
dispostos a representarem o papel de idiotas úteis ao serviço desta corrente
doutrinária dogmática, intolerante e totalitária. Ainda mais difícil é tal
tarefa quando levada a cabo a partir de uma perspectiva identificada com a
herança cultural e política das grandes lutas da esquerda democrática no mundo
ocidental.
Nos
últimos meses tenho dedicado grande parte do meu tempo ao estudo de dois
filósofos, Cornelius Castoriadis e
Claude Lefort, os
fundadores do célebre grupo Socialisme ou Barbarie, criado em 1949, e que
originou a conhecida revista com o mesmo nome. Apesar da diversidade dos
seus percursos ulteriores, tanto Castoriadis como Lefort sempre proclamaram
a pertença ao espaço doutrinário e político da esquerda europeia. Castoriadis,
inclusive, nunca renegou uma vocação revolucionária. O que os
distingue e, a meu ver, lhes confere uma verdadeira superioridade moral, é o facto
de terem muito precocemente percebido o carácter hediondo do regime instalado
na URSS. Isso
levou-os a uma ruptura com o próprio pensamento marxista, mau grado a admiração
que sempre mantiveram por Karl Marx. Uma coisa não é incompatível com
a outra. O próprio Raymond Aron, sem dúvida um dos mais lúcidos críticos do
pensamento marxista, nunca escondeu o seu respeito pela obra deste grande
pensador alemão. Todos
eles percebiam que uma coisa era a figura de Marx, outra a dos seus seguidores,
os simplórios guardiões de uma ortodoxia erigida em seu nome ou os perigosos
burocratas infames que procuravam justificar os seus minúsculos privilégios
pela invocação da sua memória.
Este
respeito por Marx não significava, contudo, uma adesão ao marxismo, doutrina
muito marcada pela herança hegeliana, pela influência cientificista e
positivista e pela crença numa visão teleológica e escatológica da História. Apesar disso, Marx não pode ser
confundido com o marxismo-leninismo. O elogio
deste último constitui uma manifestação de cumplicidade com uma das mais
monstruosas manifestações históricas da dimensão trágica do homem. O que é
preocupante nos dias que correm é a propensão para um certo branqueamento do
totalitarismo soviético. Ainda há dias uma pessoa que respeito
manifestava publicamente o seu tributo à União Soviética pelo facto desta ter
contribuído para a derrota do nazismo. É verdade que contribuiu decisivamente
para isso, mas tal não pode constituir uma cortina de fumo que nos impeça de
compreender a verdadeira natureza do regime soviético. Dir-se-á que este regime
desapareceu e que a sua exaltação póstuma não se reveste de especial
significado. Afirmar isso significa desconhecer a importância do simbólico na
vida das sociedades.
Nessa
perspectiva, a forma como a CGTP se obstinou na teatralização das comemorações
públicas do 1.º de Maio não
deve ser entendida como um acontecimento banal. Esta organização sindical, umbilicalmente ligada
ao PCP, sempre se reclamou de uma legitimidade histórica excepcional, de índole
quase metafísica, que lhe outorgaria um estatuto impermeável à observação e ao
cumprimento das regras aplicáveis aos demais mortais. No fundo, na sinistra e
norte-coreana coreografia da Alameda perpassava o fantasma do triunfo da
unicidade sindical. Tantas décadas decorridas e eis finalmente Soares e
Zenha momentaneamente derrotados. Não é conveniente dizer isto numa altura em
que o PS procura manter as melhores relações com o PCP. É justamente porque não é conveniente que é
imprescindível dizê-lo. Lefort e
Castoriadis, com quem não tenho a pretensão de comparar-me, pagaram um preço
elevado por terem combatido o totalitarismo soviético. Pagaram-no
sobretudo porque o fizeram a partir de uma perspectiva de esquerda. Se há coisa
que a ortodoxia marxista-leninista não perdoa são as críticas provenientes de
personalidades e sectores que se recusam a identificar com o pensamento
conservador.
O
Governo, que tem estado globalmente bem na abordagem da questão da pandemia, esteve
mal na forma como tratou as comemorações do 1.º de Maio. Pior ainda esteve o Presidente da República, que
compactuou com a grotesca encenação e procurou distanciar-se da mesma quando
percebeu o seu carácter controverso. Quando lidamos com a igreja
marxista-leninista temos de cultivar especiais cuidados. Mesmo quando o seu
diácono nacional se apresenta com a bonomia operária e popular do simpático
Jerónimo de Sousa. Nunca nos esqueçamos que por detrás desta bonomia estão um
homem, um aparelho e um partido que convivem tranquilamente com a memória do
Gulag, da exterminação dos chamados “inimigos do povo”, do internamento dos
dissidentes em hospitais psiquiátricos. Celebrar Lenine é celebrar tudo isto.
Militante do PS
TÓPICOS
COMENTÁRIOS:
Anarquista Inconformado.904435 INICIANTE: Sinistra crónica a deste individuo, que sempre
conviveu mal com a democracia portuguesa. Sempre foi um funcionário da
oligarquia corrupta e cleptocrata de quem foi um fiel servidor, como esta
crónica demonstra. 10.05.2020
Tiago Vasconcelos INICIANTE: Assis convive bem com a democracia. Quem não tem
lições a dar sobre democracia são partidos que, durante toda a sua existência,
apoiaram e foram apoiados (financeiramente inclusive) por ditaduras. Ver alguém
que se auto-intitula de "anarquista" a revelar amiúde simpatias pela
esquerda totalitária é, no mínimo, irónico.10.05.2020
Manuel Brito.205795 MODERADOR: "sinistra e norte-coreana coreografia" é um
exagero infeliz que estraga um pouco um texto desassombrado e pertinente.
10.05.2020
Mangusto INICIANTE: Venham mais artigos desses. As víboras são capazes de
estar quietas durante longo tempo, até sentirem as presas completamente desatentas
para darem o "golpe de misericórdia"! E até já se dão ao luxo de se
enganarem e entrarem pela Porta da Democracia. Veja-se o caso da Venezuela !
Mas o FIM vai ser sempre o mesmo. 10.05.2020
Jose MODERADOR: A fotografia das comemorações do 1.° de Maio de 2020
em Lisboa (também as de quase todas as capitais do mundo) em plena pandemia do
SARS-CoV-2. É de facto uma fotografia que já está na história do sindicalismo
português e mundial. Está ali a resposta fantástica que resume as duas
vertentes da pandemia: a crise sanitária e a crise económica e financeira. Ali
está a homenagem às vítimas da cobarde covid-19 e simultaneamente a homenagem
aos trabalhadores mortos cobardemente pelo Patrão em Chicago há 134 anos. Está
ali a homenagem aos trabalhadores, que correndo mil riscos, estão na linha da
frente a salvar vidas e também aqueles que mantém o país a funcionar, correndo
mil riscos. Está ali a homenagem ao milhão de trabalhadores vítimas da
impreparação do Patrão que ficaram sem vínculo laboral. É uma fotografia fantástica que encerra a
responsabilidade, a sensatez de quem põe tijolo sobre tijolo, faz o pão e a
construção por sua própria mão. Há pessoas que todos os dias comem esse pão,
habitam essa construção e nunca puseram um tijolo sobre outro tijolo. Dessas
pessoas há Assis que tem ainda a escassa humanidade de sentir remorsos da
condição de parasita perante a eloquência da fotografia do 1.° de Maio em
Lisboa. Apesar de nunca ter feito a "ponta de um corno", viver no
fútil e eterno confinamento de copiar e colar retocando textos que outros já
copiaram, retocaram e publicaram, viver nessa realidade abstracta do idealismo
filosófico ainda se choca, vocifera, espuma-se como se fosse um ser vivo de
carne e osso como nós. É comovente. Obrigado CGTP por teres tirado do coma
Assis.
Joao Garrett INICIANTE: Excelente artigo, revelador, uma vez mais, de uma
estatura moral e política que não tem comparação no actual regime político.
Daí, a sua marginalização da vida política. Bem haja! 09.05.2020
José.269234 INICIANTE: Respeitar as normas plasmadas em decreto, e impostas
pela DGS, realmente é ser sinistro e norte coreano. Pois, só na cabeça deste
Assis, político moribundo, de um PS que já não existe. O partido que contesta o
confinamento momentâneo, como diz Assis, é aquele que lutou 48 anos contra a
ditadura e o fascismo, que viu militantes seus serem torturados e mortos, que
deram a vida pela liberdade e pela democracia, oferecendo, também a Assis, a
possibilidade de ser pago para dar a sua opinião, e dizer obscenidades destas.
Dizer que é obsceno o PCP insurgir-se contra as restrições à liberdade, e perda
de direitos e garantias durante o período de confinamento, só mesmo de quem vê
a sociedade com as lentes do tal modelo liberal que ele refere, que todos bem
conhecemos, e nunca serviu para nada. 09.05.2020
ana cristina MODERADOR: Oportuníssimo e pertinente. O Costa, enredado nas suas
habilidades maquiavélicas, perde de vista o essencial. Como se nada importasse,
a não ser fortalecer a clientela pessoal.
Julio MODERADOR: Em plena "crise sanitária" - como agora se
diz que nos encontraremos - considerar lixo que, de tão putrefacto, nem
reciclável já é, como sendo oportuníssimo, não é caso para utilizar uma máscara
mas um escafandro... com muito, muito oxigénio... 09.05.2020
ana cristina MODERADOR julio, desculpe, não percebi os seus argumentos. qual
é a parte que acha "lixo"? as práticas do leninismo? a convivência
tranquila do tio jerónimo com elas ao ponto de celebrar o dia de anos do
lenine? a coreografia da alameda? 09.05.2020
Manuel Brito.205795 MODERADOR: ana cristina, já reparou que as críticas aos horrores
do leninismo e do estalinismo, e à imposição da ditadura soviética ao Leste da
Europa durante quase quarenta anos são sempre deflectidas e ficam sempre sem
resposta? Acho que até na Igreja Católica existe mais auto-crítica.
10.05.2020
Albano INICIANTE: Lenine é passado e suas ideias foram tragadas pelo
tempo. Fossem elas boas e ainda estariam a valer e a serem aplicadas. E o PCP
nada mais é do que um museu moribundo do comunismo.
Vitor Amaral
INICIANTE: Como trabalhador permitam que diga o
seguinte: li, A. Soljenitsin (O arquip. Gulag e um dia na vida de Ivan..), S.
Aleksievitch (O fim do último homem soviético), J. Barnes (O ruído do tempo)
etc. E daí conhecer alguma coisa do atroz regime Leninista/Estalinista. E
daí também não compreender alguns posicionamentos do PCP. As comparações
estabelecidas, são a meu ver, pouco rigorosas. No sector privado estamos e
vamos precisar de uma organização sindical de combate por uma negociação séria,
e, não de uma organização sindical dócil e de colaboração, melhor, se os
trabalhadores deixarem à UGT a defesa dos seus interesses estão feitos ao bife.
Sob o jugo do neoliberalismo vai ser preciso o manifesto comunista, até porque,
a pai de Engels, hoje, não está assim tão diferente. 09.05.2020
Jose
MODERADOR "Primeiro levaram os Comunistas, //
Mas não falei, por não ser Comunista. // Depois, perseguiram os judeus, // Nada
disse então, por não ser judeu, // Em seguida, castigaram os sindicalistas //
Decidi não falar, porque não sou sindicalista. // Mais tarde, foi a vez dos
católicos, // Também me calei, por ser protestante. // Então, um dia, vieram
buscar-me. // Nessa altura, já não restava nenhuma voz, // Que, em meu nome, se
fizesse ouvir." Martin Niemoller 09.05.2020
Manuel Brito.205795 MODERADOR: É claro que você esquece todos os comunistas que
levaram os outros comunistas para os gulags. 10.05.2020
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