José Pacheco Pereira julgo que
se excedeu neste seu texto de vã glória em que alardeia a sua sabedoria contra
a ignorância dos mais, neste caso, de Nuno Melo, que escreveu sobre marxismo cultural na nossa sociedade – quem dera que fosse –
expressão que mereceu a PP justa
condenação de ignorância, suplantada, todavia, pela inesperada jactância do seu
próprio exibicionismo num “eu é que sei” snobe e tonto. Deu-me pena, pois “não havia necessidade”. Mas julgo que o
“ego” de PP o ofusca demais, com que se vinga, talvez, contra uma sociedade que
lhe não presta o culto correspondente ao seu mérito. Mas alguns comentadores o
saberão melhor definir.
OPINIÃO
A pandemia da ignorância a propósito do “marxismo
cultural”
Temos de suportar duas pandemias, a da
ignorância e a do vírus. Convenhamos que é demais. Nestas alturas, tenho um
surto de pedantismo incontrolável.
PÚBLICO, 16 DE MAIO DE 2020,
Às
vezes nem vale a pena bater no ceguinho, porque para bater em ceguinhos em
Portugal arranja-se sempre uma multidão. De preferência quando o ceguinho já
está mesmo ceguinho, porque mesmo só com um olho, o estilo reverencial abunda e
o país é muito pequeno para haver independência crítica. E então se for anónima
a pancada, os praticantes são mais que muitos.
Mas
a ignorância atrevida, essa, sim, merece azorrague, até porque nos dias de
hoje, de pensamento mais do que exíguo, a coisa tende a pegar-se pelas “redes
sociais”, o adubo ideal
da ignorância. Temos de suportar duas pandemias, a da ignorância e a
do vírus. Convenhamos que é demais. Nestas alturas, tenho um surto de
pedantismo incontrolável. Bom, não sei bem se a classificação de pedantismo é a
melhor, mas que por lá anda, tenho a certeza.
Vem
isto a propósito do actual uso e abuso da expressão “marxismo cultural”, muito
comum hoje à direita mas também usada muitas vezes erradamente à esquerda, que,
na sua globalidade, é cada vez menos marxista, mas ainda não deu por ela. Porém,
o uso à direita é uma espécie de vilipêndio e insulto e, em muitos comentadores
de direita, é comum para caracterizar uma espécie de polvo omnipresente, que
lhes rouba as artes, as letras, o jornalismo, algumas universidades, as
ciências sociais, a comunicação social, a educação e o ensino, e os obriga a
refugiar-se nos espaços “livres” dos colégios da Opus Dei, no Observador, nos
blogues de direita, na Universidade Católica, nos lobbies ideológicos
empresariais com acesso à comunicação, nalgumas fundações, nalguns
articulistas, na imprensa económica, etc. Para bunker contra o “marxismo
cultural” já parece muito espaçoso, mas eles acham-no apertadinho.
Nuno Melo escreveu
recentemente um artigo com o título sugestivo de “A supremacia
do marxismo cultural”, que é um
bom exemplo de quem não percebe nada do que está a falar. Começa com uma
citação de Marx, aquilo a que ele chama a “lição” que a esquerda aprendeu:
“As ideias da classe dominante são,
em todas as épocas, as ideias dominantes, porque a classe que é a força
material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, a sua força intelectual
dominante.”
Muito
bem. A frase quer dizer exactamente o contrário do que ele pretende. Quer ele
dizer que é o proletariado a “classe dominante” nos dias de hoje e que é por
isso que a “força intelectual dominante” é o marxismo? Interessante, ele
vai certamente explicar-me quando é que houve mudança de “força material
dominante”, ou seja, quando é que houve uma revolução. Na interpretação de Marx,
são escritos como o de Melo que revelam a “força intelectual dominante”, ou
seja, a da burguesia.
O
que é essencial na interpretação do marxismo é que a seta do poder, que explica
a sociedade, a cultura, a economia, a cultura, se faz a partir “de baixo”, das
relações de produção, do modo de produção, das classes dominantes a cada
momento da história, e que nesse terreno é a luta de classes que define essa
outra seta que é o sentido da história. Como Lenine e Trotsky disseram de forma
mais bruta, de um lado está o “caixote do lixo da história” e do outro o
futuro, a base da teleologia marxista. E embora
haja “acção recíproca” entre a superestrutura e a infra-estrutura, ela faz-se
sempre a partir da “determinação” da infra-estrutura. Esta interpretação de Marx é a essência da sua teoria,
e mesmo quando, nas escassas páginas que escreveu sobre a “cultura”,
Shakespeare, em particular, admitiu uma “autonomia relativa da cultura”, nunca
admitiu que essa autonomia fosse absoluta. Ou seja, na interpretação marxista,
nunca o “marxismo cultural”, seja lá o que isso for, podia ser dominante numa
sociedade capitalista, e isto é o bê-á-bá da coisa. Nem Lenine, nem Rosa Luxemburgo, nem Gramsci, nem
Lukács, se afastaram deste ponto essencial.
E,
mesmo aceitando-se a ambiguidade da expressão, seria um absurdo dizer que
qualquer forma de “marxismo cultural” tem hoje “supremacia” na sociedade
portuguesa. É verdade que há muita força da esquerda e do esquerdismo (que
não é a mesma coisa) em determinados sectores da “superestrutura”, nas artes,
nas letras, em certa comunicação social, mas acrescente-se duas coisas:
primeiro, a maioria dessa esquerda e desse esquerdismo não é marxista; segundo,
já teve mais força do que hoje tem e, mesmo a que subsiste, está cada vez mais
acantonada. Por exemplo, nos anos da troika, muito do discurso público em
matérias de sociedade e economia era “neoliberal” (não gosto desta designação,
mas vai por facilidade), e uma das grandes vitórias ideológicas da direita foi
conseguir interiorizá-lo de forma “dominante”. Devo dizer que eu troco todo o
esquerdismo cultural no teatro pela reversão dessa invasão inconsciente de
muitas cabeças pela TINA.
Eu
não sou guardião da ortodoxia de Marx, mas sei o que ele disse e o que ele não
disse e não participo neste abastardamento das ideias pelas palavras e pela
propaganda. O problema é que gente como Nuno Melo, e muita direita, acha que
bater no André Ventura é uma expressão do “marxismo cultural” e só não se
apercebe de como está a dignificar o exercício, porque precisa de um papão com
um nome ilustre para glorificar a vaidade própria. Não é muito edificante ser
vítima da sua ignorância, mas já é outra coisa ser vítima de uma universal
conspiração marxista que, vinda das trevas do comunismo, os persegue pelas ruas
de Bruxelas.
Historiador
TÓPICOS
COMENTÁRIOS:
delta
EXPERIENTE: Marxismo
cultural surge quando se começa a referir que as classes trabalhadoras não
aceitam a revolução por causa da "falsa consciência". Aí, o objectivo
passa a ser eliminar as fontes de "falsa consciência", nomeadamente a
tradição de pensamento, direito e filosofia greco-romana e cristã, mas também o
bolo de pensamento que vinha do iluminismo. É por isto que o foco dos partidos
comunistas passou a ser as classes produtoras de cultura, como académicos ou
artistas, e menos as classes trabalhadoras. O marxismo cultural é o primeiro
passo da revolução, embora não a garanta.
amora.bruegas
EXPERIENTE: Da
revolução para manipular as pessoas, retirando-lhes a sua identidade, os
parâmetros sociais e afectivos que a identificam na multidão, caso da Família,
pois o objectivo é criar sociedades de zombies. 16.05.2020
F
M D C A C INICIANTE: O PP desvaloriza o peso da "esquerda cultural"
nas universidades. Conheço várias em Portugal e fora. O ambiente que se vive em
muitas é de terror ideológico "de esquerda". Sempre senti (e tem
piorado) que tenho de "ter muito cuidadinho" de cada vez que abro a
boca. E, nas conversas, a vasta maioria dos interlocutores assume sempre que os
outros partilham de um quadro de ideias alinhado com as "causas" dos
"bons pensadores", nas diversas agendas do politicamente correcto, na
ecologia, no amor a Santo Obama, e até nas agendas identitárias de grupo, e por
aí fora. E ai de quem não cante como o resto do coro canta...16.05.2020 amora.bruegas EXPERIENTE: Bom testemunho..., querem impor um pensamento único,
totalitário! "todos podem pensar como quiserem..., desde que seja igual ao
meu" J.Estaline 16.05.2020
Jose MODERADOR: Não existe "marxismo cultural" nem
em Portugal nem em parte alguma. Existe anti-comunismo que é a ideologia
dominante pregada em todas as tribunas. O Exército Azul, a Domus Pacis são
incansáveis na instrução da propaganda anti-comunista e nas acções até
violentas contra a hipótese de medrar uma saída ao Capitalismo, único sistema
económico e financeiro vigente no planeta, com suas imperfeições e
contradições. A propaganda existe há muitas décadas, ainda não existia o PCP. O
foco da propaganda vai mudando com os tempos. Essas nuances da linha de
comunicação não alteram o alvo: Atrasar qualquer alternativa ao pensamento
único da direita conservadora e da direita reaccionária. No Brasil o sucesso
dessa propaganda tomou a forma de frente contra a "marxismo cultural"
deu Bolsonaro! 16.05.2020
amora.bruegas EXPERIENTE: Nem auferir um tacho de deputado e de eurodeputado...,
trabalhar uma vida, é com os outros. Coerências de quem condenava o
capitalismo..., mas gosta do seu cheiro. 16.05.2020
Albano
INICIANTE: Marxismo
cultural é aquilo que sobrou no subconsciente de alguns "intelectuais
progressistas" após a derrocada da URSS, do muro de Berlim e do estrondoso
fracasso da ideologia marxista-leninista mundo afora. Não, não foi criado
nenhum vazio ideológico, porque na realidade não precisamos de ideologias e nem
religiões, precisamos é de pragmatismo, resultados concretos sem retóricas
vazias. 16.05.2020
Fernando
Costa INFLUENTE: Acredito que o conceito de marxismo cultural não passe
no crivo da superlativa cultura de JPP, mas sem dúvida que ele exibe algo
muito mais simplório e fácil de identificar mesmo sem aceder à biblioteca da
Marmeleira: o patrulhamento intelectual.
Tiago
Vasconcelos INICIANTE: As crónicas de Pacheco Pereira denotam um persistente
provincianismo intelectual. O que, mais uma vez, mostra que a
quantidade de livros que se lê ou que se possui não está sempre correlacionada
com a clarividência de espírito. Aquilo que, à falta de melhor termo, se
designou de "marxismo cultural" é realmente um problema. Que Nuno
Melo tenha feito uma crítica disparatada (que inegavelmente foi) não torna
menor ou até inexistente o problema que o marxismo cultural representa. Douglas
Murray expõe-o brilhantemente no seu recente livro "A Insanidade das
Massas". 16.05.2020
Espectro
EXPERIENTE: Vou
lendo e ouvindo o que Pacheco Pereira vai dizendo no espaço público ao longo
destas últimas 4 décadas, mais precisamente desde que foi deputado pelas listas
do PSD de Cavaco. Todos sabem que é culto, da área das humanidades, longos anos
a militar nos partidos maoistas, portanto com traquejo na política, na
discussão, na argumentação solidamente ancorada em Marx, Lenine e Mao. Pelo que
vai dizendo, parece-me que continua a ser de esquerda (às vezes mais à esquerda
que o PS), mas no entanto apoiou Cavaco, um dos líderes, a par de Passos, mais
à direita do PSD e ainda mais inculto que Passos! E manteve-se sempre no PSD,
apesar de quase sempre o PSD estar ainda mais à direita que o CDS! Porquê, PP?!
Tachos?, não acredito nem se vêem! À espera deles? nesta idade já é muito
improvável! Lol Talvez que na esquerda o PP pense que há muitos intelectuais
como ele ou acima dele e que na direita, um marxista, seria uma espécie única
capaz de brilhar ainda mais que o Sol. Estarei enganado?! Não me parece, todos
temos ego e o do PP é mais de ordem intelectual que material. 16.05.2020
nelsonfari EXPERIENTE: mais uma ofensiva dos mentores desta forma de viver, deste
estado de coisas. Outra coisa não é senão uma tentativa de luta dos poderosos
pelo domínio do mundo. Passará como tantas outras tentativas passaram. É melhor
reservar as energias para as possibilidades de transformar o mundo e a vida que
esta pandemia pode oferecer. É melhor voltar à Economia Política. O descalabro
está à nossa volta, a carência aumenta e, após 2008, temos de novo um tsunami. Sobre
JPP, Marx e o comunismo, recordo que, no estudo do comunismo e do PCP, JPP
sempre estudou e trabalhou por conta própria. Sobre Cunhal, escreveu uma
biografia dita política (inacabada, por enquanto) mas não autorizada. Nem
sequer consentida (como a que Vítor Matos escreveu sobre Marcelo, que não meteu
o bedelho no que Matos escreveu).JPP: não é Gramsci.
E
JPP sabe o que Marx disse e não disse? Bem me tenho esforçado por chegar a este
patamar. Logo, no "Capital", Economia Política, fiquei atento aos
esquemas de reprodução simples e reprodução alargada, conceitos explicativos da
extorsão da mais-valia. E também à perequação da taxa de lucro. Como diz Ahfan
Neca, Jerónimo não sabe destas coisas. Talvez as sinta, as coisas que se sentem
na infra-estrutura, nas relações de produção. Jerónimo talvez ainda se lembre
dos seus tempos de operário, isto há quase cinquenta anos, pois desde 1975
arranjou funções no PCP e na vida política. O meu objectivo é atingir o patamar
de JPP: saber o que Marx disse e não disse. Lá chegarei. Mas, Guerreiro, ontem,
no "Íplison", escreveu sobre marxismo cultural, também contra a obra
de Foucault. O Melo sabe disto?
Ahfan
Neca INICIANTE: Há muitas interpretações sobre o que Marx disse e não
disse. Mas em Portugal há uma pessoa que "sabe o que ele disse e não
disse". À volta dessa pessoa é só ceguinhos. Diz o detentor do marxismo
que "seria um absurdo dizer que qualquer forma de marxismo cultural tem
hoje supremacia na sociedade portuguesa", o que é puro marxismo
mecanicista. E logo a seguir diz também: "não sou guardião da ortodoxia de
Marx", Mais ortodoxo do que está acima é difícil conceber. O Jerónimo está
ao mesmo nível.
Jose
MODERADOR: Caro
Ahfan Neca Pacheco Pereira estudou bastante para saber bastante sobre a
produção intelectual de Marx, mas não é marxista. É Social-Democrata! Não se
iluda. 17.05.2020
AndradeQB
MODERADOR: Não li o artigo de Nuno Melo, e tudo que
PP diz será eventualmente verdade, mas o artigo de PP não é sobre isso nem é a
isso que ele quer chegar. Só um ignorante pensará que quem chama a actuais
movimentos ou pessoas de fascistas é porque estes reincarnam Hitler ou que quem
as chama de comunistas é porque reincarnam Estaline. Uma ignorância ao nível da
de pensar que se não tivesse havido 25 de abril, Portugal ainda hoje não teria
internet. Não, PP não é ignorante, mas ao vir aproveitar
ignorâncias de Nuno Melo para esconder o que é comprovadamente verdade, está a
querer fazer dos outros parvos e isso não é rigorosamente pedantismo. Se PP
visasse o rigor, usaria outro termo para se classificar, mas usa este para
desviar a atenção da sua real intenção. 16.05.2020
Manuel Figueira INICIANTE: AndradeQB: O senhor é outro dos que não leram o artigo original
que deu azo a este. E que não percebeu patavina deste. Mas, apesar disso, para
dar razão a PP quando fala das redes sociais como adubo da ignorância, decide
comentar. Faz-me lembrar a história de dois amigos que falavam de gastronomia.
Um deles refere-se a um prato que seria muito apetecível, ao que o outro
retorquiu: nunca comi mas não gosto.
AndradeQB MODERADOR: Caro Manuel Figueira, eu procurei esclarecer que me
estava a dirigir à leitura que fiz do que está no artigo de PP e não ao que PP
diz estar a comentar. Posso estar errado, mas não é minimamente o estar a
comentar um prato que não provei. Na minha leitura do artigo, que me parece
bastamente suportada em várias referências alargadas no artigo, incluindo às
redes sociais, o que Nuno Melo terá dito é pretexto insignificante. A conclusão pretendida pelo artigo não tem nada a ver
com esse pormenor. Um conselho se o quiser, desconfie do discurso aplicado às
redes sociais, do "sapateiro não poder ir além do sapato". Isso é
conversa para néscios. Seja Hitler, seja Pacheco Pereira, seja eu próprio, gostaríamos
de um mundo em que só nós fossemos ouvidos, mas, felizmente, os outros também
falam. 16.05.2020
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