Uma forma sempre educada e conscienciosa
de rever os dados da História que vamos vivendo, sem pretender assustar e, pelo
contrário, dando-nos amenas expectativas de conforto para breve, nesta questão
do petróleo, que ainda há pouco, como Jaime Nogueira Pinto refere, se pagava ao comprador para que o levasse,
dado inédito, e que o historiador explica. Quanto a Angola, parece que a queda
momentânea do “ouro negro” mão a afectará, o que será um bem para o país, que
tantas riquezas tem para se erguer, não foram os estranhos chefes que a têm
dirigido…
Considerações sobre a crise petrolífera /premium
Que pode a Geopolítica do petróleo
fazer num mundo em que a economia e a geoeconomia ficaram reféns da pandemia e
em que as relações internacionais vivem na geometria variável dos interesses?
JAIME NOGUEIRA
PINTO
OBSERVADOR, 22 MAI
2020,
1.O
mercado mundial do petróleo tem uma tríade de produtores e actores principais: os Estados-Unidos, a Rússia e a Arábia
Saudita, todos com
produções acima dos dez milhões de barris diários. Têm também, como é natural,
uma longa história de relações:
2. D.
Roosevelt encontrou-se com Ibn Saud e daí nasceu uma longa parceria: as majors americanas
tomaram conta do petróleo do Reino e os Estados Unidos passaram a proteger e
defender militarmente a casa de Saud. E, no tempo da Administração
Reagan, seguindo uma estratégia delineada pelo
então Spymaster da América, William “Bill” Casey, os sauditas fizeram uma
guerra de preços – aumentando a produção e exportação do petróleo – que
deitando o valor do barril de crude abaixo (logo dando um golpe significativo
nas exportações da então URSS), contribuíram para debilitar a
economia soviética e precipitar a Perestroika e a
política de autodestruição do Império comunista mundial de Gorbachev.
No primeiro trimestre deste ano,
quando a sombra do Covid 19 começava a alongar-se sobre a Europa, também os
grandes exportadores, russos e sauditas, iniciavam um novo confronto, sem
guerra Fria à mistura, mas de qualquer modo, um confronto sério.
Perante a claríssima ameaça do
Covid-19, a OPEC procurou um entendimento com
a Rússia para um corte na produção que controlasse a quebra dos preços, em
consequência da paragem da economia dos transportes – e da economia em geral que ameaçava o mundo
euroamericano e também a China.
Quem começou a guerra? Não importa
muito, mas num momento em que os preços tinham todas as condições para cair, os
dois maiores produtores, em vez de negociarem um acordo de
redução de produção, entraram numa espécie de competição pela baixa do preço
que provocou a queda meteórica do valor do petróleo. Em 8 de Março, os Sauditas anunciaram descontos de 6
a 8 dólares por barril o Brent caiu para baixo dos 25 dólares em 18
de Março e o WTI, abaixo dos 21.
Em 2 de Abril Trump interveio: com estes preços o shale-oil, que fora o milagre
americano na energia, e que tinha uma estrutura de médias e pequenas-médias
empresas na produção caminhava para a ruína. Trump falou alto com o
príncipe Mohammad bin Salman, o homem-forte de Ryhad; falou também com Putin,
mas a redução acordada de 10 milhões barris dia na produção era ainda assim
curta.
E foi a inédita e extraordinária
notícia de que o “preço” da WTI, para as entregas em Maio tinha caído para -37
dólares/barril, isto é na negativa, isto é o vendedor pagava ao comprador para
lhe ficar com o produto. O
excesso da oferta sobre a procura, o esgotamento da capacidade de
armazenamento, aquela imagem patética e apocalíptica de centenas senão milhares
de petroleiros, no mapa-mundi à procura de destino.
3. Que pode a Geopolítica do petróleo
fazer num mundo em que a economia e a geoeconomia ficaram reféns da pandemia e
em que as relações internacionais – sem solidariedades ou divisões ideológicas
– vivem na geometria variável dos interesses?
Formados nos anos 60-70, em que o
petróleo era rei, em que havia o domínio das míticas Seven Sisters, em que
aconteceu o boicote da OPEC depois da guerra do Kippur, em que líamos no clássico
de Daniel Yergin – The Prize — as explicações da importância do “ouro negro”
nos negócios deste mundo, este panorama – para além da surpresa, deixa-nos a
sensação de choque da mudança de paradigma. Fui
reler agora, também de Yergin, The Quest, que no final lembra a história de Sadi
Carnot – filho do famoso Lazare Carnot — revolucionário, regicida, membro
do Comité de Salvação Pública, e Ministro da Guerra de Napoleão.
Sadi
Carnot, reflectindo
sobre as causas da vitória dos Ingleses contra Napoleão não tinha dúvida em
atribuí-la, acima de tudo, ao domínio da energia, especialmente da máquina a
vapor. Publicou essa tese em Reflexions sur la puissance motrice
du feu et sur les machines propres à déveloper. Com este livro, foi praticamente o pai da
Termodinâmica. Carnot percebeu que graças aos “combustíveis” ia
acontecer uma “revolução” e que, para além da força dos homens e dos animais
domesticados, e do vento e das águas, surgia uma nova fonte de energia.
4. Depois
do corte da OPEC, de cerca de 10 milhões de barris da sua produção, a Rússia
aceitou reduzir a sua de 11 milhões barris/dia para 8,5 milhões, e nesse
sentido o ministro da Energia deu instruções às empresas. Segundo a Reuters em
20 de Abril, se aos cortes da OPEC e da Rússia, que somam cerca de 10 milhões
de barris diários, juntarmos as reduções esperadas dos Estados-Unidos, da
Noruega e de outros países que estão fora do acordo, pode chegar-se a um corte
na produção de 20 milhões de barris, o que corresponde a mais ou menos 20% do
consumo mundial antes da crise do Covid-19.
Estas
medidas parecem estar a ter resultado, na medida em que os preços quer do Brent
quer do WTI têm tido uma subida gradual que os fixou esta quinta-feira, 21 de
Maio, respectivamente nos 33 e 36 dólares o barril. É certo que tudo depende
da extensão temporal das medidas de confinamento e muito particularmente da
retoma dos transportes marítimos e aéreos. A US Energy Information
Administration prevê uma recuperação em força dos preços para o último
trimestre de 2020. Mas o que se esperava só para essa, o atingir da casa dos
30, 35 dólares já foi, entretanto, cumprido.
5. Em
relação ao Covid-19, a África em geral e a África Tropical e
Subtropical, têm sido
extraordinariamente poupadas, em termos de incidência epidémica: o calor, a juventude média da população, a
imunidade adquirida pela continuidade de surtos epidémicos vários, uma maior
marginalidade em relação às grandes rotas de transporte, cada um e todos estes
factores podem explicar este relativo privilégio. Mas o mesmo, como também
temos sublinhado não acontece com a economia, e os grandes produtores subsaarianos
– nomeadamente a Nigéria e Angola – têm pela frente dias difíceis. Dentro dos
cortes decididos pela OPEC, Angola
irá baixar a produção para 1.270.000
barris/dia em Maio e um pouco mais em Junho. A Nigéria fará o mesmo na devida proporção. O corte da Nigéria
será o equivalente a 22% da produção anterior à crise, para 1.400.000
barris/dia em Maio e Junho aumentando depois gradualmente, à medida em que a
economia mundial for também retomando a actividade.
6. Mas a situação do mercado petrolífero
angolano, não deixando de ser difícil, está longe do quadro apocalíptico que
alguns imaginam. As
negociações entre o governo de Luanda e a Sonangol com os operadores
estrangeiros, começadas há cerca de dois anos, e alguns acordos concluídos
quase em cima da crise, parecem tê-la adivinhado, e tudo vai no sentido de que,
graças às condições fixadas, não acontecerá um “rush” dos investidores.
Como
explicou à Lusa o advogado e grande conhecedor do mercado angolano, Agostinho
Pereira de Miranda, o sector petrolífero angolano está mais bem preparado,
graças a estas anteriores negociações com os investidores da indústria
petrolífera, para uma recuperação do que a maior parte dos outros países
africanos produtores.
De
como e porquê, falaremos mais adiante.
COMENTÁRIOS
Maria Nunes: Excelente.
Vitor Batista: É um privilégio ler Jaime Nogueira Pinto.
Pedro Santos da
CunhaVitor Batista: Exactamente.
Parabéns mais uma vez Jaime. Maior privilégio ainda é ter o Jaime como nosso
Amigo há dezenas de anos. Grande Abraço Pedro
Luciano Barreira: Reduzir a
mobilidade ao essencial é uma grande conquista da humanidade, não é necessário
tanto consumo de matérias-primas nem tantas horas gastas em deslocações.
Consequentemente, todas as necessidade logísticas terão de sofrer um
ajustamento severo. Bem-vindos ao mundo novo...assim o espero.
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