Não propriamente de mon moulin, mas que servem
de alguma distracção, em tempo de retenção caseira por um maligno C19 que um
deles – Hans – desmascara na contabilidade pouco
credível dos casos chineses, e do preço excessivo dos seus produtos de remedeio
chantagista, de que eu própria fui vítima - numa loja chinesa ocasionalmente
entreaberta - comprando por 7,5 euros uma máscara de plástico transparente, por
não as encontrar, na altura, noutros sítios. Outros aspectos mais tratam os
dois amigos, de forma leve e com algum sabor, resultante das suas próprias
experiências pelo mundo, incluindo o de cá, deste povo luso que ambos apreciam,
na sua afabilidade simpática, talvez simplória…
Lenines de cá e d'além mar
Nesta semana os nossos amigos falam
do 1º de Maio, da TAP, do presidente da câmara do Porto, do Arcebispo de Los
Angeles mas também do regresso das motas Norton e... da barbeira do Hotel
Altis.
02 mai 2020
WILLIAM ALCHINBALD E HANS HOFFMANN
OBSERVADOR, 28 de Abril de 2020
Não
consigo arranjar maneira de regressar a St Andrews, pelo que continuo por esta
admirável cidade que é o Porto,
para mim agora uma espécie “gaiola”, mas muito dourada, graças ao soul que leva
dentro, e à sua gente de afabilidade tão invulgar.
Como
sou ruivo, nota-se que não sou lusitano, e aqui metem conversa comigo, se é que
não me chamam logo “bife” (pele muito encarnada…). Foi o que aconteceu com um sujeito
alto e magro que se passeava por aquele esporão que aqui há na Foz (é o
nome do meu bairro) e entra pelo mar dentro, a que chamam Molhe. Era o único
humano, além de mim, a ousar caminhar naquele piso escorregadio causado pelo
limo das algas, e a enfrentar a proximidade à forte ondulação forte daqui, de
beleza tão dramática quanto irreplicável
Lá
lhe disse que sou escocês, mas que nascera no Porto. E ele começou a falar
da história da cidade, das diferenças que agora tanto se notam em relação ao
passado, de livros de notáveis escritores portuenses, sei lá, (e até me
referiu um de que o Hans não pára de me recomendar, Mário Cláudio, creio). Atendeu o telefone, pareceu-me inquieto e,
sem mais, desapareceu em passo estugado. À noite estava eu a browsing a tv
portuguesa e, eis se não quando vejo que o meu homem do Molhe, era afinal o
verdadeiro Homem do Leme, o Mayor cá da terra! E fui ver na net o que este
herói anda a fazer pelo Porto: fiquei embasbacado. Quem dera ao seu (ou será
sua?) Berlim ou ao meu (minha?) Edimburgo terem um Mayor assim!
O
Hans, que viaja mais do que eu, sabe bem que, quando chegamos a um sítio
envolvemo-nos com as notícias locais. Apesar
de o box estar mais silly que nunca, mesmo assim vejo os canais locais, o Porto
Canal, a RTP, a SIC, a TVI, e leio o Observador (bom jornalismo digital,
digo-lhe!) e o Público. E fico um pouco baralhado. Imagine que no dia 1
de Maio as Unions estão autorizadas a manifestarem-se na rua aos milhares,
quando tudo está fechado em casa. Disseram-me que é para poderem participar em
alguns funerais a que, até esta excepção tão bizarra, quase ninguém podia
assistir, às vezes nem o Padre ou o viúvo! Mas parece que, em vez de
encarnadas, se vão manifestar com bandeiras pretas! Acho difícil acreditar, mas
nunca se sabe.
No
outro dia o Hans telefonou para me recomendar comprar acções de uma das
empresas aéreas americanas, que agora valem quase zero. Fiquei céptico, mas
como com o empreendedorismo yankee tudo é possível, nesse caso se calhar tem
razão. Aqui na Europa, o mito de o Estado não poder, por lei de Bruxelas
(!), subsidiar as Air Frances e as Alitalias deste mundo, é treta. É aos
biliões como sabe, e a lei bruxelense que vá dar uma volta! E na Lusitânia não deixou
de me chocar ver um tal Santos (não recordo se é Nuno, ou se será Pedro, ou até
Vladimir, como o Lenin?) a levantar o dedo e a dizer, tantos anos depois de o
muro de Berlim ter sido derrubado e de o Vasco Gonçalves (um soviético
lusitano, que quase desfez este nosso querido rectângulo) ter sido dado como
demente, que agora o povo é que vai mandar na TAP, pois a TAP vai ter dinheiro
do povo! Já imaginou o que seria? Por exemplo, eu que sou do povo, a mandar
naquilo?!
Sempre
fui um fã de motocicletas, e em St Andrews tenho uma velha Norton com que me
passeio pela orla costeira lá de Fife. Não sou só eu quem sempre foi fã das
motos Norton. Também foram o seu amigo Che Guevara, e outro com quem se calhar
esteve aí em LA, o Clint Eastwood, entre milhares de outros fiéis ao longo de
décadas. Esta absoluta inglesice que eram as motos Norton, quase faliu.
Mas graças a quem, aos indianos!, nem mais nem menos. Fique a saber que a
Norton Motorcycles sobreviveu. O novo dono é a TVS Motor (pagou 16 milhões, nem
sei como), a terceira maior fabricante de motas na Índia, que vai investir
dezenas de milhões de libras nessas motos de luxo que são a paixão de milhões
de aficionados por todo o mundo. Estou salvo! Contrataram um sabichão da
Harley Davidson, e vão produzir 12.000 por ano, quase tudo à mão, um super
luxo, lá em Leicester, em Donington Park. Espero que a Norton, que existe em
Inglaterra desde 1898, não perca a pedalada!
O
Hans, apesar do CV19, não pára de viajar por causa das responsabilidades na
Woschiems, pelo que não se sente isolado. Mas eu, apesar desta hospitalidade
ímpar dos tripeiros (os portuenses são peritos a cozinhar tripas!), sinto-me longe
dos meus amigos e família de St Andrews, do Old Course, do Big Room do meu
club, e de jogar golf. Aliás aqui nem no Oporto Golf Club em Espinho posso
exibir os meus dotes, pois está encerrado! Por isso sinto-me só, e a
contemplação dos quadros do Edward Hopper servem para mergulhos quase
masoquista na solidão, que vão até às profundezas da alma! Gozar a angústia do
Hopper dá-me prazer! Estranho, não acha? Sei que tem dois quadros dele na sua
coleção, mas com os meus cabedais (confesso fui procurar esta bela palavra para
o apoucar…) a minha paixão por aquela pintura só a satisfaço com reproduções ou
nos museus! Dado o que estamos a viver, não admira que os Nighthawks
estejam a ganhar grande popularidade, com reproduções e até manipulações
surreais deste quadro… Deus queira que a exposição em Basileia na Fondation
Beyeler, que esteve tão poucos dias aberta por causa do danado vírus, reabra e
se mantenha acessível ao público algum tempo: não posso faltar!
Kindest
abraços deste seu amigo,
30 de Abril de 2020
30
de Abril de 2020
Pois
hoje estou-lhe a escrever de Los Angeles, e decidi ficar novamente neste hotel
de Berverly Hills, onde em tempos conheci um dos próprios Hiltons que, na minha
juventude, passava aqui longas temporadas. Não admira, o hotel era dele, e só
se viam beldades! Nos finais dos anos 70 apresentava-me a estas celebridades
de Hollywood, com que eu ficava varado (e esta palavrinha lusitana: acha que
estou a melhorar? Vá ver a etimologia sff, é muito interessante). Mas olhe caro
William, o ambiente por aqui neste mundo do cinema pouco ou nada mudou, me2 ou
não me2, Weinstein ou não Weinstein. Coitadas, as candidatas ao estrelato têm
que fazer pela vida, não acha?
Imagine
que me chegou às mãos um estudo de Derek Scissors, do American Enterprise
Institute, especializado em estudos das relações sino-americanas, que
coloca o número de casos de CV19 na China num número trinta vezes superior ao
oficial, ou seja, 2,9 milhões. Não me parece necessário nenhum
relatório confidencial para desconfiar que os números chineses sejam uma
grande aldrabice, desculpe a expressão. De facto como é possível que a China,
onde tudo isto começou, com mil e quinhentos milhões de habitantes tivesse
menos infectados que os italianos, que são apenas 60 milhões!!!!! E como eles são ditadores comunistas
como outros Lenines quaisquer que ainda esbracejam por aí (é incrível, mas pelo
que me diz ainda os há na Lusitânia!) executam ou surripiam para parte incerta
(cadeia, garrote ou Rocha Tarpeia, o que estiver mais à mão para os silenciar)
todos os que contam o que na realidade se passou ou se passa, médicos que
alertam para o drama, jornalistas que relatam a verdade, sei lá quem mais. E
os ventiladores e máscaras em que eles querem mostrar pseudo generosidade
entregando às pazadas por esse mundo, é tudo sucata!
Cortar
o cabelo onde e por quem, é opção de fé e pede liturgia. Esta semana aqui em
Los Angeles soou o meu telefone mostrando o indicador 351. Era Margarida,
a barbeira do Hotel Altis, em
Lisboa, de quem tanto lhe tenho falado, uma artista insuperável na simpatia e
nas tesouras! E é nela que o meu cabelo põe fé sempre que visito Portugal, com
um cerimonial que é de teatro clássico. Era a manicure e herdou a barbearia do
então seu patrão, o Costa, esse até cantava no S. Carlos, o verdadeiro Figaro,
coitado, agora nos verdes prados, com grande saudade dos fãs…, uma figura da
Lisboa profunda que eu mais amo, e que me brindava sempre com piadas picantes
por causa da minha pronúncia alemã, a rolar os rrr. E agora a Margarida é barbeira com diploma na
parede. E os clientes do mestre dela concluíram rapidamente que corta tão bem
ou melhor que o Costa! O telefonema era para me anunciar que regressa ao
trabalho dia 4, em que os polícias lusitanos autorizam a reabertura das
barbearias. Os clientes que lá vão já lhe preencheram quase todas as horas
disponíveis, todos com uma trunfa tremenda depois de tanto confinamento. Logo
que aterrar na Portela daqui a uns dias vou lá, não há artista de cabelo neste
mundo de Deus, por onde saltito sem parar, que se lhe compare!
Aproveitei
estar aqui para ir visitar um velho amigo, o Arcebispo de Los Angeles, que
conheci em Chicago há uns quinze anos. Eu sou católico converso, e o Hans é
Church of Scotland, mas tenho a certeza que com o seu espírito ecuménico se vai
interessar pelo que faz esse fenómeno de nome Robert Barron e que o William
descobre se for ao site Word on Fire. É de uma contemporaneidade incontornável
na abordagem à evangelização, e de uma inteligência ortodoxa para que não
encontro paralelo. Ainda vai a Papa, oiça o que lhe digo…
Herzlische
Grüsse aus Hollywood!
Palavras
Cruzadas é o título
de uma série de cartas íntimas trocadas entre dois amigos. Um é alemão (Hans Hoffmann), residente em Krefeld, perto de Dusseldorf, e outro escocês
(William
Archibald), residente
em St Andrews, na Escócia, mas ambos com casa em Portugal, país que os
apaixonou. A correspondência tende a revelar um Portugal e um mundo vistos
por Hoffmann na perspectiva da floresta, mas mais como árvore nas cartas de
Archibald. Misturam nessa correspondência acontecimentos políticos, sociais
culturais e económicos tanto portugueses como internacionais, revelando o seu
cosmopolitismo. Usam de ocasional ironia em factos por vezes semi-ficcionados.
COMENTÁRIOS
Adolfo Castro: Muito bem,
mesmo! Que convidem também o António Sousa Homem.
josé maria: Indiscutivelmente
talentosos.
António Sennfelt: Excelente! Very
delicious! Koestlich! Quase, quase me faz lembrar os "Bilhetes de
Colares" do inesquecível A. B. Kotter, editado "in memoriam" por
José Cutileiro! With my best regards und herrzliche Gruesse! AS
SL3 City: O que é isto?
Maria Augusta: Gostei muito. Li
com prazer até ao fim. Continuem.
Maria Nunes: Delicioso.
Obrigada.
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