Se todos tiveram segundo, Marcello não pode
ficar só com o primeiro. Digo, mandato. Bondoso como é, não podíamos deixar de
dar continuidade ao seu jeito de favorecer o desenvolvimento económico do país
com a sua presença nos restaurantes, comendo, e nos lugares de comércio, comprando.
Não haverá metamorfose no segundo mandato, Paulo Rangel escusa de
recear. O objectivo de todos nós é ver a economia florescer e o contributo de Marcelo é
imprescindível nisso. Venha o segundo. Mandato, digo.
OPINIÃO
Presidentes: a metamorfose dos segundos mandatos
Quanto a segundos mandatos (e não só),
estamos conversados. Há coisas que só não vê quem não quer ou quem não quer que
os outros vejam.
PÚBLICO, 26 de
Maio de 2020
1.
Num ápice, as eleições
presidenciais invadiram a actualidade. Tratou-se de uma jogada
claramente oportunista e para simples desvio das atenções. O tema não seria
prematuro não fora a pandemia.
Falando de presidenciais, não sei se este é o tempo certo, pois o vírus
intrometeu-se caprichosamente nos assuntos de Kronos e deu aos calendários o
condão de se esticarem. Quanto à precocidade, nada que o tempo, ele próprio e
já sem máscara, não esclareça.
2. Um
dos argumentos que prosélitos de esquerdas e de direitas tercem ardentemente é
o da metamorfose presidencial nos segundos mandatos. Vale a pena revisitar o argumento. Mário Soares, que é invariavelmente dado como o exemplo simétrico
da situação actual, constituiria o caso paradigmático da síndrome
do segundo mandato. Mas talvez seja injusto pensar assim. A
síndrome é capaz de ser constitucional, no sentido jurídico e genético do
termo, e afectar todos e cada um dos inquilinos de Belém. Para quem
calcula, talvez seja mais avisado contar com ela.
3. Tanto Sampaio como Cavaco,
nos seus discursos e nos seus escritos, fizeram sempre uma leitura
“parlamentarizante” e “minimalista” dos poderes presidenciais, repelindo toda e
qualquer ideia de “activismo” ou de “intervencionismo”.
Essa doutrinação feita em campanha e consolidada no primeiro mandato de cada
qual era apresentada como uma imagem de marca. Ambos se escudavam numa
leitura alegadamente muito rigorosa – quiçá austera e económica – dos
preceitos constitucionais, que, valha a verdade, nada impõe, sugere ou
recomenda. Creio que a interpretação deles pecava por erro e defeito.
Importa,
no entanto, pôr em relevo que este entendimento minimal,
em ambos os casos – Sampaio e Cavaco –,
acabou por os levar ao paradoxo de, já no segundo mandato e em conjunturas de
crise, exercerem os seus poderes de modo ostensivo, às vezes
brutal, e claramente em contramão com a angélica visão “pró-parlamentar”. Um pouco como aqueles pais que, durante a
infância, renunciaram a infligir o mais leve castigo a seus filhos e acabam, já
com eles adolescentes e supostamente incorrigíveis, a espancá-los ou
desalojá-los.
4. O
caso mais óbvio de um exercício protuberante dos poderes
presidenciais foi a dissolução da Assembleia da
República promovida por Jorge
Sampaio em Novembro de 2004. Estando em funções o Governo Santana Lopes, que dispunha de uma maioria absoluta na Assembleia, ainda
assim o Presidente decidiu dissolver o Parlamento. Santana Lopes assumira as funções de
primeiro-ministro, liderando um Governo de coligação PSD-CDS, na
sequência da ida de Durão Barroso para a Comissão Europeia. Aquando da
sua saída, a oposição exigiu a dissolução da Assembleia e a
convocação de eleições. O
Presidente decidiu, todavia, dar posse a um novo Governo, apoiado pela
mesma coligação, com base no mesmo Parlamento.
Empossado o Governo, seguiu-se um
tempo de enorme contestação mediática e turbulência política, em parte
alimentada pela ideia de que o Governo não resultara de eleições e, em parte,
reforçada por uma sucessão de vicissitudes e casos que criaram grande
instabilidade. O mesmo Presidente que
decidira nomear o Governo em Julho resolveu dissolver o Parlamento
no final de Novembro, convocando eleições e provocando a queda desse mesmo
Governo. O ponto aqui é este: um Presidente
com uma prática e uma doutrina parlamentarista acabou por
usar o seu poder mais emblemático em circunstâncias típicas de um autêntico
semipresidencialismo, actuando contra uma maioria absoluta subsistente no
Parlamento.
5.
Cavaco Silva,
de modo mais informal, veio também exercer os poderes presidenciais em
contramão com a sua actuação anterior, que se louvava na célebre “cooperação
estratégica”. Isso foi
particularmente visível em 2011, quando na sequência da sua eleição e em pleno
discurso de posse, faz uma crítica aberta, frontal e demolidora da
governação do segundo Governo Sócrates. O Governo minoritário do PS, em funções desde
Outubro de 2009, acabaria por se demitir pouco depois no
conhecido quadro de bancarrota nacional.
Esta actuação musculada revelou-se
também, mais recentemente, na sequência das eleições de Outubro de 2015,
quando, diante do chumbo parlamentar do segundo Governo Passos Coelho, o Presidente indigitou António Costa, líder
do segundo partido mais votado, para primeiro-ministro. Em se tratando de um
executivo minoritário do PS, com o suporte parlamentar do Bloco de Esquerda e
do PCP, o Presidente exigiu a redução a escrito dos compromissos de apoio. E,
mais do que isso, impôs ao Governo a garantia, em tais acordos, do cumprimento
dos compromissos internacionais do Estado português, nomeadamente em matéria
europeia, de respeito pelas regras da zona euro e de defesa militar (pela via
de pertença à NATO). Neste caso, impôs pois limitações expressas de natureza programática
e substantiva à novel “maioria das esquerdas”. Tudo isto, já para não falar da
crise do episódio da “demissão irrevogável” (Julho de 2013), em que, em troca
de um pacto alargado entre PSD e PS, o Presidente se disponibilizava para uma
“dissolução antecipada” em data presumivelmente mais conveniente ao PS.
6. Já
Ramalho Eanes, in illo tempore, logo a seguir à
revisão constitucional de 1982, que “definiu”
o actual quadro de poderes do Presidente da República, recusara o quarto
governo AD (com a estranha liderança da dupla Vítor Crespo-Luís Barbosa), AD
que dispunha de maioria absoluta no Parlamento. E mesmo Marcelo
Rebelo de Sousa, em
primeiro mandato, e nos idos de Outubro de 2017, provocou em directo e em
discurso ao país a demissão da ministra da Administração Interna
(depois da segunda vaga de incêndios). Isto para não lembrar a novela dos “SMS”
com Mário Centeno e a administração da Caixa, em que o ministro foi posto pelo
Presidente em sérios apuros.
Julgo
que, quanto a segundos mandatos (e não só), estamos conversados. Há coisas que
só não vê quem não quer ou quem não quer que os outros vejam.
SIM e NÃO
SIM Gonçalo Ribeiro Telles. Perfez ontem 98 anos um dos grandes visionários da
vida portuguesa, para quem a inovação não choca com a tradição. Por
causa dele, Portugal foi verde antes de todos os verdes.
NÃO Jair Bolsonaro. Mais do que penoso, é dramático assistir ao colapso
moral de um país e às suas consequências humanitárias, ecológicas e económicas.
Toda a solidariedade ao povo brasileiro e ao Brasil.
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