terça-feira, 26 de maio de 2020

Que raio de moda!



Um texto interessante de Rui Tavares que, naturalmente, alinha, como a maioria, no medo da covid-19, e que por isso é adepto do confinamento imposto, e contraria, assim, ao que parece, o desconfinamento precoce .
No Jornal de Vouzela de 14/5/20 leio um artigo sobre André Dias, “um investigador de 41 anos, natural de Espinho, residente em «Sheffield (Reino Unido), doutorado em Modelação de Doenças Pulmonares pela Universidade de Tromso na Noruega, trabalhou no Instituto de Estatística Médica e Epidemiologia da Universidade Técnica de Munique (Alemanha), colaborando com o Helmaholtz Zentrum Munique “uma das mais prestigiadas instituições do mundo na área de investigação em epidemiologia”. Actualmente trabalha em software de reconhecimento de voz para a multinacional 3M e o seu nome tem dado que falar”
É de Andreia Mota, o artigo, e dele transcrevo o seguinte, além do seu título: «Investigador vouzelense defende que “o problema que temos de enfrentar é o medo”»:

«O nome de André Dias tem estado envolto em polémica, após ter escrito uma carta aberta ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, onde defendeu o fim das restrições provocadas pela covid-19, considerando que “não se trata de uma calamidade sanitária e sublinhando que as estimativas de alguns dos maiores especialistas são que a taxa de letalidade do vírus é muito inferior ao estimado.” Na sua opinião, perante a “falta de estudos válidos que confirmem que o confinamento de pessoas saudáveis possa influenciar uma infecção, muito menos uma infecção pulmonar, não se podem tomar medidas tão graves aos direitos constitucionais de todos até porquenão há sequer recomendações da OMS para tais medidas”. Em conversa com o Notícias de Vouzela, o investigador explicou que a ideia surgiu “na sequência de trabalho e publicações” que fez sobre o tema. Começou em artigos nas redes sociais, explicando aspectos básicos de epidemiologia e falando do que se estava a passar na China e Itália; recolheu mais opiniões de epidemiologistas conceituados pelo mundo e actualmente até tem um blogue onde vai respondendo às questões colocadas pelos seguidores.
“O problema que temos de enfrentar é o medo. Não é o vírus. Hoje sabemos, com certeza técnica suficiente, que não tem mais perigo do que milhares de outros. O medo, no entanto, é real e perigoso”, frisa. Na sua opinião, para isso contribuíram a forma como a comunicação social apresentou os dados de mortalidade /letalidade sem contexto e sem discussão”, e as redes sociais, onde “a facilidade de insulto público torna as pessoas muito susceptíveis e influenciáveis”. O investigador salienta que “hoje temos testes de anticorpos que indicam 50 a 85 vezes mais pessoas infectadas do que sabíamos com os testes anteriores”. “Isto significa que as consequências em mortalidade são muito mais baixas, que (o vírus) não tem capacidade de matar tanto como se temia” Assim, frisa, “ter mais pessoas infectadas é muito bom, significa que a infecção já não tem quem infectar, que quase todos não sabiam sequer que foram infectados, que é muito benigna”. (…)

Não continuo a transcrição, que talvez provoque ironias de discordância, mas não deixo de sentir o extraordinário impacto de populações confinadas, numa Terra de repente silenciada a mando superior, a governação intervindo como se fôssemos todos prisioneiros às ordens da impertinência abusiva, de um ridículo atroz de violência omnipotente.
O certo é que o depauperamento económico, provocado pela paragem, também será causa de mortes, e não vejo como o estigma da desconfiança deixará de impedir, de hoje em diante, a ridícula e incómoda máscara, que a frivolidade e vacuidade femininas vão transformando gradativamente em ridícula moda, até a condizer com o vestuário, talvez para relançamento ardiloso das pequenas economias, talvez apenas para esconderijo de mágoas, ou para exibir fatuamente – ou ironicamente - uma nova moda. Mas prefiro a das calças retalhadas. Pelo menos, deixam passar o oxigénio do ar.

OPINIÃO CORONAVÍRUS
A economia não reabre a pedido
O Estado não é omnipotente, como uns desejam, nem omnipresente, como os outros temem. Por agora, o Estado nem consegue que as pessoas façam aquilo que elas têm mais vontade de fazer, que é sair de casa e lamber um sorvete na rua.
RUI TAVARES
PÚBLICO, 18 de Maio de 2020
Havia, por volta do ano mil, um rei da Dinamarca, da Noruega e de Inglaterra chamado Knut, e mais conhecido por Canuto. O coração do seu império era o Mar do Norte, o que talvez ajude a explicar por que passou à história conhecido por uma questão de marés. Segundo um cronista que viveu cem anos depois do Rei Canuto, os cortesãos deste eram de tal forma lisonjeadores que Canuto sentiu a necessidade de demonstrar que não era omnipotente mandando transportar o seu trono até à beira-mar e ordenando à maré que parasse de subir para não lhe molhar os pés e o manto real. Como a maré desobedeceu e continuou a subir, imperturbada pela ordem real, o exercício deixou claro que há fenómenos sobre os quais nem toda a soberania do mundo tem poder.
A maré é um desses fenómenos. E a natureza humana é bem capaz de não andar longe. O rei Canuto morreu pensando que tinha deixado o assunto esclarecido, e o cronista deixou a história registada como exemplo da modéstia de um monarca que não se tinha deixado inebriar pela sua soberania. Mas os séculos posteriores intervieram acrescentando pontos a quem contava este conto, e agora o que se costuma dizer quando se conta esta história é que o Rei Canuto era um arrogante que achava que o facto de usar uma coroa lhe dava poder para parar as marés.
A história vem a propósito, porque os políticos hoje estão convencidos do contrário: que conseguem começar uma maré, a que chamam “reabrir a economia”. Para isso, saem e vêm com as câmaras de televisão às lojas, como António Costa fez no Chiado no sábado, para convencer os consumidores a consumir. Ora, convinha que os políticos de hoje pensassem naquele rei de há mil anos e tivessem em conta os seguintes princípios básicos. 
Primeiro: a economia não reabre a pedido. A economia reabre quando as pessoas sentirem segurança em fazer a sua vida normal. Não é que as pessoas não queiram — bem pelo contrário. Mas, felizmente, vivemos em sociedades em que há um fácil acesso à informação. O que as pessoas aprenderam sobre o que sabemos e não sabemos sobre esta doença nos últimos meses não vai ser esquecido de um momento para o outro só porque o discurso dos políticos mudou. As pessoas vão esperar para ver como evolui a situação e tomar as suas decisões depois.
Segundo: a razoabilidade é o guia principal dos comportamentos humanos. Há muita gente na televisão e nas páginas de jornais chateada porque as pessoas não são “racionais”. A probabilidade de se morrer de covid-19 é baixa, porque é que as pessoas não saem mais? A razão é muito simples: a probabilidade de se morrer de covid-19 pode ser só 1% se toda a gente for infectada, mas as pessoas não vão morrer só um por cento. Quando se morre, fica-se cem por cento morto. Por isso, a aplicação de um princípio da precaução à escala pessoal é perfeitamente compreensível e não merece censura.
É uma péssima notícia que tenhamos passado para a segunda fase do desconfinamento sem ter avaliado a primeira. Não foi isso que nos foi prometido
Terceiro: a situação no terreno mudará quando os factos mudarem. E com isto não quero dizer quando a vacina for inventada ou estiver disponível, o que pode ser daqui a ano e meio ou nunca. O que quero dizer é que a transparência e a comunicação adequada sobre a evolução da pandemia são decisivas. Desse ponto de vista, é uma péssima notícia que tenhamos passado para a segunda fase do desconfinamento sem ter avaliado a primeira. Não foi isso que nos foi prometido, e se os políticos não nos derem em primeiro lugar os factos e só os factos, dificilmente conseguirão mudar as nossas percepções com eventos para as televisões verem. Os factos reais mandam mais do que os factos políticos.
A pandemia da covid-19 deu azo a um discurso sobre o Estado que desconsidera os ensinamentos básicos de uma história como a do Rei Canuto. Por um lado, temos os activistas habituais da estadolatria, apaixonados pela magia do poder executivo e frequentemente nacionalistas, que vêem a crise sanitária — como todas as crises antes e depois dela — como uma oportunidade para argumentar que a partir de agora é que o Estado-nação vai fazer e acontecer. Do outro lado, temos os activistas habituais da mercadolatria, que estão ansiosos por ver a economia “voltar ao normal”, o que significa que, fora da excepção do estado de excepção que até eles admitem, para eles o Estado deve ser mínimo. Uns e outros andam chateados com as pessoas, que supostamente são “irracionais”, e não saem a consumir, nem em nome do que os políticos lhes dizem, nem em nome da maior glória da economia, mas apenas em seu próprio nome.
Uns e outros deveriam moderar os seus anseios e as suas ansiedades. O Estado não é omnipotente, como uns desejam, nem omnipresente, como os outros temem. O Estado é um actor indispensável no contexto actual, mas o actor decisivo não é ele nem o mercado: o actor decisivo é uma comunidade que deseja proteger-se e que reage de forma tanto mais confiante quanto mais segurança real lhe derem. Por agora, o Estado nem consegue que as pessoas façam aquilo que elas têm mais vontade de fazer, que é sair de casa e lamber um sorvete na rua.
Historiador; fundador do Livre
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COMENTÁRIOS:
jabsantos1709.894864 INICIANTE: Muito bem. Goste-se ou não é assim. É a realidade. Parabéns.
Jose INICIANTE: "O que não passa nas TVs não existe!" Muita conversa sobre futebol, com muita intriga, muitos suponhamos... e o progressivo desaparecimento das autoridades sanitárias das TVs mudam a opinião das pessoas muito rapidamente. Agora que os banqueiros e os empresários já sabem e podem proteger-se não morrerão mais banqueiros nem empresários de covid, mesmo sem cura e sem vacina. Morrerão velhos e trabalhadores sem protecção, higiene, segurança nas fracas casas, transportes, postos de trabalho, espaço público... Esses morrerão sem ser notícia, sem desencadear fecho de meios de produção por Lock Out ilegal, despedimentos colectivos ilegais, despedimentos sumários sem justa causa, sem inspirar medo, morrerão no silêncio. Isso é que muda a história para que tudo fique na mesma. 18.05.2020
AndradeQB MODERADOR: Gostei, mas fico a pensar o que é que se passou com Ruitavares. 18.05.2020
Joao2 MODERADOR: Há um pensamento que este artigo me inspira e sobre o qual gostaria que alguém escrevesse um artigo. Quando se ouvem afirmações como "a Europa tem que ser menos dependente da China" ou "é preciso produzir mais isto e aquilo...", é também um exemplo de tentar fazer acontecer as coisas a pedido, que é o mesmo que nada... Ora, se até concordo que certas coisas devessem acontecer, falta uma cadeia de comando, ou, pelo menos, uma cadeia de fortes incentivos, de modo a que a economia responda a esses apelos. Qual a forma mais eficaz de conseguir isto para sectores de produção estratégicos (não falo da economia em geral)?
Eme R INICIANTE: Efectivamente é um ponto muito importante! Apenas fazendo um desconfinamento sério se pode dar confiança aos cidadãos e pôr a economia a funcionar de forma sustentável e duradora... Tal como está a ser feito (e infelizmente não é apenas em Portugal) os riscos são grandes. Há poucos dias a taxa de contágio (ou transmissão, Rt) era de 0,97 abaixo de 1 certo mas demasiado alta para se estar optimista. Apenas se deveria passar a uma fase seguinte quando o valor do Rt (e a taxa de crescimento de novos casos, por exemplo) atingissem certos 'targets'. Aí sim, far-se-ia um desconfinamento como deve de ser, de forma segura. E poder-se-iam pôr em prática medidas a nível regional, pois há zonas que estão melhor em termos da epidemia e não faz sentido estarem à espera da evolução em Lisboa e Porto. 18.05.2020


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