Um texto interessante de Rui Tavares que, naturalmente, alinha, como a
maioria, no medo da covid-19, e que por isso é adepto do confinamento imposto,
e contraria, assim, ao que parece, o desconfinamento precoce .
No Jornal de Vouzela de 14/5/20 leio um artigo sobre André Dias, “um investigador de 41 anos, natural de Espinho, residente em «Sheffield (Reino Unido), doutorado em
Modelação de Doenças Pulmonares pela Universidade de Tromso na Noruega,
trabalhou no Instituto de Estatística Médica e Epidemiologia da Universidade
Técnica de Munique (Alemanha), colaborando com o Helmaholtz Zentrum Munique
“uma das mais prestigiadas instituições do mundo na área de investigação em
epidemiologia”. Actualmente trabalha em software de reconhecimento de voz para
a multinacional 3M e o
seu nome tem dado que falar”
É de Andreia Mota, o artigo, e dele transcrevo o seguinte, além do
seu título: «Investigador vouzelense defende que “o problema
que temos de enfrentar é o medo”»:
«O
nome de André Dias tem estado
envolto em polémica, após ter escrito uma carta aberta ao Presidente da
República, Marcelo Rebelo de Sousa,
onde defendeu o fim das restrições provocadas pela covid-19, considerando que “não
se trata de uma calamidade sanitária” e sublinhando que ”as estimativas de
alguns dos maiores especialistas são que a taxa de letalidade do vírus é muito
inferior ao estimado.” Na sua opinião, perante a “falta de estudos
válidos que confirmem que o confinamento de pessoas saudáveis possa influenciar
uma infecção, muito menos uma infecção pulmonar, não se podem tomar medidas
tão graves aos direitos constitucionais de todos” até porque “não há sequer recomendações da OMS para tais medidas”. Em
conversa com o Notícias de Vouzela, o investigador explicou que a ideia surgiu
“na sequência de trabalho e publicações”
que fez sobre o tema. Começou em artigos
nas redes sociais, explicando aspectos básicos de epidemiologia e falando do
que se estava a passar na China e Itália; recolheu mais opiniões de
epidemiologistas conceituados pelo mundo e actualmente até tem um blogue onde
vai respondendo às questões colocadas pelos seguidores.
“O problema que temos de enfrentar é o medo. Não é o
vírus. Hoje sabemos, com certeza técnica suficiente, que não tem
mais perigo do que milhares de outros. O medo, no entanto, é real e perigoso”,
frisa. Na sua opinião, para isso contribuíram a forma
como a comunicação social
apresentou “os
dados de mortalidade /letalidade sem contexto e sem discussão”, e as redes sociais, onde “a
facilidade de insulto público torna as pessoas muito susceptíveis e
influenciáveis”. O investigador salienta que “hoje temos
testes de anticorpos que indicam 50 a 85 vezes mais pessoas infectadas do que
sabíamos com os testes anteriores”. “Isto
significa que as consequências em mortalidade são muito mais baixas, que (o
vírus) não tem capacidade de matar tanto como se temia” Assim, frisa, “ter mais pessoas infectadas é muito bom, significa
que a infecção já não tem quem infectar, que quase todos não sabiam sequer que
foram infectados, que é muito benigna”. (…)
Não continuo a transcrição, que talvez
provoque ironias de discordância, mas não deixo de sentir o extraordinário
impacto de populações confinadas, numa Terra de repente silenciada a mando
superior, a governação intervindo como se fôssemos todos prisioneiros às ordens
da impertinência abusiva, de um ridículo atroz de violência omnipotente.
O certo é que o depauperamento económico,
provocado pela paragem, também será causa de mortes, e não vejo como o estigma
da desconfiança deixará de impedir, de hoje em diante, a ridícula e incómoda
máscara, que a frivolidade e vacuidade femininas vão transformando
gradativamente em ridícula moda, até a condizer com o vestuário, talvez para
relançamento ardiloso das pequenas economias, talvez apenas para esconderijo de
mágoas, ou para exibir fatuamente – ou ironicamente - uma nova moda. Mas
prefiro a das calças retalhadas. Pelo menos, deixam passar o oxigénio do ar.
OPINIÃO CORONAVÍRUS
A economia não reabre a pedido
O Estado não é omnipotente, como uns
desejam, nem omnipresente, como os outros temem. Por agora, o Estado nem
consegue que as pessoas façam aquilo que elas têm mais vontade de fazer, que é
sair de casa e lamber um sorvete na rua.
RUI TAVARES
PÚBLICO, 18 de
Maio de 2020
Havia, por volta do ano mil, um rei
da Dinamarca, da Noruega e de Inglaterra chamado Knut, e mais
conhecido por Canuto. O coração
do seu império era o Mar do Norte, o que talvez ajude a explicar por que passou
à história conhecido por uma questão de marés. Segundo um cronista que
viveu cem anos depois do Rei Canuto, os cortesãos deste eram de tal forma
lisonjeadores que Canuto sentiu a necessidade de demonstrar que não era
omnipotente mandando transportar o seu trono até à beira-mar e ordenando à maré
que parasse de subir para não lhe molhar os pés e o manto real. Como a
maré desobedeceu e continuou a subir, imperturbada pela ordem real, o exercício
deixou claro que há fenómenos sobre os quais nem toda a soberania do mundo tem
poder.
A maré é um desses fenómenos. E a natureza humana é bem capaz de não
andar longe. O rei Canuto morreu pensando
que tinha deixado o assunto esclarecido, e o cronista deixou a história
registada como exemplo da modéstia de um monarca que não se tinha deixado
inebriar pela sua soberania. Mas os
séculos posteriores intervieram acrescentando pontos a quem contava este conto,
e agora o que se costuma dizer quando se conta esta história é que o Rei Canuto
era um arrogante que achava que o facto de usar uma coroa lhe dava poder para
parar as marés.
A história vem a propósito, porque os políticos hoje estão
convencidos do contrário: que conseguem começar uma maré, a que chamam “reabrir
a economia”. Para isso, saem e vêm com as câmaras de televisão às lojas, como António Costa fez no Chiado no sábado,
para convencer os consumidores a consumir. Ora, convinha que os políticos de
hoje pensassem naquele rei de há mil anos e tivessem em conta os seguintes
princípios básicos.
Primeiro: a economia não reabre a pedido. A economia reabre quando as pessoas sentirem
segurança em fazer a sua vida normal. Não é que as pessoas não queiram
— bem pelo contrário. Mas, felizmente, vivemos em sociedades em que há um
fácil acesso à informação. O que as pessoas aprenderam sobre o que sabemos e
não sabemos sobre esta doença nos últimos meses não vai ser esquecido de um
momento para o outro só porque o discurso dos políticos mudou. As pessoas vão
esperar para ver como evolui a situação e tomar as suas decisões depois.
Segundo: a razoabilidade é o guia principal dos
comportamentos humanos. Há muita
gente na televisão e nas páginas de jornais chateada porque as pessoas não são
“racionais”. A probabilidade de se morrer de covid-19 é baixa, porque é que as
pessoas não saem mais? A razão é muito simples: a probabilidade de se morrer de
covid-19 pode ser só 1% se toda a gente for infectada, mas as pessoas não vão
morrer só um por cento. Quando se morre, fica-se cem por cento morto. Por isso,
a aplicação de um princípio da precaução à escala pessoal é perfeitamente
compreensível e não merece censura.
É uma péssima notícia que tenhamos
passado para a segunda fase do desconfinamento sem ter avaliado a primeira. Não
foi isso que nos foi prometido
Terceiro: a
situação no terreno mudará quando os factos mudarem. E com isto não quero dizer quando a vacina for
inventada ou estiver disponível, o que pode ser daqui a ano e meio ou nunca. O
que quero dizer é que a transparência e a comunicação adequada sobre a evolução
da pandemia são decisivas. Desse ponto de vista, é uma péssima notícia que
tenhamos passado para a segunda fase do desconfinamento sem ter avaliado a primeira. Não foi
isso que nos foi prometido, e se os políticos não nos derem em primeiro lugar
os factos e só os factos, dificilmente conseguirão mudar as nossas percepções
com eventos para as televisões verem. Os factos reais mandam mais do que os
factos políticos.
A
pandemia da covid-19 deu azo a um discurso sobre o Estado que
desconsidera os ensinamentos básicos de uma história como a do Rei Canuto. Por um lado, temos os activistas
habituais da estadolatria, apaixonados pela magia do poder executivo e
frequentemente nacionalistas, que vêem a crise sanitária — como todas as crises
antes e depois dela — como uma oportunidade para argumentar que a partir de
agora é que o Estado-nação vai fazer e acontecer.
Do outro lado, temos os activistas habituais da mercadolatria, que estão
ansiosos por ver a economia “voltar ao normal”, o que significa que, fora da
excepção do estado de excepção que até eles admitem, para eles o Estado deve
ser mínimo. Uns e outros andam chateados com as pessoas, que
supostamente são “irracionais”, e não saem a consumir, nem em nome do que os
políticos lhes dizem, nem em nome da maior glória da economia, mas apenas em
seu próprio nome.
Uns e outros deveriam moderar os seus anseios e as suas ansiedades. O Estado
não é omnipotente, como uns desejam, nem omnipresente, como os outros temem. O Estado é
um actor indispensável no contexto actual, mas o actor decisivo não é ele nem o
mercado: o actor decisivo é uma comunidade que deseja proteger-se e que
reage de forma tanto mais confiante quanto mais segurança real lhe derem. Por
agora, o Estado nem consegue que as pessoas façam aquilo que elas têm mais vontade
de fazer, que é sair de casa e lamber um sorvete na rua.
Historiador; fundador do Livre
TÓPICOS
COMENTÁRIOS:
Jose INICIANTE: "O que não passa nas TVs não existe!" Muita
conversa sobre futebol, com muita intriga, muitos suponhamos... e o progressivo
desaparecimento das autoridades sanitárias das TVs mudam a opinião das pessoas
muito rapidamente. Agora que os banqueiros e os empresários já sabem e podem
proteger-se não morrerão mais banqueiros nem empresários de covid, mesmo sem
cura e sem vacina. Morrerão velhos e trabalhadores sem protecção,
higiene, segurança nas fracas casas, transportes, postos de trabalho, espaço
público... Esses morrerão sem ser notícia, sem desencadear fecho de meios
de produção por Lock Out ilegal, despedimentos colectivos ilegais,
despedimentos sumários sem justa causa, sem inspirar medo, morrerão no silêncio.
Isso é que muda a história para que tudo fique na mesma. 18.05.2020
AndradeQB MODERADOR: Gostei, mas fico a pensar o que é que se passou com
Ruitavares. 18.05.2020
Joao2 MODERADOR: Há um pensamento que este artigo me inspira e sobre o
qual gostaria que alguém escrevesse um artigo. Quando se ouvem afirmações como
"a Europa tem que ser menos dependente da China" ou "é preciso
produzir mais isto e aquilo...", é também um exemplo de tentar fazer
acontecer as coisas a pedido, que é o mesmo que nada... Ora, se até concordo
que certas coisas devessem acontecer, falta uma cadeia de comando, ou, pelo
menos, uma cadeia de fortes incentivos, de modo a que a economia responda a
esses apelos. Qual a forma mais eficaz de conseguir isto para sectores de
produção estratégicos (não falo da economia em geral)?
Eme R INICIANTE: Efectivamente é um ponto muito importante! Apenas
fazendo um desconfinamento sério se pode dar confiança aos cidadãos e pôr a
economia a funcionar de forma sustentável e duradora... Tal como está a ser
feito (e infelizmente não é apenas em Portugal) os riscos são grandes.
Há poucos dias a taxa de contágio (ou transmissão, Rt) era de 0,97 abaixo de 1
certo mas demasiado alta para se estar optimista. Apenas se deveria passar a
uma fase seguinte quando o valor do Rt (e a taxa de crescimento de novos casos,
por exemplo) atingissem certos 'targets'. Aí sim, far-se-ia um desconfinamento
como deve de ser, de forma segura. E poder-se-iam pôr em prática medidas a
nível regional, pois há zonas que estão melhor em termos da epidemia e não faz
sentido estarem à espera da evolução em Lisboa e Porto. 18.05.2020
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