quarta-feira, 30 de setembro de 2020

“Um cheirinho a alecrim”


No seu empenhamento de viageiro empenhado - que nos parece admirável de espírito antigo - em divulgar influências culturais, consequentes da acção descobridora portuguesa no mundo, com proposta para que a cultura Indo-Portuguesa seja elevada a “Património da Humanidade”, recordo a chegada e a partida das naus lusas desses espaços, conhecidos de Salles da Fonseca, evocados por esse outro poeta que os cantou com exaltamento – Luís de Camões:

LUS., VI, 92
Já a manhã clara dava nos outeiros
Por onde o Ganges murmurando soa,
Quando da celsa gávea os marinheiros
Enxergaram terra alta, pela proa.
Já fora de tormenta e dos primeiros
Mares, o temor vão do peito voa.
Disse alegre o piloto Melindano:
– «Terra é de Calecu, se não me engano.

93
«Esta é, por certo, a terra que buscais
Da verdadeira Índia, que aparece;
E se do mundo mais não desejais,
Vosso trabalho longo aqui fenece.»…

 

LUS. IX, 17
O prazer de chegar à pátria cara,
A seus penates caros e parentes,
Pera contar a peregrina e rara
Navegação, os vários céus e gentes;
Vir a lograr o prémio que ganhara,
Por tão longos trabalhos e acidentes:
Cada um tem por gosto tão perfeito,
Que o coração para ele é vaso estreito.

 

CULTURA INDO-PORTUGUESA

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 28.09.20

RESUMO

Tipologia de conceitos

Estéticos - arquitectura, mobiliário, música, pintura, …;

Religiosos - cristianismo e hinduísmo;

Linguísticos - concanim românico (Goa) e português;

Culinários

* * *

Como relevante potência mundial que já é, e como grande potência que será num prazo não muito distante, a Índia tem na diversidade cultural um dos seus mais importantes Valores, riqueza plural que a beneficia e enriquece.

Com altos e baixos, foram quase 500 anos de intercâmbio e miscigenação entre a Índia e Portugal - eis a Cultura Indo-Portuguesa.

Nas expressões compostas, o elemento determinante é o primeiro. Portanto, neste caso, trata-se de uma Cultura indiana com influência portuguesa. Se o contrário existisse (e não o creio), seria a Cultura Luso-Indiana significando uma Cultura portuguesa com influência indiana.

Concomitantemente, tratando-se de uma Cultura indiana, a sua sede é na Índia. Uma sede excêntrica, dispersa por tantos centros quantos aqueles em que o intercâmbio cultural se fez com mais ou menos intensidade ao longo da História.

Bangalore foi a cidade onde mais inesperadamente encontrei falantes de português. Trata-se, logicamente, de uma língua de base portuguesa mas os seus praticantes eram (são?) afirmativos na convicção de que aquele português é tão autêntico como o que se fala noutras paragens por esse mundo além... E eu próprio tomei a iniciativa de lhes confirmar essa autenticidade.

Para além desta localização, para mim inesperada, mais outras que, essas, sim, já conhecia, desde Diu a Cochim passando por Baçaim, Silvassa, Corlai,… Mas, dentre todas as formas linguísticas que legitimamente integram a Cultura Indo-Portuguesa, o concanim românico assume uma relevância especial não só por ser correntemente usado por cerca de meio milhão de pessoas mas porque, sendo escrito em caracteres latinos, possui só por esse facto uma capacidade de internacionalização muito superior a todas as demais línguas indianas. Urge torná-lo acessível ao resto do mundo incluindo-o, por exemplo, no «Google Translator»[i]. Esta, a minha primeira sugestão para a afirmação da Cultura Indo-Portuguesa à escala global[ii].

Esta miscigenação cultural é muito vasta não apenas na perspectiva geográfica mas sobretudo em múltiplas temáticas. Assim, para além da arquitectura religiosa e profana, assumem especial relevo a música (mandó, p. ex.) e a culinária.

Em Portugal, por exemplo, em paralelo com restaurantes tipicamente indianos, abundam os restaurantes goeses[iii] numa acção de divulgação e afirmação cultural da maior relevância.

Um texto como este – por mais breve que pretenda ser - não pode omitir uma referência ao contributo da Igreja Indiana para a exegese católica ao longo dos já longos anos que o Catolicismo conquistou fiéis no sub-continente indiano. Hindus e católicos foram ensinados a conviver pela sabedoria adquirida pelo pragmatismo da vida e da proximidade diária. E é monumento da tolerância que faz jus à maior democracia do mundo, a União Indiana, nas suas próprias afirmações nos «fora» internacionais. Mas não basta dizer, há que o provar. E a preservação-protecção da Cultura Indo-Portuguesa será uma prova real.

Será por certo um trabalho ciclópico mas convido quem me lê a pensar comigo na nobreza do que será organizar um processo que eleve a Cultura Indo-Portuguesa a Património da Humanidade. E se a minha ideia tomar forma, que o seja sob a égide conjunta dos Governos da Índia e de Portugal.

Ficam as sugestões.

Setembro de 2020

Henrique Salles da Fonseca

[i] - O canarim já está disponível no Tradutor da Google mas essa língua não pertence à Cultura Indo-Portuguesa

[ii] No mundo actual, só existe quem está na Internet.

[iii] - Lastimavelmente, na região de Lisboa não sei da existência de restaurantes tipicamente diuenses nem damanenses

Tags: "lusitânia armilar"

 

COMENTÁRIO:

Anónimo 28.09.2020: Chamou-me a atenção 3 coisas: a cultura indo-portuguesa; ausência da referência ao islamismo e a língua concani. Suponho que houve uma influência mútua, embora em pequena escala na cultura portuguesa. Na arquitectura Portugal importou motivos exóticos e orientais, zoomórficos e vegetativos, por exemplo no Mosteiro dos Jerónimos, na culinária algumas especiarias também vieram da Índia. Na língua também foram introduzidas algumas palavras indianas, exemplo casta, de que eu me recordo neste momento, deve haver outras mais. Quanto à sua internacionalização de hoje em dia, oficialmente o concani em Goa é ensinado através do alfabeto devanagari, enquanto o alfabeto romano ou português, sendo de uso livre, é utilizado sobretudo pelos católicos. Pois falta saber em qual destes alfabetos se deve internacionalizar o concani no google. O islamismo, também deixou alguma influência na arquitectura, para já, em Portugal, antes da expansão portuguesa e depois de conquista de Goa por Afonso de Albuquerque através dos muçulmanos que tenham sobrevivido à perseguição. Quanto à influência no sentido inverso é demais conhecida e sobretudo no vestuário, além de arquitectura, urbanização das cidades e vilas e o espírito de tolerância e harmonia e nas línguas locais e ainda na língua hindi.

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