quinta-feira, 10 de setembro de 2020

FAROL

 

Bom Senso, Bom Gosto, Bom Pensar, é o que traduz mais esta crónica de Jaime Nogueira Pinto, numa reflexão de mestre, que deveria fazer escola, mas que convém à maioria que não faça, indiferentes que somos a um proceder segundo normas de comportamento menos relaxadas. Os tempos são outros, ninguém sabe para onde se deve ir… excepto os que se movimentam no interesse próprio. Mas que não se cale a voz deste faroleiro, de há muito a tentar sinalizar a rota e, para mais, ensinando

O pensamento em primeiro lugar /premium

Talvez seja tempo de haver espaço para introduzir algumas ideias e pensamento político nos partidos existentes e nos novos, de modo a responderem com coerência aos novos problemas e desafios.

JAIME NOGUEIRA PINTO

OBSERVADOR, 4 set 2020,

Um dos problemas da política nacional é o deserto das ideias. As forças partidárias domésticas, além da confessada devoção à ordem democrática estabelecida, complementada à esquerda por alguma radicalidade simplista de reafirmação antifascista e “à direita” por alguma fé europeísta e liberal, são de uma grande aridez em termos de pensamento político.

E quando querem deixar de o ser é quase pior: como, nos tempos recentes, por causa de Trump e Bolsonaro e, por cá, do Chega, com umas proclamações apocalípticas em linguagem tardo-marxista, pretensamente objectiva, científica e académica, prenunciando a chegada de uma nova longa noite de nazi-fascismo e o consequente fim do mundo.

Este triste panorama tem a atenuante de não ser propriamente uma novidade e uma excepção na maioria da Europa Ocidental por ser fruto de modelos culturais condicionados pelos sistemas de educação e comunicação; de uma História abafada pelas sucessivas correcções ideológicas. E da profunda decadência das chamadas “ciências humanas”, da falta de leitura e de leitura de ficção.

À direita é quase sempre o reducionismo do pensamento político ao liberalismo económicoe a extensão desse liberalismo à filosofia e à política determinando uma progressiva hegemonia do relativismo absoluto. Daí a ausência de convicções sobre o que é certo e o que é errado na organização político-social, entregando-se a decisão aos eleitores. Que, em consequência, também não têm tido muito por onde escolher, acabando a III República portuguesa reduzida a um rotativismo entre o socialismo do PS e a social-democracia do PSD. E, para eternizar este rotativismo, para viabilizar a governação ou para garantir a “paz social”, os “partidos do governo” têm vindo a entregar as agendas ideológicas fracturantes às forças radicais, como se de inconsequentes rebuçados se tratasse.

Na Europa, esta alternância também foi, por muitos anos, um rotativismo entre os blocos conservadores, democratas-cristãos versus sociais-democratas e socialistas, com os liberais a oscilarem de um lado para o outro.

Só que isso acabou. Primeiro, com o fim da Guerra Fria e da ameaça soviética, que mantinham uma certa ordem de medo no chamado “Ocidente”; depois, com a extensão, nos anos que se seguiram ao fim da Guerra Fria, do capitalismo ocidental à Ásia ex-comunista e à ex-Cortina de Ferro; com o aparecimento do fenómeno, no Islão, do jihadismo identitário e expansionista; e com a supremacia do pensamento político correcto.

As forças políticas do bipartidarismo centrista não foram capazes, dentro da sua ortodoxia, de encontrar respostas para os problemas que estas mudanças trouxeram ao mundo euro-americano. Em consequência, como a política tem horror ao vazio, surgiram respostas e alternativas, que tiveram formas diferentes na Europa e nos Estados Unidos. Na Europa houve, em geral, o aparecimento ou crescimento de novos partidos: o Front National (Rassemblement National em França; a Lega e os Fratelli d’Italia em Itália; a AFD na Alemanha; o Vox na Espanha. E uma série de partidos nacionais conservadores, alguns dos quais governam na Europa Central e de Leste, como na Hungria, na Polónia e na Áustria. E agora, entre nós, o Chega.

Nos Estados Unidos, sendo naturalmente difícil, por causa do sistema eleitoral, o aparecimento de novos partidos, o que aconteceu foi a radicalização e transformação dos partidos existentes: Donald Trump, um estranho ao sistema, tomou de assalto, por cima, o Partido Republicano e transformou-o de um partido de classe média conservadora, num partido mais popular e radical, de internacionalista num partido nacionalista-conservador, popular e proteccionista. No Partido Democrático, o establishment aguentou melhor o embate, mas cresceu uma ala radical que pactua com os grupos Antifas, as derivas violentas do Black Lives Matter e com o fundamentalismo LGBT.

Tudo isto vai criando uma grande tensão e um clima de confrontação ideológica e, às vezes, também física.

Portugal, que é uma nação muito antiga, onde não existem os fenómenos de “racismo identitário” ou religioso e onde a experiência salazarista introduziu os famosos “brandos costumes”, tem sido poupado a estas mudanças. Mas o regime, ao aproximar-se do meio século (que fará em 2024) e ao ultrapassar, em dois anos, o tempo de seu antecedente – os 48 anos de Ditadura Militar-Estado Novo, entre 1926 e 1974 – também vai ter de enfrentar estes problemas. E não ficará muito longe das soluções da sua região geopolítica.

Com isto queremos dizer que talvez seja tempo de haver um espaço para introduzir algumas ideias e pensamento político nos partidos existentes e nos novos, de modo a responderem com coerência e consequência aos novos problemas e desafios.

Queremos ser uma Nação independente, ou uma taifa? (De Bruxelas, de Madrid, da Comunidade Internacional, é indiferente.) Que Europa queremosdas Nações, federal ou confederal? O que vai ser preciso (legalmente) para ser português? Vamos ter relações privilegiadas com o mundo lusófono, ou isso não nos importa? Vamos ter uma educação cívica baseada na natureza dos homens, das mulheres, das coisas, ou ditada pelas paranóias delirantes do marginalismo cultural, trans-qualquer coisa? O Estado vai vigiar e regular a origem dos investimentos e salvaguardar os elementos essenciais da soberania económica, ou isto vai continuar um leilão à solta, para quem der mais? A economia livre deve ser regulada por um sentido de solidariedade nacional e social, que protege os mais velhos, os mais pobres, os mais excluídos, ou deixamos a mão invisível agir à vontade? Quase novecentos anos de vida do Estado português independente valem alguma coisa, ou nascemos com o 25 de Abril e o MFA? A tradição cristã e católica deve ter algum peso no ordenamento social, ou fazemos tábua rasa do passado?

Estas e muitas outras questões são questões políticas nacionais. A política, os políticos, os partidos, devem dar-lhes respostas. Para isso, em vez da casuística impressionista e volúvel dos inquéritos de opinião, talvez valha a pena encontrar a coerência das ideias e de um pensamento político estruturado em valores. Já não chegam slogans ou “bites” para impressionar a população e quem quiser vencer talvez tenha, por uma vez, que pensar e agir com coerência. Começando por pensar.

A SEXTA COLUNA  POLÍTICA

COMENTÁRIOS

Pedro Santos da Cunha: Excelente Jaime. Mais uma vez. Abraço Amigo. Pedro    José Pinto de Sá: Excelente análise.     João Bilé Serra: um dos melhores artigos do autor. um ensaio de doutrina política. Parabéns       Ahmed Gany: " Deserto de ideias"  ou "oceano de ideias ocas". Idem, idem, aspas, aspas...

Paulo Chambel: Texto que faz um excelente ponto de situação e ajuda a reflectir que caminho queremos seguir como país.   Maria Santos: Não ! Pensar é simplesmente proibido, nesta altura da história!  Há muito que a ditadura do pensamento único luta para embotar as mentes das pessoas, a pontos de querer colocá-las abaixo dos animais! Quem pensa são eles, os tais, e são também eles a decidir o que nós devemos querer ou não! Há muito que o bem se tornou mal e o mal bem, exactamente para que se acabe o direito de pensar. Inventam-se racistas e racismo, para confundir os que ainda não bateram com a cabeça no fundo, e desta forma, se sintam acusados deixando desfazer a própria consciência. Esperemos por tempos muito muito difíceis, mas piores ainda para os que de alguma forma se deixaram convencer algo por esta falsa verdade que se impõe!

Nuno Malho: Excelente texto. Parabéns       José Ramos: Portugal - e o mundo, receio bem - precisam de gente inteligente a escrever História e a pensar Sociedade e Política. Jaime Nogueira Pinto - mais uma escassa meia dúzia (António Barreto, por exemplo) - fá-lo magistralmente e com a despojada sobriedade de quem sabe pensar.       NUNO SILVA: Excelente. Pena não ir a votos, pois já saberia o que escolher. Opção não inteiramente surpreendente pois, vendo bem, já antes me deixei seduzir pelas ideias e propostas de MJNP. Um brilho nos olhos que continua.     Marie de Montparnasse: Uma magnifica reflexão sobre o nosso "mal estar" colectivo. Na queda da URSS, a democracia também abre brechas com novas filosofias globalistas a florescer um pouco por todo a lado. Sendo a democracia um regime de oneroso financiamento, começa a ressentir-se do embate de novas filosofias globalistas e a sua génese cultural, económica, social e política deixou de assumir o papel a que estava destinada. O período que se segue (em curso) caracteriza-se por movimentos nacionalistas que tentam preservar alguns valores da história e por movimentos globalistas que adulteram e fazem tábua rasa desse valores. Um pensamento político coerente neste período não é possível perante a previsível beligerância. O futuro é o desconhecido..   Luís Martins: A demissão política de pensar o futuro já ultrapassou todos os limites aceitáveis. Parece que vivemos num estado colectivo de delírio permanente, certamente induzido pela educação, pela comunicação, pela revisão da História, pelas madraças dos "estudos sociais", pela radicalidade das causas estupidificantes da esquerda radical, mas também pela demissão daqueles que têm o privilégio de liderar. Como noutras ocasiões na nossa História, quando não se pensa o futuro e se recusa a mudança, fecham-se as portas à evolução e abrem-se à revolução.    Adelino Lopes: “pensar e agir com coerência”? Olho para os aglomerados de pessoas (centros comerciais, futebol, festivais, praias, feiras, etc, etc) e não consigo vislumbrar nadinha de nadinha disso. E por outro lado, acredito sinceramente que para os artistas do marketing político esta linha seja por eles interpretada com alguma sobranceria sobre os votantes. Depois olho para os políticos do sucesso e o que vejo? Camaleões no arbusto dos desejos populares. Competência técnica? Ideias? Honestidade? Humanismo? Tudo isso, que interessa? Não ganha eleições.       Carlitos Sousa: A dicotomia direita / esquerda é cada vez mais difícil de defender. Era ponto assente que a direita e os liberais defenderiam o abaixamento de impostos e a manutenção dos vencimentos, principalmente na classe média, para lhes dar mais vocação de investimento. Como esperado, todos os partidos socialistas aplicaram a taxa máxima de impostos (principalmente os indiretos) e todas as comissões possíveis sobre a população com qualquer rendimento. Mas também no último governo de centro direita, assistiu-se a um “enorme agravamento de impostos” e cortes em vencimentos. A desculpa é que a ordem vinha da troika. Depois se viu que a Receita poderia ter sido obtida em outra origem, e as grande empresas e monopólios foram poupadas. Costa percebeu isso e tentou jogar com esse “erro” do governo anterior, aproveitando até a hipótese de retificar o que havia sido feito. Neste momento, em país sem pão, não há razão. A grande maioria dos portugueses votará naquele que acredita lhe roubará menos do vencimento. Descrente, essa é a sua ideologia. Canalizar grande parte da receita e investimento para as empresas privadas, ideologicamente e em teoria, deveria produzir mais empregos e fazer crescer a economia. Só um exemplo… O Estado injectou (e continua a injectar…) 22 mil milhões de euros no sistema financeiro. Quantos empregos esse dinheiro criou, e porque a economia não teve qualquer crescimento ? Gosto de ler as ideias de Jaime Nogueira Pinto. A maioria não apareceu neste texto. Mas difícil não é defender ideias mas executá-las com os efeitos pretendidos.        António Marques Mendes: Artigo muito interessante. Subscrevo o apelo. Porém, interrogo-me se não se trata antes de uma crise da própria democracia, transformada em reality show! Os partidos escolhem quem atrair mais votos, não quem possa governar melhor. O caso dos Estados Unidos é paradigmático. A revolta no Partido Republicano começou com o Tea Party, um grupo defensor do liberalismo radical, que acabou por escolher Trump um proto-fascista protecionista que não podia ser mais anti-liberal. Como dizia alguém, quando uma multidão desce à a rua esta pode ser encaminhada para qualquer lado por líderes demagógicos.             Carminda Damiao Óptimo texto. Antes pelo contrário. Não há deserto de ideias. Há excesso. Os debates estão todos inquinados, mas há uma falsa ideologia dominante, uma visão utópica das "liberdades", que impossibilita a própria Democracia. Uma sociedade só progride se se encarar a ela própria como um todo, e não como uma justaposição, sobreposição, ou conflito entre "comunidades". Nada disto é novo, aliás... O que é preciso, é recuperar o conceito de Nação, como todo abrangente, e sentido colectivo.         Miguel Benis: É preciso acordar este povo!            Rui Lima: É mais grave na direita , comprou as ideias todas da esquerda , revejam o que eram os valores da direita até aos anos 80, hoje estão a esquerda da esquerda da época . Essa é razão porque ha novos partidos a direita que não querem comprar as ideias da esquerda ,razão porque são logo apelidados de extrema direita para meter medo ao eleitor ( Na verdade são liderados por gente pouco inteligente e com falta de cultura em muitos casos oportunistas a semelhança dos outros políticos )     Manuel Magalhães: Mais uma vez uma excelente análise sobre o vácuo da política e dos políticos portugueses em termos de ideias em que nos possamos reconhecer e esse vácuo vai desde o presidente da república até ao mais humilde dos políticos, esta gente decididamente não presta e vai nos enterrando cada vez mais e numa direção muito perigosa...

Joaquim Moreira: Confesso que, depois de ler esta excelente reflexão, a solução está na conclusão. Sobretudo quando diz que, “talvez valha a pena encontrar a coerência das ideias e de um pensamento político estruturado em valores”, “em vez da casuística impressionista e volúvel dos inquéritos de opinião”. “Já não chegam slogans ou “bites” para impressionar a população”, “e quem quiser vencer”, como acaba por dizer, “talvez tenha, por uma vez, que pensar e agir com coerência. Começando por pensar”. Que é o que faz o líder de um partido de poder, que ao poder deve voltar. Antes que tudo isto continue a piorar. Porque, para quem está com atenção, muito do que aqui foi dito, é prática normal, do líder da oposição, actual! Até por ser um político que sabe bem o que é o interesse nacional.       Carlos Quartel: Reflexões interessantes. Tudo parece estar em causa,  estados, pátria, noção de pertença à tribo, até a racionalidade parece em crise, com o ressurgimento da religião e do fundamentalismo ideológico. Proteccionismo e isolamento versus globalização e liberdade de movimento de pessoas e capitais, nada deve ser dado com adquirido e imutável. É necessário sair da crónica do dia a dia, bons augúrios .....Maria Alva: Excelente análise, bem fundamentada e evidenciando uma superior reflexão pessoal, sem os seguidismos costumeiros.    Ana Ferreira: Que JNP generalize o que chama um deserto de ideias, acontece só à Direita, vem confirmar o enviesamento do seu pensamento politico!

Tomás: Actualmente, o pensamento político está concebido para que as pessoas pensem que não há alternativa. Certos assuntos não são discutidos, tanto por o consenso ter pontos cegos como por correcção política. As próprias categorias que privilegia inquinam o nosso juízo para determinadas conclusões. Em resultado, a maioria não pensa em alternativas ou considera o consenso óbvio e inevitável. Pelo contrário, os que sentem que há algo errado não conseguem expressar-se coerentemente por ignorância e falta de um enquadramento intelectual consistente.     bento guerra: Primeiro pensamento: nada vai mudar na governação até o meio de 2021.Segundo, ou o neo velho presidente tem um sobressalto, ou Costa continuará até 2026 ,para se candidatar a Belém, se entretanto não arranjar um bom tacho internacional           d f: Muitas propostas se podem fazer para melhorar a democracia. Talvez o voto obrigatório forçasse os partidos a uma maior sintonia com a população, e reduzisse o peso desmesurado das minorias militantes, permanentemente mobilizadas por uma cultura de ódio ao existente, à história e à sua própria identidade. Talvez o pagamento de impostos diretos por todos os cidadãos e não só pela classe média, conduzisse a uma maior literacia e exigência financeira e económica do eleitorado perante os governantes, e o tornasse mais resistente à demagogia institucionalizada.         Rui Pena: Excelente artigo.     Rui Lima: Por razões que compreendo o JNP não quer ir mais longe porque não basta a boa ideologia ou o bom programa. As nações ocidentais estão a desmembrar-se e num processo de autodestruição, num estado dos USA um grupo de trabalho teria por missão ver rua a rua, estátua a estátua tudo tinha de ser mudado. Mesmo os pais fundadores da nação Americana são impuros, apoiarem ou não condenaram a escravatura. Hoje em França, Luís IV ou Napoleão não existem na escola, nada pode existir que cheire a França, ofende os milhões que chegaram nos últimos anos. Não será possível um programa com futuro se deixamos de ter passado.        Maria Nunes: Pensar é o que esta gentinha, que nos pastoreia, não faz. O país precisava de governantes sérios e competentes, mas cada vez mais, quem tem essas qualidades não se quer envolver na politica, o que se compreende, pois quem não alinha no politicamente correcto é trucidado. Mais uma vez uma excelente crónica. Obrigada JNP

 

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