Sem retórica, apelativo, na sua aflição
denunciante das violências a que o corajoso povo recalcitrante da Bielorrússia
está a ser submetido. A lembrar outros protestos e violências destes tempos de
libertação e apelo, Tiananmen, Hong Kong,
contra as prepotências governativas. Será que resulta a voz solitária de
NATALIA KALIADA, junto da EU? Putin tem muita força intimidatória, indeed…
OPINIÃO
A UE tem de agir agora para salvar a Bielorrússia
As preocupações sinceras dos aliados
internacionais e a condenação de violações maciças dos direitos humanos não vão
ajudar muito. É necessária uma posição colectiva e forte da UE para permitir
uma transição pacífica de poder na Bielorrússia.
NATALIA KALIADA
PÚBLICO, 17 de Setembro de 2020
Maria Kalesnikava, uma das
principais líderes da oposição bielorrussa, foi levada numa carrinha em Minsk,
na passada semana. Kalesnikava foi a última das três mulheres que se opuseram a
Alexander Lukashenko nas nossas eleições claramente fraudulentas de 9 de
agosto. As
outras duas estão exiladas na Lituânia. Espero que Kalesnikava não sofra o tratamento de que a minha amiga Sviatlana
foi alvo quando foi detida pela
polícia em Agosto, durante um protesto pacífico.
Foi mantida numa cela de três por quatro
metros com outras 36 mulheres, sem acesso a comida, água ou casa de banho.
Havia tão pouco espaço que tinham de dormir por turnos. Por vezes, levavam
algumas das prisioneiras para o pátio, dizendo-lhes que iam ser fuziladas e
deixavam-nas ali de pé – mais tarde, levavam-nas de volta para a cela.
O pior, contudo, eram os gritos. Os
homens eram mantidos no chão por cima e, durante todo o dia e toda a noite,
conseguiam ouvir os gritos dos homens a serem torturados. Quando falei com a
Sviatlana após a sua libertação sete dias mais tarde, ela disse-me que nunca se
esqueceria do som daqueles gritos.
Esta
é a realidade na Bielorrússia enquanto Lukashenko tenta manter o seu domínio sobre o poder
após uma eleição fraudulenta. E, ainda assim, Bruxelas continua à
espera. As sanções propostas não serão implementadas antes de 22 de Setembro,
daqui a duas semanas. Lukashenko está claramente encorajado pela passividade da
UE e pela intervenção da Rússia, um híbrido de apoio militar e de propaganda.
Lukashenko demonstrou que continuará a duplicar a repressão e a Rússia
demonstrou que está disposta a apoiá-lo.
Tremo ao pensar na violência que
o povo do meu país irá suportar enquanto a UE, a nossa única esperança com os
EUA fora de cena, olha para o
lado. Exorto a UE a acelerar e reforçar as sanções: Lukashenko e
todos os seus filhos devem estar na lista.
A máquina estatal repressiva está bem
oleada e a actuar em excesso, e têm sido enviados de avião especialistas russos
em segurança e propaganda para expandir esses esforços. A Rússia está disposta a apoiar Lukashenko porque
não é do interesse do Presidente Putin permitir que a democracia chegue à
Bielorrússia. Tal como no caso de Sviatlana, estes esforços destinam-se a fazer
com que as pessoas tenham medo. Mas, após
décadas de domínio com recurso a tácticas destas, estas parecem já não estar a
funcionar. Cada protesto faz emergir multidões sem precedentes, mas o apoio
externo ainda é importante. Sanções oportunas dariam um sinal aos milhares de
pessoas detidas e torturadas, às famílias das pessoas mortas, àqueles e àquelas
que arriscam a sua segurança e subsistência e continuam a protestar – um sinal de que estas pessoas não estão sozinhas.
Estamos
agora num momento sem precedentes em que a Bielorrússia está nas notícias em
todo o mundo e o meu telefone está constantemente a tocar, com activistas e
políticos a tentar entender o que está a acontecer e o que podem fazer. Quero
dizer-vos o mesmo que lhes digo: as pessoas no Ocidente e os governos
ocidentais podem fazer muito mais do que pensam.
As
preocupações sinceras dos aliados internacionais e a condenação de violações
maciças dos direitos humanos não vão ajudar muito. É necessária uma posição
colectiva e forte da UE para permitir uma transição pacífica de poder na
Bielorrússia. São urgentemente necessárias sanções específicas alargadas contra
os responsáveis pela fraude eleitoral e os que participaram na repressão
violenta em curso. A UE pode tornar essas sanções uma realidade agora mesmo e
não daqui a duas semanas.
Sei que as pessoas são capazes de
mais do que pensam pelo meu trabalho com o Teatro Livre da Bielorrússia, da
qual sou co-fundadora. Queríamos quebrar o monopólio do governo sobre a cultura
e apresentar um teatro que ligasse a Bielorrússia ao resto do mundo e que fosse
mais do que um mero porta-voz do governo. Para isso, as nossas actuações eram
feitas nas casas das pessoas, onde sabíamos que o Estado não nos poderia negar
subitamente um local para o espectáculo. As casas eram o único lugar onde os e
as bielorussos/as se sentiam à vontade para falar abertamente sobre política e,
ao transformarmos as casas em locais de encontro e palcos, queríamos também
mostrar aos e às bielorussos/as que havia mais espaço para protesto do que eles
pensavam, e que mais pessoas pensavam como eles e elas. Com mais de cem mil
bielorussos/as a saírem para as ruas dos apartamentos como aqueles em que actuámos,
tem sido fantástico ver todas as pessoas que há como nós.
Enquanto Lukashenko estiver no
poder, continuará a usar medidas repressivas para inibir os e as manifestantes.
É claro que a Rússia é grande, mas Putin verá sem dúvida que a sua interferência
está a alimentar a hostilidade entre os e as bielorussos/as que outrora viram a
Rússia de um modo favorável. Putin não continuará a apoiar Lukashenko a
qualquer custo. A UE pode impedir a Bielorrússia de mergulhar na escuridão que
já permitiu anteriormente a Lukashenko fraude eleitoral e permanência no poder. As sanções são um pequeno passo simbólico, mas de que
os e as bielorussos/as precisam desesperadamente neste momento, pois oferecerá
uma réstia de esperança e solidariedade a Kalesnikava e a outras pessoas como
ela.
Directora
artística fundadora do Teatro Livre da Bielorrússia
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