quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Um texto simples

 

Sem retórica, apelativo, na sua aflição denunciante das violências a que o corajoso povo recalcitrante da Bielorrússia está a ser submetido. A lembrar outros protestos e violências destes tempos de libertação e apelo, Tiananmen, Hong Kong, contra as prepotências governativas. Será que resulta a voz solitária de NATALIA KALIADA, junto da EU? Putin tem muita força intimidatória, indeed…

OPINIÃO

A UE tem de agir agora para salvar a Bielorrússia

As preocupações sinceras dos aliados internacionais e a condenação de violações maciças dos direitos humanos não vão ajudar muito. É necessária uma posição colectiva e forte da UE para permitir uma transição pacífica de poder na Bielorrússia.

NATALIA KALIADA

PÚBLICO, 17 de Setembro de 2020

Maria Kalesnikava, uma das principais líderes da oposição bielorrussa, foi levada numa carrinha em Minsk, na passada semana. Kalesnikava foi a última das três mulheres que se opuseram a Alexander Lukashenko nas nossas eleições claramente fraudulentas de 9 de agosto. As outras duas estão exiladas na Lituânia. Espero que Kalesnikava não sofra o tratamento de que a minha amiga Sviatlana foi alvo quando foi detida pela polícia em Agosto, durante um protesto pacífico.

Foi mantida numa cela de três por quatro metros com outras 36 mulheres, sem acesso a comida, água ou casa de banho. Havia tão pouco espaço que tinham de dormir por turnos. Por vezes, levavam algumas das prisioneiras para o pátio, dizendo-lhes que iam ser fuziladas e deixavam-nas ali de pé – mais tarde, levavam-nas de volta para a cela.

O pior, contudo, eram os gritos. Os homens eram mantidos no chão por cima e, durante todo o dia e toda a noite, conseguiam ouvir os gritos dos homens a serem torturados. Quando falei com a Sviatlana após a sua libertação sete dias mais tarde, ela disse-me que nunca se esqueceria do som daqueles gritos.

Esta é a realidade na Bielorrússia enquanto Lukashenko tenta manter o seu domínio sobre o poder após uma eleição fraudulenta. E, ainda assim, Bruxelas continua à espera. As sanções propostas não serão implementadas antes de 22 de Setembro, daqui a duas semanas. Lukashenko está claramente encorajado pela passividade da UE e pela intervenção da Rússia, um híbrido de apoio militar e de propaganda. Lukashenko demonstrou que continuará a duplicar a repressão e a Rússia demonstrou que está disposta a apoiá-lo.

Tremo ao pensar na violência que o povo do meu país irá suportar enquanto a UE, a nossa única esperança com os EUA fora de cena, olha para o lado. Exorto a UE a acelerar e reforçar as sanções: Lukashenko e todos os seus filhos devem estar na lista.

A máquina estatal repressiva está bem oleada e a actuar em excesso, e têm sido enviados de avião especialistas russos em segurança e propaganda para expandir esses esforços. A Rússia está disposta a apoiar Lukashenko porque não é do interesse do Presidente Putin permitir que a democracia chegue à Bielorrússia. Tal como no caso de Sviatlana, estes esforços destinam-se a fazer com que as pessoas tenham medo. Mas, após décadas de domínio com recurso a tácticas destas, estas parecem já não estar a funcionar. Cada protesto faz emergir multidões sem precedentes, mas o apoio externo ainda é importante. Sanções oportunas dariam um sinal aos milhares de pessoas detidas e torturadas, às famílias das pessoas mortas, àqueles e àquelas que arriscam a sua segurança e subsistência e continuam a protestar – um sinal de que estas pessoas não estão sozinhas.

Estamos agora num momento sem precedentes em que a Bielorrússia está nas notícias em todo o mundo e o meu telefone está constantemente a tocar, com activistas e políticos a tentar entender o que está a acontecer e o que podem fazer. Quero dizer-vos o mesmo que lhes digo: as pessoas no Ocidente e os governos ocidentais podem fazer muito mais do que pensam.

As preocupações sinceras dos aliados internacionais e a condenação de violações maciças dos direitos humanos não vão ajudar muito. É necessária uma posição colectiva e forte da UE para permitir uma transição pacífica de poder na Bielorrússia. São urgentemente necessárias sanções específicas alargadas contra os responsáveis pela fraude eleitoral e os que participaram na repressão violenta em curso. A UE pode tornar essas sanções uma realidade agora mesmo e não daqui a duas semanas.

Sei que as pessoas são capazes de mais do que pensam pelo meu trabalho com o Teatro Livre da Bielorrússia, da qual sou co-fundadora. Queríamos quebrar o monopólio do governo sobre a cultura e apresentar um teatro que ligasse a Bielorrússia ao resto do mundo e que fosse mais do que um mero porta-voz do governo. Para isso, as nossas actuações eram feitas nas casas das pessoas, onde sabíamos que o Estado não nos poderia negar subitamente um local para o espectáculo. As casas eram o único lugar onde os e as bielorussos/as se sentiam à vontade para falar abertamente sobre política e, ao transformarmos as casas em locais de encontro e palcos, queríamos também mostrar aos e às bielorussos/as que havia mais espaço para protesto do que eles pensavam, e que mais pessoas pensavam como eles e elas. Com mais de cem mil bielorussos/as a saírem para as ruas dos apartamentos como aqueles em que actuámos, tem sido fantástico ver todas as pessoas que há como nós.

Enquanto Lukashenko estiver no poder, continuará a usar medidas repressivas para inibir os e as manifestantes. É claro que a Rússia é grande, mas Putin verá sem dúvida que a sua interferência está a alimentar a hostilidade entre os e as bielorussos/as que outrora viram a Rússia de um modo favorável. Putin não continuará a apoiar Lukashenko a qualquer custo. A UE pode impedir a Bielorrússia de mergulhar na escuridão que já permitiu anteriormente a Lukashenko fraude eleitoral e permanência no poder. As sanções são um pequeno passo simbólico, mas de que os e as bielorussos/as precisam desesperadamente neste momento, pois oferecerá uma réstia de esperança e solidariedade a Kalesnikava e a outras pessoas como ela.

Directora artística fundadora do Teatro Livre da Bielorrússia

TÓPICOS

EUROPA  BIELORRÚSSIA  DEMOCRACIA  ALEXANDER LUKASHENKO  UNIÃO EUROPEIA  RÚSSIA  VLADIMIR PUTIN

 

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