Do escritor João Morgado a Ernesto Melo e Castro. A Internet ajuda a compreender, com
visitas a espécimes “poéticos” engenhosos, de facto. Mas facilmente regressei
aos velhos conceitos clássicos que repõem a arte em estruturas mentais de uma
outra racionalidade e emoção artística. As transfigurações, de rebuscamentos
visuais que sejam – e não só – por vezes não passam dos pedaços de carne e
órgãos espalhados, de que se compõem as figuras humanas ou outras, tão belas na
sua inteireza, tão degradadas na sua decomposição, como puro entretenimento
vistoso, que faz sorrir e não comove. Desumaniza.
Visitar os olhos do poeta Ernesto Melo e Castro
Ernesto Melo e Castro recebeu-me em
São Paulo no seu escritório feito de livros, de muitos livros. “Cerca de cinco
mil livros. É o meu universo.”
JOÃO MORGADO Escritor. Autor do romance biográfico de Camões “O Livro do Império”
OBSERVADOR, 01 set
2020, 07:08
Morreu
o poeta Ernesto Melo e Castro. Este covilhanense era poeta e homem de corpo
inteiro. Mas visitei-lhe os olhos quando o fui visitar na sua casa, em
São Paulo, em Setembro do ano passado. Apenas os olhos, como quando se entra
numa casa enorme, mas nos sentamos a conversar apenas numa das suas divisões.
Ernesto Melo e Castro foi
sempre uma enorme casa da poesia, uma casa aberta, não lhe cheguei a conhecer
todos os cómodos, pois havia muito a percorrer entre o alpendre e o desvão.
Fiquei-me por ali, a indagar-lhe os olhos.
Vivia
no Brasil há mais de duas décadas, tão longe da nossa terra, Covilhã, tão perto
de tudo o resto, que o mundo é onde estamos. Visitei-lhe os olhos vivos com
que olhou a realidade e a descobriu tão diferentes de como todos a víamos. Os
olhos envelhecem, não o olhar.
Ernesto Manuel de Melo e Castro afirmou-se como um nome sagrado na poesia visual e
experimental, quer em Portugal, quer no Brasil onde publicou uma série
considerável de livros engenhosos, cheios de poemas, de infopoemas,
ideogramas, traços e letras selvagens, desordeiras….
Recebeu-me
no seu escritório feito de livros, de muitos livros. “Cerca de cinco mil
livros. É o meu universo.” A biblioteca de uma vida feita de letras, de
leitura, de viagens página a página. “Li o seu romance. Há muito que não lia um
romance…” Teceu elogios. Encantou-se pela novela “Céu do Mar” —
agradeci. Falámos de escritas, de leituras, e eu pregado nos seus olhos
vivos de onde a poesia brotou para serigrafias, com uma presença gráfica,
visual, forte. A imaginar que aquelas suas longas barbas seriam uma cascata de
letras, uma cachoeira de caracteres tipográficos a contarem as suas memórias.
O
corpo estava já quebradiço pelas maleitas do tempo, 87 anos na altura. Dizia
que tinha medo de viajar para Portugal que a viagem era longa. “Da última vez
senti-me mal!”. Também não pareceu muito saudoso de um país que nem sempre o
acarinhou. “Recebi das críticas mais insultuosas em Portugal, recebi o
esquecimento de alguns colegas que eu tanto estimava, vi aqueles que eu mais
estimava, como o António Ramos Rosa, morrer quase no anonimato injusto”,
disse um dia, para quem quis ouvir, quando o Presidente da República, Marcelo
Rebelo de Sousa, veio a São Paulo e lhe outorgou a Ordem do Infante Dom
Henrique.
Apresentou-se
com um rosto tranquilo, uma figura helénica, com aquele carisma que sempre o
caracterizou. Persistia-lhe aquela cintilação nos olhos que insiste em negar e
esconder a fragilidade do resto do corpo. Naquela casa sentia-se em paz, forte
entre os livros. Deixou-se banhar pela luz natural que vinha da janela, e
continuou a inspirar e expirar poemas.
Confidenciou-me que continuava a
escrever à mão; escrevia à mão e virava as folhas ao contrário para ninguém
ver. “Não gosta que o leiam”, comenta a
Elza, a sua esposa, outra apaixonada das letras, que o complementou na vida,
que o amparou com ternura. Também lhe brilham os olhos na cumplicidade.
Com
voz cândida, cheia de palavras amigas, Ernesto Melo e Castro falou da minha escrita, da Covilhã, dos têxteis, da
universidade… e eu, que nunca me encontrei com ele nesta terra de bons panos
que é a nossa, fui apertar-lhe a mão lá no Brasil, porque a admiração não tem
fronteiras e nos faz bem sair do caminho, para nos perdermos num abraço…
despedimo-nos com um “até à próxima na Covilhã”. Agora que o seu corpo partiu, parece difícil, mas o mundo
que nós vemos não é igual ao que ele sempre viu, e por certo encontrará uma
outra ‘Covilhã’ num outro universo qualquer, onde nos poderemos encontrar para
falar de literatura… Em mim, os seus olhos vão continuar a brilhar!
CRÓNICA OBSERVADOR POESIA LITERATURA CULTURA
E. M. de Melo e Castro
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
E. M. de Melo e Castro, nome literário de Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro ComIH (Covilhã,
1932 - São Paulo,
29 de agosto
de 2020), foi um engenheiro,
poeta,
ensaísta, escritor
e artista plástico português.
Figura
multifacetada, autor de uma obra caracterizada pela construção de experiências
com vários materiais e vários média, a acção de E. M. de Melo e Castro foi particularmente
marcante na emergência da poesia experimental em Portugal.
Biografia
Filho
de Ernesto de Campos Melo e Castro (Covilhã, 1896 — Covilhã, 1973), neto
materno do 1.Visconde da Coriscada e
Comendador da Ordem da Instrução Pública a 1 de Agosto
de 1955, e de sua mulher e duas vezes prima Maria Gonzaga de Campos e Melo
Geraldes.
Foi casado
com a escritora Maria Alberta Menéres e pai da cantora Eugénia Melo e Castro.
Licenciatura
em Engenharia Têxtil pela Universidade de Bradford (1956); Doutoramento
em Letras
pela Universidade de São Paulo (1998). Foi
professor no Instituto
Superior de Arte, Design e Marketing (IADE) e na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, Brasil.
Destacou-se como um dos pioneiros da
Poesia Visual (concreta) em Portugal. Ideogramas
data
de 1962 e reúne 29 poemas concretos, publicados sem qualquer introdução ou nota
explicativa; este livro é considerado um marco fundador da Poesia Concreta e do
Experimentalismo em Portugal.
Participou no primeiro e foi um dos organizadores do segundo número da revista Poesia
Experimental, em 1964 e 1966,
respectivamente (Ver: Poesia
Experimental Portuguesa).
Entre as diversas antologias e suplementos em que colaborou, assinale-se a
organização de Hidra (1969) e Operação 1 (1967).
Também colaborou revista Arte Opinião (1978-1982).
A prática poética de Melo e Castro
"tem sido acompanhada por uma teorização sistemática sobre a linguagem e
as tecnologias de comunicação. Na sua extensa obra cruzam-se múltiplas práticas
e formas experimentais: a explosão grafémica e gráfica que combina a
fragmentação da palavra com a espacialização da escrita alfabética e do desenho
geométrico; o poema-objeto tridimensional e a instalação; a recombinação
intermédia de escrita, som e imagem em movimento; a performance que inscreve a
presença corporal, vocal e gestual do autor nas práticas sociais e técnicas de
comunicação; a teorização do poema como dispositivo de crítica do discurso no
universo saturado dos média". Figura
marcante no contexto artístico português dos anos de 1960 e 1970, nas décadas
que se seguiram dedicou-se a investigar e a espelhar no seu trabalho as
relações entre a arte e o desenvolvimento tecnológico. Foi autor de um conjunto de obras pioneiras na
utilização do vídeo e do computador na produção literária, que constituem uma
"síntese da consciência autorreflexiva da ciência e da arte
contemporânea" (na Universidade
Aberta, nomeadamente, desenvolveu entre 1985 e 1989 um projecto
de criação de videopoesia denominado Signagens).
A
sua prolífica actividade artística foi apresentada em numerosas exposições colectivas,
em Portugal e no estrangeiro (entre as quais a histórica Alternativa Zero, 1977); realizou diversas exposições individuais (Galeria
111, Lisboa, 1965; Galeria Buchholz, 1974; Galeria Quadrum, 1978; etc.), espectáculos
e happenings (Galeria
Divulgação, 1975; Centro de Arte Moderna, Fundação
Calouste Gulbenkian, 1985;
etc.). Na sua actividade enquanto poeta e crítico publicou dezenas de livros
(entre os quais a Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa, 1959, em colaboração com Maria Alberta Menéres).
Em 2006, o Museu de Arte Contemporânea de
Serralves apresentou O
Caminho do Levema, uma grande exposição retrospectiva da sua obra; da poesia
concreta e experimental à infopoesia, passando pela videopoesia, sem esquecer a
criação de imagens fractais, a mostra reuniu uma seleção de obras
representativas de quase cinco décadas de trabalho. Em
Coimbra,
na sua exposição Do Leve à Luz (integrada no ciclo Nas Escritas PO.EX, 2012), apresentou 14 novos Videopoemas.
A
10 de junho de 2017, foi feito Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
Morreu na noite de 29 de agosto
de 2020, aos 88 anos, em São Paulo.
Transgressão
"[...]para
mim, trabalhar o verso, trabalhar a prosa, trabalhar o signo não verbal, quer
com meios gráficos convencionais ou com meios tecnológicos avançados, faz parte
de um processo total que eu chamo poiésis, isto é, a produção do artefacto, a
produção do objecto, mas do objecto novo, evidentemente. E é justamente nesta
inovação, ou nos aspectos transgressivos em relação às normas estabelecidas
para a produção de versos, de poemas em prosa ou até mesmo de poemas
visuais, é na transgressão que, para mim, se encontra o ponto crucial dessa
produção". E. M. de Melo e Castro, 2001[
Algumas obras
Poesia[editar |editar código-fonte]
Entre o Som e o Sul (1960) Queda
Livre (1961) Mudo Mudando (1962) Ideogramas (1962)
Objeto Poemático de Efeito
Progressivo (1962) Poligonia do
Soneto (1963) Versus-in-Versus
(1968) Álea e Vazio (1971 Visão/Vision (1972) Ciclo de Queda Livre (1973) –
antologia Concepto Incerto
(1974) Resistência das Palavras(1975) Autologia: Poemas Escolhidos 1951-1982 (1983)
– antologia Entre o Rigor e o
Excesso: um Osso(1994) Finitos mais
Finitos (1996) Trans(a)parências –
Poesia I, 1950-1990 (1990) – antologia; Grande Prémio de Poesia Inaset –
Inapa, 1990 Enquanto Jactos e Hiatos (1994) Algorritmos: Infopoemas (1998)
Poesia
experimental portuguesa
Poesia Experimental Portuguesa, Experimentalismo Português ou PO-EX, é um movimento poético surgido no início da década
de 1960 e lançado a partir da publicação em julho de 1964 da revista Poesia Experimental, organizada por António Aragão
e Herberto Helder, contando com a colaboração de António
Barahona da Fonseca, António Ramos Rosa,
E. M. de Melo e
Castro e Salette Tavares. O «1º caderno antológico» de Poesia Experimental foi
publicado nos Cadernos de Hoje (MONDAR editores).
Teve continuidade (2º caderno) em edição dos autores, em 1966.
Tendo
entre seus principais autores e teóricos poetas como E. M. de Melo e Castro, Ana Hatherly
e M. S. Lourenço, os dois primeiros muito ligados inicialmente à Poesia
Concreta, o
movimento foi forte, pelo menos até os anos de 1980, sendo substituído por
outras tendências da Segunda
vanguarda, como a Poesia visual e a Poesia sonora.
Antecedentes
As
raízes da poesia experimental portuguesa remontam aos anos 1950. Num clima
muito criativo, desenvolvem-se, no pós-guerra, três posições poéticas
fundamentais:
Grupo da Távola
Redonda, com António Manuel Couto Viana e David Mourão-Ferreira, que tenta
uma renovação da lírica tradicional;
Surrealistas, representados por António Maria Lisboa e Mário Cesariny de Vasconcelos;
Aproximação ao realismo da revista Árvore e de António Ramos Rosa, que
tenta uma interiorização da experiência do real através de um distanciamento dos
modelos de Fernando Pessoa.
Tudo
isto prepara a famosa "ruptura dos 60"
que consiste numa mudança radical da
posição do poeta em relação aos seus instrumentos de trabalho.
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