Qual pasmaceira! São histórias de terror, estas que já temos escutado e lido, que Teresa de Sousa, valentemente, nos resume. Só desejamos que lhe não suceda mal algum, ainda que seja por conta da nossa insignificância como povo. Quanto às alianças económicas germano-russas – e também Trump _ putinianas - fazem parte dos jogos do poder, qu’en savons-nous? Já a Bíblia conta… e os poetas gregos também segundo Frederico Lourenço, que traduz alguns, entre os quais Teógnis, e a banalidade intemporal dos seus conselhos ao amigo, e a consciência trágica da astúcia humana, que ele, afinal, metaforiza no polvo, de que Vieira se serviu também, na sua extraordinária diatribe aos peixes, num sentido, em todo o caso, mais negativo do que o polvo de Teognis (séc. VI a.C), que até serve de exemplo de flexibilidade:
«Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saiamos
delas, temos lá o irmão polvo, contra o qual têm suas queixas, e grandes, não
menos que S. Basílio e Santo Ambrósio. O polvo com aquele seu capelo na cabeça,
parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com
aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E
debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, testemunham
constantemente os dois grandes Doutores da Igreja latina e grega, que o dito
polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do polvo primeiramente em
se vestir ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores a que está pegado.
As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia; as figuras, que em
Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício. Se está nos limos, faz-se
verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo: e se
está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da
mesma pedra. E daqui que sucede? Sucede que outro peixe, inocente da traição,
vai passando desacautelado, e o salteador, que está de emboscada dentro do seu
próprio engano, lança-lhe os braços de repente, e fá-lo prisioneiro. Fizera
mais Judas? Não fizera mais, porque não fez tanto. Judas abraçou a Cristo, mas
outros o prenderam; o polvo é o que abraça e mais o que prende. Judas com os
braços fez o sinal, e o polvo dos próprios braços faz as cordas. Judas é
verdade que foi traidor, mas com lanternas diante; traçou a traição às escuras,
mas executou-a muito às claras. O polvo, escurecendo-se a si, tira a vista aos
outros, e a primeira traição e roubo que faz, é a luz, para que não distinga as
cores. Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua
comparação já é menos traidor!» (in Sermão de Sto António aos Peixes)
Escrevera Teógnis (séc. VI a. C):
“Coração,
mostra a todos os amigos uma disposição variável, /
misturando a disposição que é própria de cada um. / Toma
como modelo o polvo astuto, que parece /
.confundir-se com a rocha a que está agarrado.
/ Ora vai nesta direcção, ora
assume um aspecto diferente. / A sabedoria é melhor do que a inflexibilidade
/ em demasia te não agites com os
cidadãos agitados, / Ó Cirno, mas segue a vida do meio, como eu…..
(in ”POESIA GREGA” – De Hesíodo a
Teócrito» - Frederico Lourenço
OPINIÃO
Como lidar com ditadores
Como enfrentar os ditadores quando o
líder da maior e mais poderosa democracia do mundo olha para o lado?
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 6 de Setembro de 2020
1.O que fazer quando o regime russo
recorre sistematicamente ao envenenamento dos seus opositores – dentro e fora
das fronteiras da Rússia? A resposta não
é fácil. Nos últimos dias foi possível observar como as democracias têm
dificuldade em encontrar uma resposta comum, simultaneamente eficaz e credível.
Alexei Navalny, uma das
caras mais emblemáticas da oposição a Vladimir Putin, encontra-se internado
e a recuperar num hospital de Berlim, graças à pressão internacional que levou
a Rússia a aceitar a sua transferência. Navalny, como outros antes dele, foi envenenado com um agente químico de fabrico exclusivamente
militar – o novichok, fabricado
pela União Soviética nos anos 70 e 80 – no aeroporto de Tomsky, na
Sibéria Ocidental, quando se preparava para embarcar com destino a Moscovo,
depois de uma acção de campanha contra a corrupção, o seu tema de eleição. O
Kremlin nega qualquer responsabilidade. A Europa pede um inquérito rigoroso. A
NATO também.
O desplante com que Putin desafia o
Ocidente já fez do novichok um velho conhecido. O caso mais recente foi a tentativa de envenenamento
com o mesmo agente químico de um antigo espião russo a viver no Reino Unido, Sergei
Skipral, e da sua filha Yulia, em 2018. É longa a lista de opositores ao
regime de Putin eliminados por envenenamento ou, pura e simplesmente, abatidos
a tiro. Ana Politovskaya, jornalista da Novaya Gazeta que denunciou os crimes
cometidos na Tchetchénia, sobreviveu
a uma tentativa de envenenamento em 2004 e foi abatida a tiro à porta da sua
casa de Moscovo, em 2006. No mesmo ano, Alexander Litvinenko,
ex-agente do FSB (sucessor
do KGB), que trabalhava para o MI6, foi
envenenado em Londres por polónio. A sua agonia fez manchetes no mundo
inteiro. Boris Nemtsov,
antigo vice-primeiro-ministro de Boris Ieltsin e uma das figuras mais
proeminentes da oposição a Putin, foi abatido a tiro numa ponte de Moscovo a
500 metros do Kremlin. Um dos
seus consultores sobreviveu a duas tentativas de envenenamento em 2015 e dois
anos depois. São os casos mais mediáticos. Haverá muitos mais. O Kremlin
enjeitou sempre qualquer responsabilidade.
Em
Tomsky, numa sessão pública, alguém perguntou a Navalny como explica ao facto de continuar vivo. Corria o
boato de que seria uma “toupeira” do Kremlin. Segundo a descrição da Der
Spiegel, o opositor sorriu: “Agora tenho de passar a justificar o facto de
não ter sido assassinado?” Apontou para o pin que alguém na audiência usava
ao peito e onde se lia “A Ponte Nemtsov”. “Se eles me matarem, criar-lhes-ei mais problemas,
tal como aconteceu com Nemtsov – pins, T-shirts, manifestações em seu nome.” Ninguém
na sala poderia imaginar que seriam as suas últimas horas antes de ficar em
risco de vida.
2. Foi
a própria Angela
Merkel quem pressionou directamente Putin para autorizar a
transferência do dissidente russo para Berlim. Foi ela quem anunciou, na
quinta-feira, que Navalny tinha sido “inequivocamente” envenenado,
classificando o acto de “tentativa de homicídio”. A chanceler intimou o Kremlin
a apurar responsabilidades, exigindo um inquérito transparente. A NATO já fez a
mesma exigência. Os líderes europeus excederam-se em palavras de condenação. A
Comissão falou de mais sanções, embora acrescentando que primeiro é preciso
apurar os factos. Josep Borrel, o chefe da diplomacia europeia, pediu a Putin
que colaborasse numa investigação internacional.
O passado recente ensina-nos que, de um modo geral, as palavras de
condenação e as decisões tomadas pelas instituições europeias não têm capacidade
de dissuasão junto de Putin, que prossegue o seu comportamento criminoso e
cínico. Foi o que fez novamente, ainda que as suas palavras tenham perdido toda
a credibilidade. E teve, mais uma vez, a prestimosa ajuda de Donald Trump.
O
Presidente americano voltou a comprovar a sua estranha amizade – ou
cumplicidade – com o candidato a ditador russo, ao declarar que Washington vai
abrir uma investigação, mas que não lhe parece que o perigo venha do seu amigo
do Kremlin. Preferiu apontar o dedo a Pequim, como se fosse verosímil que o
regime chinês decidisse envenenar um opositor de Putin na própria Rússia. “É interessante que toda a gente mencione sempre
a Rússia, mas eu penso que, nesta altura, a China é provavelmente a nação sobre
a qual devíamos estar a falar, muito mais do que a Rússia.” Foram estas as
suas palavras. Está longe de ser a primeira vez que defende Putin publicamente,
incluindo contra as suspeitas largamente confirmadas de intervenção russa na
campanha presencial de 2016 (através de meio electrónicos), comprovada pelos
serviços secretos americanos. A imprensa dos Estados Unidos lembrava ontem
que o Presidente ainda não se pronunciou publicamente sobre informações dos
serviços secretos segundo as quais a Rússia oferecia um prémio monetário aos talibãs
por cada soldado americano abatido no Afeganistão. Para um país que tem por
hábito venerar os seus militares, é ir talvez longe demais.
Está
aqui o maior problema das democracias: como enfrentar os ditadores quando o
líder da maior e mais poderosa democracia do mundo olha para o lado e age de
acordo com uma lógica que não tem nada a ver com os valores e os interesses das
democracias ocidentais? vale de
pouco aos seus olhos. A força da Aliança está na comunidade de valores entre as
duas margens do Atlântico e na força militar dos EUA. Quando o
secretário-geral da NATO ou os governos europeus avisam o regime de Moscovo de
que sofrerá consequências, o mais provável é que Putin se limite a sorrir. Enquanto se mantiver a distância política
entre os dos lados do Atlântico, que não parou de aumentar desde que Trump foi
eleito, a NATO vale de pouco aos seus olhos. A força da Aliança está na
comunidade de valores entre as duas margens do Atlântico e na força militar dos
EUA.
3. Depois, há as dificuldades da
própria Europa para encontrar uma estratégia comum suficientemente credível
para fazer a Rússia pensar duas vezes.
A Alemanha teria sempre um papel decisivo. Em 2014, quando Obama estava na Casa
Branca, a chanceler foi
determinante para a aplicação de duras sanções económicas contra Moscovo na
sequência da agressão à Ucrânia e da anexação
da Crimeia. Até
agora, a União Europeia sempre renovou essas sanções. Mas a ambiguidade alemã
face à Rússia não desapareceu. Tem raízes históricas e traduz um interesse
económico imediato. Foi um
escândalo quando o chanceler social-democrata Gerhard Schroeder (1998-2005)
alinhou com Putin na construção de um gasoduto ligando directamente o
território russo à Alemanha para abastecê-la de gás natural produzido russo. Não houve consequências. Na altura, a Alemanha
justificou o empreendimento alegando não querer ficar dependente do
gasoduto que atravessava a Ucrânia e cuja torneira Putin mandava fechar de cada
vez que havia em Kiev manifestações pró-europeias. Os Bálticos e a Polónia
protestaram veementemente, sem qualquer resultado.
Nos últimos dias, aumentou
significativamente a pressão, fora e dentro da Alemanha, para que o novo
gasoduto seja suspenso. O politólogo
alemão Klaus Segbers argumentava
num artigo publicado no semanário alemão Die Zeit que já houve
conversa suficiente com Putin. Deixou de fazer sentido. Escreve o jornal
que, com a ocupação de partes da Geórgia e da Ucrânia, o caso do voo MH17 da
Malasya Airlines, abatido sobre a Ucrânia, e os sucessivos assassínios de
políticos da oposição, Moscovo provou não estar interessado em dialogar com o
Ocidente. O próprio presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros do
Bundestag e membro da CDU da chanceler, Norbert Rottgen, pediu o fim do
Nord Stream II. Outros políticos sugeriram, pelo menos, uma moratória. A
chanceler afastou essa hipótese. Mas, no geral, os analistas sublinham que a
Europa tem poucos meios para fazer pressão sobre Putin, a não ser a solução
“impossível” de deixar de comprar o seu gás.
O
problema é que as democracias têm cada vez mais dificuldade em lidar com os
ditadores, de resto em número crescente. A China pode ser o
maior desafio estratégico que enfrentam.
Não é o único. Deixar o campo aberto aos regimes autoritários não
será o melhor caminho para conter o expansionismo de Pequim. O que fazer? A
esperança só pode estar numa mudança de inquilino na Casa Branca.
TÓPICOS
RÚSSIA MUNDO VLADIMIR
PUTIN OPINIÃO ALEXEI
NAVALNY UNIÃO
EUROPEIA UCRÂNIA
COMENTÁRIOS:
Joao EXPERIENTE: 1 Pois é, tanto arengar e tanto implicar e criar casos
com os russos … Ah Ah e os russos estão na deles, até parece que nem ligam
puto. Óbvio que estas arengas e narrativas inflamatórias é para consumo interno
cá, para justificar as guerras, os esforços de guerra, o armamento, e os
negócios chorudos que nós pagamos. Pois é, se houver uma oportunidade fazem à
Rússia o que fizeram ao Iraque e a muitos outros, bombardeamento, limpeza
étnica, terraplanagem transformando aquilo em terreno fértil para exploração
das empresas americanas, holandesas, francesas, inglesas, etc … o habitual.
2 Mas este é um osso mais duro de roer,
durante séculos todas as potências já tentaram abocanhar aquilo e não
conseguiram, nem os teutões nem o Clinton, no entretanto nem os
polacos/lituanos nem o Napoleão, nem os ingleses, espanhóis, croatas,
italianos, australianos, americanos, checos, alemães, japoneses, nem sequer o
Hitler conseguiu e bem que tentou, … todos tentaram, até os portugueses lá
andaram, e as razões inventadas foram muitas, muitas mentiras à escolha para
empolgar as hostes. E cá andam agora estes arautos a proclamar e a anunciar
mais uma cruzada, agora pela “Liberdade” e contra o “Comunismo” quando não se
trata nem de liberdade nem de comunismo mas sim de dominar e abocanhar, como
sempre matando e roubando uns ... para encher os bolsos dos outros ... e morra
quem morrer. 06.09.2020
Dragon EXPERIENTE: Australianos?????
Gabriela Cardia INICIANTE: Vendo bem, o melhor será tratar Putin como a sua
extrema-esquerda trata os ditadores venezuelanos, cubanos, comunistas ...
06.09.2020
123 456.882731 EXPERIENTE: Qual extrema-esquerda? Quais são as
características que definiriam uma extrema-esquerda? E porque é que acha que
essas características são "extremas"? 06.09.2020
Jose EXPERIENTE:Toda a ingerência nos assuntos internos
dos povos, nações e seus Estados é crime expansionista, colonialismo e
terrorista. As relações entre os povos, nações e seus Estados têm de decorrer
no quadro do direito internacional, por meios diplomáticos para serem relações
civilizadas. Ingerências, sanções, cercos, bloqueios, sabotagens, roubos,
golpes são actos de guerra selvagem e bárbara. 06.09.2020
joorge EXPERIENTE: Obviamente, uma tentativa de assassinato
é acto monstruoso. Mas as reacções deveriam ser um pouco mais pensadas. Temo
que o resultado disto tudo seja: a Europa passa a comprar muiiiito mais caro o
gaz aos EUA; a Rússia passa a vender o gaz à China; a China - mais uma vez -
cresce; a Europa - mais uma vez - empobrece. E as relações Rússia / China
fortalecem-se cada vez mais. Mas isto é tudo conversa e Putin sabe bem. Vê-se,
aliás, pela resposta: despreocupadíssima e arrogante. Ele agora está mais preocupado
com o gigantesco gasoduto para a China. 06.09.2020
manuel.m2 INICIANTE: Há anexações e anexações. Por exemplo a
da Crimeia e a dos Montes Golã, território soberano da Síria. A Autora fala nas
severas sanções impostas pela UE a quem perpetrou a primeira ,mas nunca nada
disse sobre as consequências da segunda. Não quererá a Autora esclarecer
finalmente os seus leitores ? Fala também no gasoduto em construção no Báltico
que ligará directamente a Alemanha à Rússia e que será alternativa ao único
actualmemte existente que atravessa a Ucrânia, país que recebe pingues lucros
pelo facto, além de ter o poder politico ,ela sim, de fechar a torneira quando
lhe convier, privando a Rússia da sua principal fonte de receitas. Quanto ao
envenenamento de Navalny ocorre a velha pergunta de Cícero: Cui bono? A quem
aproveita? 06.09.2020
vinha2100 MODERADOR: Brilhante, como sempre. Mas parece que a
solução “impossível” a que a Teresa se refere está aí a ser considerada:
inviabilizar o Nordstream 2. Isso, meus amigos, seria um golpe de génio e uma
verdadeira machadada para a ditadura assassina de Putin. 06.09.2020
Francisco
Manuel Napoleão INICIANTE: A rede transatlântica está
em verdadeira euforia. Geralmente a sua propaganda de tão depravada não vai a
papel. Que os jornais publiquem qualquer coisa sobre a Rússia em tempos de
crise é uma óbvia necessidade económica pois os dividendos com a publicidade
com essas notícias disparam. Mas é verdadeiramente fascinante como os parasitas
da propaganda saltaram da gaveta, inventando todo o tipo de propostas e
radicalismos bélicos que se alguma vez fossem postos em prática rebentariam com
o mundo em horas. Porque nenhuma das propostas em causa foram alguma vez equacionadas?
O mundo ocidental simplesmente cairia em bancarrota, fome, desemprego. Basta
uma faísca. Tudo isto tem a ver com a maior burla financeira na Alemanha, cujo
homem julgam estar refugiado na Rússia. Pesquisem! 06.09.2020
Dragon EXPERIENTE Nome do homem, por favor. 06.09.2020
JLourenço INICIANTE: A única bitola de Trump é a dos seus
interesses pessoais. É de longa data o seu namoro com Putin. Há que mostrar-se
reconhecido para com o mestre e não levantar grandes ondas. 06.09.2020
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