É uma asserção bem verdadeira sobre mais
uma cuidada análise do nosso estado de sítio, por António Barreto. Muitos contestam – os de esquerda – outros apoiam e
gabam, pois lhes parece correcta, como a mim me parece. De toda a maneira, cá
vamos, cantando e rindo, enquanto esperamos.
Quem espera sempre alcança, aprendi na
infância. Tanto melhor se o alcançarem alguns, aquilo por que esperam. Há
sempre alguns a alcançar, no meio dos muitos que esperam. A gestora do Bloco já
assim o disse, o gestor do PC, evasivo que foi, promete actuar, com os seus
instrumentos de apoio, em tempo próprio, não vamos antecipar.
Entretanto, deliciemo-nos com mais este
naco de boa prosa portuguesa - este de António Barreto.
Felizmente, ainda vão existindo, por cá, desses nacos de entretenimento
espiritual.
OPINIÃO
Ruptura e cooperação
É possível imaginar cooperação com
autonomia, com vontade e escolha, não com submissão. Na verdade, o primado ao
afrontamento conduz à submissão, à autoridade e ao despotismo.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 20 de
Setembro de 2020
O século XXI começou mal para
Portugal. Ocorreu uma rara coincidência de desastres, de erros e de dramas.
Vinte anos sem crescimento económico revelam uma economia que cresceu menos do
que a UE e muito abaixo da maioria dos países da Europa central e de Leste. Uma
crise financeira mundial, a que se acrescentou uma crise da dívida soberana
particularmente severa, deixou Portugal em estado miserável, à beira da
bancarrota. A maior vaga de corrupção e de nepotismo da história recente varreu
o país durante dez a vinte anos. Os governos de Sócrates traduziram-se num dos
maiores incentivos ao desgoverno e à corrupção de toda a história de Portugal.
A falência da banca portuguesa enfraqueceu o país e a sociedade para lá de todos
os limites, com consequências graves para a poupança, a evasão fiscal e a
fuga de capitais. O maior assalto ao património público e
nacional
processou-se nestes anos, com a fragmentação predadora e a demolição
deliberada das melhores empresas nacionais públicas e privadas. O pesadelo do
BES, com foros de crime,
deixa atrás de si destruição, roubo e desconfiança de infinitas proporções.
Apesar
de necessária e urgente, a assistência financeira internacional, o resgate e
a austeridade
deixaram um país exangue.Os incêndios de floresta, com incalculáveis
prejuízos e assustadores números de vítimas mortais, revelaram, nestas duas
décadas, uma fragilidade essencial que o Estado e a população parecem incapazes
de mitigar. A pandemia sanitária e a crise económica e
social, finalmente, ameaçam deixar o país num estado de vulnerabilidade
jamais visto.
É nestes momentos que se pensa em
soluções, em métodos de trabalho colectivo e em comunidade de esforços. É
nestes momentos que se pensa na indispensável associação dos indivíduos, das
comunidades e do Estado, ao mesmo tempo que se olha com ansiedade para as
liberdades e a democracia, que nada justifica que se coloquem entre parêntesis
ou se diminuam.
As
nossas tradições não favorecem a cooperação. Ou antes, não constituem
fundamento e exemplo para a colaboração. Na vida política portuguesa, não há
muitos exemplos de cooperação. O
que é realmente tradicional é o afrontamento e a ruptura. A cultura do
afrontamento e da rivalidade sobrepõe-se a todos os outros princípios. O hábito do afrontamento arreda a cooperação e a
colaboração. Estas são vistas como submissão ou unanimidade autoritária.
Cooperação e colaboração são sempre encaradas como cedências, perda de
autonomia e ausência de liberdade crítica.
Ora, nem sempre são. É
possível imaginar cooperação com autonomia, com vontade e escolha, não com submissão.
Na verdade, dar o primado ao afrontamento conduz à submissão, à autoridade e ao
despotismo.
É
de lamentar que o conflito irredutível e a ruptura tenham sido transformados em
valores maiores da sociedade política. Há uma profunda e arreigada cultura
política contra a cooperação e a colaboração. É uma constante histórica em Portugal. Romper com o
passado. Derrubar instituições. Prender pessoas. Fechar empresas. Expropriar
proprietários. Sanear funcionários. Deportar cidadãos.
Os
séculos XIX e XX foram pródigos e férteis. Todos os vencedores momentâneos
ou temporários sentiram-se na necessidade de matar, esfolar ou deportar os
vencidos. Monárquicos, absolutistas, liberais, ordens, sacerdotes, conventos,
republicanos, fascistas, comunistas e socialistas: todos foram, à vez,
afastados, presos ou exilados, para depois se dedicarem a fazer o mesmo aos
seus adversários.
A História de Portugal destes últimos
séculos é uma sangrenta ou violenta história de golpes políticos e militares,
de revoluções, de guerras civis, de prisões e deportações, de roubos e esbulhos. Nem a revolução democrática de 1974/75
escapou às tradições. Ou antes,
apesar de ser diferente, pois não criou exilados nem deportados, presos ou
banidos, não deixou de destruir empresas e grupos económicos,
arrasar a iniciativa privada e nacionalizar grande parte da economia — no que
foi tão devastadora quanto outras revoluções anteriores de esquerda ou de
direita.
Ruptura e terra queimada: eis as
razões para a inexistência ou a fragilidade das instituições. Aqui
estão as causas das mudanças de famílias e de clientes. De saneamentos. De
corrupção. De nepotismo. Aqui se encontram as origens da “confiança política”,
um dos piores traços da vida pública portuguesa, que mais não é do que um
salvo-conduto para legitimar o favoritismo,
a partidocracia, o nepotismo e a corrupção!
Serão a liberdade e a democracia
suficientes para sugerir soluções de governo e de
estabilidade para os próximos anos, que se anunciam de excepcional dificuldade?
Serão capazes de gerar os tão necessários esforços comuns? Por outras
palavras: poderão as esquerdas democráticas e as direitas democráticas
encontrar terreno sólido para negociar e cooperar, deixando de fora as
esquerdas não democráticas e as direitas não democráticas? Serão as
esquerdas e as direitas democráticas capazes de impedir o regresso vingativo
das esquerdas radicais não democráticas e de prevenir a ascensão ameaçadora das
direitas radicais não democráticas?
A alternativa ao esforço comum é clara: guerra política, classe contra
classe, ideologia contra ideologia. Em palavras
mais claras: esquerda contra direita. Para ser concreto, toda a esquerda,
democrática e não democrática, contra toda a direita, democrática ou não
democrática. O centro será assim estilhaçado, dissolvido e desfeito nas
grandes vagas da alternativa radical, sonho dos revolucionários, desejo dos
justicialistas e obsessão dos populistas.
É
o que vulgarmente se chama “polarização”. Teremos, de um lado, o império do Estado
social, o Estado patrão omnipresente, a nacionalização de todos os sectores
ditos “estratégicos” e dos serviços de Educação, Saúde e Segurança Social. E teremos, do outro lado, o Estado social
fraco e frágil, ao lado das armas dos poderosos da economia. Será o reino dos oligopólios e dos monopólios, com uma economia liberal, quando tal se opuser ao
mundo do trabalho, e uma economia corporativa, quando for da conveniência dos
mais fortes.
Pela
história e pelo passado recente, estamos avisados. O que faz
crescer a extrema-direita antidemocrática não é a democracia, é a fraqueza dos
democratas. Como o que incentiva a extrema-esquerda antidemocrática não é a
liberdade, são os erros da democracia.
Sociólogo
TÓPICOS
OPINIÃO
HISTÓRIA PORTUGAL GOVERNO DEMOCRACIA ESTADO PARTIDOS POLÍTICOS
COMENTÁRIOS:
geral.937818 INICIANTE: Apenas
me ocorre um comentário: Parabéns! Dos poucos pensadores portugueses com ideias
e opiniões claras e coerentes. Sem influências.
EuQuixote EXPERIENTE. Infelizmente
não foi só para Portugal, foi para o mundo inteiro. Pior é que o pior ainda
está para vir :(
Fowler Fowler INICIANTE: O sr. Barreto, um
homem muito decente, está apostado em vender a banha da cobra como ninguém. Já
lhe disseram que, na Idade Contemporânea, aquela pomada está desusada e que só
uma invasão de marcianos justificaria a aplicação de tal mezinha. Mesmo assim,
o seu conhecido individualismo jactante e as rupturas que foi plantando pelo
caminho não o impedem de se afirmar como um amigo da cooperação na gesta
heróica da gente decente. Sem esta seriedade, nem este vendedor enchia os
bolsos, nem este país seria governado com a frugalidade que se deseja.
cidadania 123 INICIANTE: Tanto
pessimismo, com um retrato negro de Portugal, mas para os estrangeiros
continuamos a ser um dos melhores países do mundo para viver, os imigrantes
ilegais de Marrocos arriscam a vida para procurar viver no tal país horrível.
Com todos os nossos problemas, que existem, prefiro este cantinho a países com
profundas desigualdades como os EUA ou Brasil, medo, corrupção e instabilidade
política e social como qualquer país da América do Sul e África. Mesmo na
Europa, não queria viver em França, Bélgica, Polónia, Grécia ou Suécia, entre
outros. Vão lá fora e, sem deixar de tentar melhorar, orgulhem-se do nosso país
Jonas Almeida MODERADOR: Com uma coisa é
impossível discordar, os 20 anos de euro e europeísmo à Khmer rouge são
"Vinte anos sem crescimento económico revelam uma economia que cresceu
menos do que a UE e muito abaixo da maioria dos países da Europa central e de
Leste.". A comparação com o resto do mundo é ainda mais arrepiante. O
espantoso é até esta simples constatação da realidade não ser sequer admitida
pelas máfias do arco de governação que de representativo têm só a da sua gula
corruptora.
Id0101 INICIANTE: Ó caro Jonas, e com o escudo a economia vai crescer
mais? Vamos oferecer o quê, ainda mais turismo-dependência para os euros
choverem cá dentro? Como vamos competir com o bloco da UE em acordos económicos
com o resto do mundo? Ou acha que conseguimos competir com a moeda chinesa nas
exportações, incluindo para os outros europeus? Ou acha que por obra de
caridade nos vão dar as regalias do espaço Schengen quando batermos com a Porta
e largarmos o euro? Aguardo ansiosamente as suas propostas.
Paulo Batista INICIANTE: Um
país com 3 governos (1 nacional e 2 regionais que são governo nas competências
que exercem) 3 Assembleias Legislativas (1 nacional e 2 regionais, estas com
pouco trabalho feito pois os Governos Regionais é que exercem e legislam) com
tantos inúteis encostados ao Estado e que servem de úteis ao Partido
laranja/cor de rosa não me parece que vá acabar bem. Vai acabar mal como se vê
pela História, que se repete com novos intervenientes. Vai ser duro e muito
complicado ... mas é a vida e é o que temos.
Jose EXPERIENTE: Outro catastrofista!
Medina carreira fez escola! "Vão morrer todos, menos eu que tenho um
búnquer bem abastecido." Ironizava, à época, o divertido Portugalex.
Barreto esqueceu-se que há classes sociais e consequentemente desigualdades
materiais e luta de classes em torno da distribuição da riqueza criada por quem
trabalha manual e intelectualmente, o proletariado. Barreto participou na
primeira pessoa, com as tropas ao serviço, na investida militarizada contra os
operários agrícolas da unidades colectivas de produção nascidas da liberdade
que extinguiu o feudalismo dos agrários no Alentejo. O Alentejo passou do
feudalismo ao Capitalismo actual. Essa mudança estrutural foi feita pelo
confronto de classes. Barreto esteve, em carne e osso, do lado da repressão.
Agora vende a cooperação a metro
Mario Coimbra EXPERIENTE: Concordo 200%.
Mas verdade seja dita que o centrão, ou arco de governação, deixou mossas
grandes, muito grandes. Quer seja PS ou PSD. E não incluo aqui o último governo
de Passos Coelho. Ou seja, muito foi dito e escrito sobre os erros que iriam
levar ao crescimento dos extremos. Primeiro de esquerda porque a nossa
sociedade é mais de esquerda e agora os de direita a saírem do armário.
Portanto, Sócrates, Barroso, Cavaco, Sampaio, e tantos outras contribuíram para
este ponto, mesmo que involuntariamente. O que quero dizer é que isto nunca foi
uma prioridade e por isso nunca ninguém fez nada e pensou nisto a longo prazo.
Agora aqui situados não vejo ninguém a fazer muito. A começar em Costa. Rio
tenta alguns consensos sem grande sucesso. O resto não conta. É esquerda contra
direita
Nenhum comentário:
Postar um comentário