domingo, 20 de setembro de 2020

Um texto oportuno


De Jorge Barreto Xavier. Revendo assuntos recentes da história política universal, ainda bem presentes, para confronto nacional, com comentadores à altura, a retirar credibilidade a esse tal Boaventura…

O revolucionário bolivariano de Coimbra

Conhecemos o modelo venezuelano da “democracia bolivariana” que Boaventura Sousa Santos tanto defende: um país estatizado, minado pela fome e do qual quase um terço da população fugiu.

JORGE BARRETO XAVIER

OBSERVADOR,14 SET 2020

Em 1992, enquanto tenente-coronel do exército, Hugo Chávez liderou, no país com as maiores jazidas petrolíferas mundiais — a Venezuela — uma tentativa falhada de golpe de Estado. Como consequência, esteve preso dois anos, sendo amnistiado. Em 1998, foi eleito Presidente da Venezuela, contra os partidos tradicionais e com uma agenda de defesa dos mais desfavorecidos. Em 1999, na sequência de um referendo que promove e vence, é alterada a ordem constitucional. A Venezuela é redenominada República Bolivariana da Venezuela, o sistema parlamentar deixa de ser bicameral e passa a unicameral. Os poderes presidenciais e executivos são largamente ampliados em detrimento dos parlamentares. Na sequência da vigência da nova Constituição, e com a convocação de novas eleições, é reeleito, e o Parlamento aprova poderes reforçados para o Presidente: pode legislar por decreto. Ocorrem nacionalizações e a reforma agrária. Em 2002, há uma tentativa de golpe de Estado com o objectivo de substituir Chávez, provavelmente com apoio americano. Em 2004 ocorre um referendo, reconhecido internacionalmente como democrático, que garante a sua continuidade no poder. Vence as eleições presidenciais de 2007, ano em que determina o encerramento da mais antiga e popular emissora de televisão do país, que o contesta, substituindo-a por uma estação estatal controlada.

Ao mesmo tempo, em termos de distribuição de riqueza, Chávez promove políticas que reduzem a pobreza e melhoram o Índice de Desenvolvimento Humano da Venezuela.

Hugo Chávez morre em 2013, ano em que os preços do petróleoque representa mais de 90% das exportações venezuelanas sofrem uma queda forte (tendência que se torna sistémica nos anos seguintes). É substituído na presidência pelo vice-presidente, Nicolás Maduro, que, ainda nesse ano, é eleito Presidente. Em 2015, a oposição vence as eleições parlamentares, num quadro político, social e económico conturbado.

Para contornar a oposição, que o procura destituir, em 2017 Maduro convoca uma Assembleia Constituinte, retirando poderes ao parlamento eleito. Nas conturbadas eleições presidenciais de 2018 é declarado, pela Comissão Eleitoral, Presidente eleito. Mas partidos políticos da oposição e líderes oposicionistas foram impedidos de concorrer. Maduro não foi reconhecido como vencedor deste ato eleitoral nem pela Organização dos Estados Americanos nem pela União Europeia.

No início de 2019, Maduro toma posse, legitimado pelo Supremo Tribunal de Justiça. E Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, é declarado, pela maioria dos parlamentares da Assembleia Nacional, Presidente em exercício, sendo reconhecido nesse estatuto por mais de 50 países, entre os quais Portugal. Em Julho do corrente ano, Nicolas Maduro convoca eleições para a Assembleia Nacional, para Dezembro próximo.

2A Venezuela é, actualmente, o país com a maior taxa de inflação do mundo — 2358% ao ano. De acordo com a Amnistia Internacional, num relatório sobre o ano de 2019: “A Venezuela continua a passar por uma crise de direitos humanos sem precedentes. As execuções extrajudiciais, as detenções arbitrárias, o uso excessivo da força e as mortes ilegais pelas forças de segurança continuam como parte de uma política de repressão para silenciar os dissidentes. A crise política e institucional aprofundou-se nos primeiros meses do ano, resultando no aumento das tensões entre o Executivo de Nicolás Maduro e o Legislativo chefiado por Juan Guaidó. O crescente protesto social foi confrontado com uma ampla gama de violações de direitos humanos e uma intensificação da política de repressão por parte das autoridades. Os prisioneiros de consciência enfrentaram processos criminais injustos. A liberdade de reunião e expressão permaneceu sob constante ameaça. Os defensores dos direitos humanos foram estigmatizados e enfrentaram cada vez mais obstáculos para realizar seu trabalho. (…) A interferência na independência judicial continuou e o isolamento dos fóruns regionais de direitos humanos deixou as vítimas de violação dos direitos humanos com poucos caminhos para buscar justiça. As autoridades recusaram-se a reconhecer a verdadeira escala da emergência humanitária e da deterioração das condições de vida. A população enfrenta grave escassez de alimentos, medicamentos, suprimentos médicos, água e electricidade. No final de 2019, o total de pessoas que fugiram do país em busca de protecção internacional chegou a 4,8 milhões”.

De facto, a estes 4,8 milhões de refugiados, segundo as Nações Unidas, juntam-se 650 mil venezuelanos à procura de asilo político e 2 milhões vivendo em outros países americanos sob “outras formas legais de estadia”.

Também segundo a Amnistia Internacional, em Fevereiro de 2019, “na cidade de Santa Elena, fronteira com a Venezuela e o Brasil, a Guarda Nacional Bolivariana usou de força excessiva contra os indígenas que se dirigiam à fronteira para receber ajuda humanitária. O OHCHR confirmou que sete pessoas morreram e 26 ficaram feridas por tiros de forças militares. Na falta de suprimentos médicos, os feridos foram encaminhados a um hospital brasileiro.”

3Boaventura Sousa Santos, um grande admirador de Hugo Chávez e da “revolução bolivariana”, é director emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Recentemente, escreveu um artigo no jornal Público intitulado “A hora da esquerda: agora ou só daqui a muito tempo”, sobre a actual situação política em Portugal. Neste artigo, defende a necessidade de acordo parlamentar entre PS, PCP e BE na aprovação do Orçamento de Estado de 2021, num momento que corresponderá a “um novo período de mudança estrutural” (os anteriores terão sido 1986-1996 e 2011-2015, “dominados por forças de direita”).

Voltando à Venezuela: num artigo de 2017, que se intitula “Em defesa da Venezuela”, diz Boaventura Sousa Santos: “Estou chocado com a parcialidade da comunicação social europeia, incluindo a portuguesa, sobre a crise da Venezuela”. Diz ainda: “A Venezuela vive um dos momentos mais críticos da sua história. Acompanho crítica e solidariamente a revolução bolivariana desde o início. As conquistas sociais das últimas duas décadas são indiscutíveis.”

Num artigo do início de 2019, intitulado a “Nova Guerra Fria e a Venezuela”, diz: “Não é difícil concluir que não está em causa a defesa da democracia venezuelana. O que está em causa é o petróleo da Venezuela”.

No fim de 2019, numa carta aberta ao Presidente da Colômbia diz, a propósito de intervenções do governo colombiano relativas a populações indígenas: “Não exagero, senhor Presidente, ao dizer que o que vemos na Colômbia é um etnocídio contra uma parte específica da população”.

4O que pretendo retirar daqui são factos e conclusões: Boaventura Sousa Santos critica publicamente a actuação contra os índios na Colômbia, mas não se lhe ouve uma única palavra sobre o assassinato de índios praticado por forças governamentais na Venezuela. Critica a comunicação social europeia e não refere o controlo da comunicação na Venezuela. Evidencia os ganhos sociais e económicos da população mais desfavorecida da Venezuela entre 2000 e 2010 e ignora completamente a situação de fome que se vive desde 2012. Defende a existência de uma democracia na Venezuela para legitimar as decisões governamentais, mas omite a repressão policial, as detenções ilegais, o silenciamento dos opositores do regime. Defende a existência de uma nova Assembleia Constituinte na Venezuela, mas esquece a legitimidade de uma Assembleia Nacional democraticamente eleita. Reivindica que os EUA é que estão por trás da instabilidade na Venezuela e que procuram incentivar acções ilegais de tomada do poder, mas certamente sabe que Hugo Chávez tentou, em 1992, um golpe de Estado.

Esta duplicidade é pouco sustentável num académico e no debate público. Aliás, como acontece com alguns outros académicos portugueses, sob a capa universitária Boaventura Sousa Santos afirma com a autoridade da ciência aquilo que é demagogia. Mostra-nos o mundo com óculos monofocais. E vem agora, na qualidade de inspirador intelectual da Esquerda, apelar à sua união em Portugal. Para, diz, promover a centralidade do Estado, num período pandémico, de transição energética, dos modelos de mobilidade, na política alimentar.

Conhecemos o modelo venezuelano da “democracia bolivariana” que tanto defende: um país estatizado, dependente das exportações do petróleo, minado pela fome e do qual quase um terço da população fugiu nos últimos seis anos, num êxodo sem precedentes.

Já conhecemos o filme. Mas há quem insista na sua reiteração, numa negação insustentável da realidade.

Mas, mais que o Plano Costa Silva — criticável mas pormenorizado — é o Plano Boaventura — que se resume a uma frase — que nos vai salvar: dêem ao Estado todo o poder.

É, como ele diz, “a hora da Esquerda”. Deixem o Estado controlar a totalidade dos sistemas políticos, económicos e sociais. E deixem as Esquerdas cuidar do Estado. E tudo se há-de resolver.

Quem não acreditar nisto é, evidentemente, um reaccionário. Aqui ou na Venezuela.

Temos de mudar de óculos.

VENEZUELA  MUNDO

Comentários:

jose Agante Ferreira: Comunista só é feliz em país capitalista! Este sousa é um deles!

Voto Em Branco: tal como na união soviética, criam-se "centros de investigação científica social" como o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e põem-se lá uns fantoches que debitam paraciência e títulos pomposos, a fim de legitimarem ditaduras, roubos e assassinatos - que é o q este governo tem feito (assassinatos incluídos: pedrógão, pedreiras, lares, filas de espera nos hospitais, infecções hospitalares...) os déspotas antigos recebiam comunicações de Deus para se legitimarem, os déspotas actuais recebem comunicações de paracientistas sociais e económicos para legitimarem as suas ditaduras-

Carminda Damiao: Óptimo texto.     Jose Carlos Dias: Isto chama-se FASCISMO.

Teresa Oliveira: as pessoas de esquerda sempre se acharam mais honestas e amigas dos pobres... quando chegam ao poder é que se vê o carácter. Cuidado, Portugal está cheio de políticos com os mesmos "tiques" do Maduro       Jorge Carvalho O BSS sofre de uma severa alteração psicótica ( esquizofrenia, paranóia....etc ) que como todas elas, levam a uma deturpação profunda da realidade fantasiada a seu belo prazer. As suas congeminações delirantes edificam uma estrutura narrativa da qual têm um convencimento pleno que retro alimenta as suas ideias de base. Este infernal ciclo vicioso foi tratado pelo nosso Professor Egas Moniz com a célebre LOBOTOMIA com poucos resultados efectivos pelo que a desaconselho ao BSS, mas talvez umas portentosas doses de ELECTROCHOQUES o amainassem destes acometimentos da sua agitação psíquica estapafúrdica para nosso descanso

Gabriel Moreira: Este Boaventura é um maduro intelectualmente pouco honesto, parece-me.

Cogito E: Não existe um único caso de sucesso de objectivação do Marxismo! Sempre e só, sem uma única excepção que legitime dúvida racional, ditadura assassina, atraso civilizacional e miséria generalizada (excepto, claro, o parasitário aparelho do partido). Foi assim no Leste, Cuba, China (antes da viragem à Direita, à ditadura, mas com economia de mercado, propriedade privada, etc., com Deng X. Ping), Venezuela, novos países africanos após descolonização (ainda estamos a pagar pelo marxismo em África, com a onda de refugiados, fugindo da miséria em que este a mergulhou, por décadas e décadas. Mas, disso não fala a Esquerda), etc. Sempre e só! Em dezenas, quase centena, de objectivações... apenas rotundo, absoluto fracasso!!! Mas, insistem os comunistas, como BSSantos, "sim, foram cometidos erros, mas o ideal continua válido e puro"! Seria como dizer: "sim, foram cometidos erros no Nazismo, mas o ideal continua válido e puro"!  A dimensão do ridículo da ideia expressa, acredito, escapa-lhes em absoluto! Até porque podemos acusar um comunista de tudo, menos de sensatez, inteligência, racionalidade e capacidade para entender o mundo que o rodeia! A menos que queiramos ser, ou sejamos, deliberada, descarada e vergonhosamente mentirosos!

Victor Cerqueira > Cogito E: Obrigado pelo seu texto. Uma lição. Os meus melhores cumprimentos 

Nuno Pestana: A diferença para com a trupe do ps, costa à cabeça, é imperceptível. Este é o sonho de sempre, a suprema hora! Ao pé disto a elevação dos mares não aquece e nem sequer arrefece

Vânia Bugalho > Nuno Pê: A Venezuela não vende livremente nenhum petróleo. Toda a produção de petróleo está nas mãos do estado e o estado da infra-estrutura é miserável. Refinarias avariadas e gasodutos podres com fugas de gás. Como é que querem fazer dinheiro assim? A culpa foi do sr Chavez quando começou por se livrar dos que sabiam gerir a infra-estrutura. 

irneh bolche: BBS, à semelhança de muitos é mais um comuna feliz por viver (por enquanto) num país livre. É fácil portanto na República Bolivariana da Tugolandia haver exemplos que tais ao BSS...difícil é encontrar pensamentos livres nessas idílicas democracias que BSS apregoa...O que custa mais é ver esta alma como director do que quer que seja ainda para mais há tantos anos...e numa Universidade de Coimbra...é o que temos!

Maria Nunes: Excelente artigo. A ideologia embrutece as pessoas. Deve ser o que aconteceu a BSS.

Adelino Lopes: Boaventura Sousa Santos será apenas mais um ridículo professor das universidades portuguesas. Existem muitos outros casos. Aliás, como já por aqui escrevi, BSS é apenas o espelho da decadência da universidade de Coimbra. Trata-se de um professor catedrático jubilado, da faculdade de economia da UC, mas que desconhece, por exemplo, o básico da economia: a matemática. Um ignorante em econometria, portanto. Como chegou a catedrático de economia? E enquanto esta hipocrisia prevalecer nas universidades portuguesas, nada de relevante acontecerá, para além de se ouvir, cada vez com maior frequência, questionar o papel das universidades na sociedade.

Adelino Lopes: Chegou a catedrático apenas por ser socialista.

 

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