De Jorge Barreto Xavier. Revendo assuntos recentes da história política
universal, ainda bem presentes, para confronto nacional, com comentadores à
altura, a retirar credibilidade a esse tal Boaventura…
O revolucionário bolivariano de Coimbra
Conhecemos o modelo venezuelano da “democracia
bolivariana” que Boaventura Sousa Santos tanto defende: um país estatizado,
minado pela fome e do qual quase um terço da população fugiu.
JORGE BARRETO XAVIER
OBSERVADOR,14 SET 2020
Em 1992, enquanto tenente-coronel do exército, Hugo
Chávez liderou, no país com as maiores jazidas
petrolíferas mundiais — a Venezuela — uma tentativa falhada de golpe de
Estado. Como consequência, esteve preso dois anos, sendo amnistiado. Em
1998, foi eleito Presidente da Venezuela,
contra os partidos tradicionais e com uma agenda de defesa dos mais
desfavorecidos. Em 1999,
na sequência de um referendo que promove e vence, é alterada a ordem
constitucional. A Venezuela é redenominada República Bolivariana da
Venezuela, o sistema parlamentar deixa de ser bicameral e passa a unicameral.
Os poderes presidenciais e executivos são largamente ampliados em detrimento
dos parlamentares. Na sequência da vigência da nova Constituição, e com
a convocação de novas eleições, é reeleito, e o Parlamento aprova poderes
reforçados para o Presidente: pode legislar por decreto. Ocorrem
nacionalizações e a reforma agrária.
Em 2002, há uma tentativa de golpe de Estado
com o objectivo de substituir Chávez, provavelmente com apoio americano. Em 2004
ocorre um referendo, reconhecido internacionalmente como democrático, que
garante a sua continuidade no poder. Vence as eleições presidenciais de 2007,
ano em que determina o encerramento da mais antiga e popular emissora de
televisão do país, que o contesta, substituindo-a por uma estação estatal
controlada.
Ao
mesmo tempo, em termos de distribuição de riqueza, Chávez promove
políticas que reduzem a pobreza e melhoram o Índice de Desenvolvimento Humano
da Venezuela.
Hugo Chávez morre em 2013,
ano em que os preços do petróleo – que representa mais de 90% das
exportações venezuelanas — sofrem
uma queda forte (tendência que se torna sistémica nos anos seguintes). É
substituído na presidência pelo vice-presidente, Nicolás Maduro,
que, ainda nesse ano, é eleito Presidente. Em 2015, a oposição vence as
eleições parlamentares, num quadro político, social e económico conturbado.
Para
contornar a oposição, que o procura destituir, em 2017 Maduro convoca uma
Assembleia Constituinte, retirando poderes ao parlamento eleito. Nas
conturbadas eleições presidenciais de 2018 é declarado, pela Comissão
Eleitoral, Presidente eleito. Mas partidos políticos da oposição e líderes
oposicionistas foram impedidos de concorrer. Maduro não foi reconhecido como
vencedor deste ato eleitoral nem pela Organização dos Estados Americanos nem
pela União Europeia.
No
início de 2019, Maduro toma posse, legitimado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
E Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, é declarado, pela maioria dos
parlamentares da Assembleia Nacional, Presidente em exercício, sendo
reconhecido nesse estatuto por mais de 50 países, entre os quais Portugal. Em
Julho do corrente ano, Nicolas Maduro convoca eleições para a Assembleia
Nacional, para Dezembro próximo.
2A
Venezuela é, actualmente, o país com a maior taxa de inflação do mundo — 2358%
ao ano. De acordo com
a Amnistia Internacional, num relatório sobre o ano de 2019: “A Venezuela
continua a passar por uma crise de direitos humanos sem precedentes. As
execuções extrajudiciais, as detenções arbitrárias, o uso excessivo da força e
as mortes ilegais pelas forças de segurança continuam como parte de uma
política de repressão para silenciar os dissidentes. A crise política e
institucional aprofundou-se nos primeiros meses do ano, resultando no aumento
das tensões entre o Executivo de Nicolás Maduro e o Legislativo chefiado por
Juan Guaidó. O crescente protesto social foi confrontado com uma ampla
gama de violações de direitos humanos e uma intensificação da política de
repressão por parte das autoridades. Os prisioneiros de consciência enfrentaram
processos criminais injustos. A liberdade de reunião e expressão permaneceu sob
constante ameaça. Os defensores dos direitos humanos foram estigmatizados e
enfrentaram cada vez mais obstáculos para realizar seu trabalho. (…) A
interferência na independência judicial continuou e o isolamento dos fóruns
regionais de direitos humanos deixou as vítimas de violação dos direitos
humanos com poucos caminhos para buscar justiça. As autoridades recusaram-se a
reconhecer a verdadeira escala da emergência humanitária e da deterioração das
condições de vida. A população enfrenta grave escassez de alimentos,
medicamentos, suprimentos médicos, água e electricidade. No final de 2019, o
total de pessoas que fugiram do país em busca de protecção internacional chegou
a 4,8 milhões”.
De
facto, a estes 4,8 milhões de refugiados, segundo as Nações Unidas, juntam-se
650 mil venezuelanos à procura de asilo político e 2 milhões vivendo em outros
países americanos sob “outras formas legais de estadia”.
Também
segundo a Amnistia Internacional, em Fevereiro de 2019, “na cidade de Santa
Elena, fronteira com a Venezuela e o Brasil, a Guarda Nacional Bolivariana usou
de força excessiva contra os indígenas que se dirigiam à fronteira para receber
ajuda humanitária. O OHCHR confirmou que sete pessoas morreram e 26 ficaram
feridas por tiros de forças militares. Na falta de suprimentos médicos, os
feridos foram encaminhados a um hospital brasileiro.”
3Boaventura
Sousa Santos, um
grande admirador de Hugo Chávez e da “revolução bolivariana”, é director
emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Recentemente,
escreveu um artigo no jornal Público intitulado “A hora da esquerda: agora ou
só daqui a muito tempo”, sobre a actual situação política em Portugal. Neste
artigo, defende a necessidade de acordo parlamentar entre PS, PCP e BE na
aprovação do Orçamento de Estado de 2021, num momento que corresponderá a “um
novo período de mudança estrutural” (os anteriores terão sido 1986-1996 e
2011-2015, “dominados por forças de direita”).
Voltando
à Venezuela: num artigo de 2017, que se intitula “Em defesa da Venezuela”, diz
Boaventura Sousa Santos: “Estou chocado com a parcialidade da comunicação
social europeia, incluindo a portuguesa, sobre a crise da Venezuela”. Diz
ainda: “A Venezuela vive um dos momentos mais críticos da sua história.
Acompanho crítica e solidariamente a revolução bolivariana desde o início. As
conquistas sociais das últimas duas décadas são indiscutíveis.”
Num
artigo do início de 2019, intitulado a “Nova Guerra Fria e a Venezuela”,
diz: “Não é difícil concluir que não está em causa a defesa da democracia
venezuelana. O que está em causa é o petróleo da Venezuela”.
No
fim de 2019, numa carta aberta ao Presidente da Colômbia diz, a propósito de
intervenções do governo colombiano relativas a populações indígenas: “Não
exagero, senhor Presidente, ao dizer que o que vemos na Colômbia é um etnocídio
contra uma parte específica da população”.
4O
que pretendo retirar daqui são factos e conclusões: Boaventura Sousa Santos critica publicamente a actuação contra os índios
na Colômbia, mas não se lhe ouve uma única palavra sobre o assassinato de
índios praticado por forças governamentais na Venezuela. Critica a comunicação
social europeia e não refere o controlo da comunicação na Venezuela. Evidencia
os ganhos sociais e económicos da população mais desfavorecida da Venezuela
entre 2000 e 2010 e ignora completamente a situação de fome que se vive desde 2012.
Defende a existência de uma democracia na Venezuela para legitimar as
decisões governamentais, mas omite a repressão policial, as detenções ilegais,
o silenciamento dos opositores do regime. Defende a
existência de uma nova Assembleia Constituinte na Venezuela, mas esquece a
legitimidade de uma Assembleia Nacional democraticamente eleita. Reivindica que os EUA é que estão por trás da
instabilidade na Venezuela e que procuram incentivar acções ilegais de tomada
do poder, mas certamente sabe que Hugo Chávez tentou, em 1992, um golpe de
Estado.
Esta duplicidade é pouco sustentável
num académico e no debate público. Aliás,
como acontece com alguns outros académicos portugueses, sob a capa
universitária Boaventura Sousa Santos afirma com a autoridade da ciência
aquilo que é demagogia. Mostra-nos o mundo com óculos monofocais. E vem
agora, na qualidade de inspirador intelectual da Esquerda, apelar à sua união
em Portugal. Para, diz, promover a centralidade do Estado, num período
pandémico, de transição energética, dos modelos de mobilidade, na política
alimentar.
Conhecemos o modelo venezuelano da
“democracia bolivariana” que tanto defende: um país estatizado, dependente das
exportações do petróleo, minado pela fome e do qual quase um terço da população
fugiu nos últimos seis anos, num êxodo sem precedentes.
Já
conhecemos o filme. Mas há quem insista na sua reiteração, numa negação
insustentável da realidade.
Mas,
mais que o Plano Costa Silva — criticável mas pormenorizado — é o Plano
Boaventura — que se resume a uma frase — que nos vai salvar: dêem ao
Estado todo o poder.
É, como ele diz, “a hora da
Esquerda”. Deixem o Estado controlar a totalidade dos sistemas
políticos, económicos e sociais. E deixem as Esquerdas cuidar do Estado. E tudo
se há-de resolver.
Quem não acreditar nisto é,
evidentemente, um reaccionário. Aqui ou na Venezuela.
Temos
de mudar de óculos.
Comentários:
jose Agante
Ferreira: Comunista só é
feliz em país capitalista! Este sousa é um deles!
Voto Em Branco: tal como na união soviética, criam-se
"centros de investigação científica social" como o Centro de Estudos
Sociais da Universidade de Coimbra e põem-se lá uns fantoches que debitam
paraciência e títulos pomposos, a fim de legitimarem ditaduras, roubos e
assassinatos - que é o q este governo tem feito (assassinatos incluídos:
pedrógão, pedreiras, lares, filas de espera nos hospitais, infecções
hospitalares...) os déspotas antigos recebiam comunicações de Deus para se
legitimarem, os déspotas actuais recebem comunicações de paracientistas sociais
e económicos para legitimarem as suas ditaduras-
Carminda Damiao:
Óptimo texto. Jose Carlos Dias: Isto chama-se FASCISMO.
Teresa Oliveira: as pessoas de esquerda sempre
se acharam mais honestas e amigas dos pobres... quando chegam ao poder é que se
vê o carácter. Cuidado, Portugal está cheio de políticos com os mesmos
"tiques" do Maduro Jorge Carvalho O BSS sofre de uma severa alteração psicótica ( esquizofrenia, paranóia....etc
) que como todas elas, levam a uma deturpação profunda da realidade fantasiada
a seu belo prazer. As suas congeminações delirantes edificam uma estrutura
narrativa da qual têm um convencimento pleno que retro alimenta as suas ideias
de base. Este infernal ciclo vicioso foi tratado pelo nosso Professor Egas Moniz
com a célebre LOBOTOMIA com poucos resultados efectivos pelo que a desaconselho
ao BSS, mas talvez umas portentosas doses de ELECTROCHOQUES o amainassem destes
acometimentos da sua agitação psíquica estapafúrdica para nosso descanso
Gabriel Moreira: Este Boaventura é um maduro
intelectualmente pouco honesto, parece-me.
Cogito E: Não existe um único caso de
sucesso de objectivação do Marxismo! Sempre e só, sem uma única excepção que legitime dúvida racional, ditadura
assassina, atraso civilizacional e miséria generalizada (excepto, claro, o
parasitário aparelho do partido). Foi assim no Leste, Cuba, China (antes da
viragem à Direita, à ditadura, mas com economia de mercado, propriedade
privada, etc., com Deng X. Ping), Venezuela, novos países africanos após
descolonização (ainda estamos a pagar pelo marxismo em África, com a
onda de refugiados, fugindo da miséria em que este a mergulhou, por décadas e
décadas. Mas, disso não fala a Esquerda),
etc. Sempre e só! Em dezenas, quase centena, de objectivações... apenas
rotundo, absoluto fracasso!!!
Mas, insistem os
comunistas, como BSSantos, "sim, foram cometidos erros, mas o ideal
continua válido e puro"! Seria como dizer: "sim, foram cometidos erros no
Nazismo, mas o ideal continua válido e puro"! A dimensão do ridículo da ideia
expressa, acredito, escapa-lhes em absoluto! Até porque podemos acusar um
comunista de tudo, menos de sensatez, inteligência, racionalidade e capacidade
para entender o mundo que o rodeia! A menos que queiramos ser, ou sejamos,
deliberada, descarada e vergonhosamente mentirosos!
Victor Cerqueira
> Cogito E: Obrigado pelo seu texto. Uma lição. Os meus melhores
cumprimentos
Nuno Pestana: A diferença para com a trupe do
ps, costa à cabeça, é imperceptível. Este é o sonho de sempre, a suprema hora! Ao pé disto a elevação dos
mares não aquece e nem sequer arrefece
Vânia Bugalho > Nuno Pê: A
Venezuela não vende livremente nenhum petróleo. Toda a produção de petróleo
está nas mãos do estado e o estado da infra-estrutura é miserável. Refinarias
avariadas e gasodutos podres com fugas de gás. Como é que querem fazer dinheiro
assim? A culpa foi do sr Chavez quando começou por se livrar dos que sabiam
gerir a infra-estrutura.
irneh bolche: BBS, à semelhança de muitos é mais um comuna feliz por
viver (por enquanto) num país livre. É fácil portanto na República Bolivariana
da Tugolandia haver exemplos que tais ao BSS...difícil é encontrar pensamentos
livres nessas idílicas democracias que BSS apregoa...O que custa mais é ver
esta alma como director do que quer que seja ainda para mais há tantos anos...e
numa Universidade de Coimbra...é o que temos!
Maria Nunes: Excelente
artigo. A ideologia embrutece as pessoas. Deve ser o que aconteceu a BSS.
Adelino Lopes: Boaventura
Sousa Santos será apenas mais um ridículo professor das universidades
portuguesas. Existem muitos outros casos. Aliás, como já por aqui escrevi, BSS
é apenas o espelho da decadência da universidade de Coimbra. Trata-se de um
professor catedrático jubilado, da faculdade de economia da UC, mas que
desconhece, por exemplo, o básico da economia: a matemática. Um ignorante em econometria,
portanto. Como chegou a catedrático de economia? E enquanto esta hipocrisia prevalecer nas
universidades portuguesas, nada de relevante acontecerá, para além de se ouvir,
cada vez com maior frequência, questionar o papel das universidades na sociedade.
Adelino Lopes: Chegou a catedrático apenas por ser socialista.
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