sábado, 5 de setembro de 2020

Nomenclatura mal escolhida


Se é para fazer passar a ideia de uma tecnologia que obtenha água dessalinizada para irrigar as zonas desérticas, penso que foi mal escolhido o termo “Geringonça”. Lagarto, lagarto! – pese embora o volume de água com que a tal nossa geringonça tem irrigado  a sua governação – embora, é certo, de bom sucesso partidário. Talvez por isso, talvez o projecto do Dr. Salles consiga o êxito que o seu amor pátrio e terrenal pretende…

GERINGONÇA

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO,05.09.20

Quando, há dias, escrevi o texto anterior intitulado «Nasser», considerei que estava a ser utópico, voluntarioso em excesso, quase infantil. Publiquei-o, claro está (até porque não escrevo para arquivo) mas hesitei na respectiva divulgação. E qual não foi o meu espanto com a receptividade que foi demonstrada por comentários positivos que me fazem admitir não ter sido tão infantil quanto temera nem tão excessivamente voluntarioso ou utópico. Sinto-me, pois, encorajado e prossigo…

* * *

A ideia de irrigar o Saará é antiga e a barragem de Assuão é o exemplo mais «faraónico»; a ideia de dessalinizar a água do mar é antiga; a ideia de irrigar intensa e extensamente o Saará com água dessalinizada pode não ser moderna; as tecnologias da energia solar (e eólica), sim, é que são relativamente novas viabilizando economicamente o processo de evaporação-condensação. Esta relativa modernidade não obsta, contudo, a que esteja disponível na Internet muitíssima informação, esquemas de funcionamento, inclusive.

Fora eu bricoleur e avançava já na construção de um protótipo de geringonça que bombeasse água do mar, a fizesse evaporar à força de energia solar e, numa serpentina de refrigeração, a fizesse condensar, já sem sal, num recipiente ali ao lado. O princípio é tão «moderno» quanto o alambique; a diferença está na energia utilizada. E, já que estamos com a mão na «massa», admitamos outros materiais que não o velhinho cobre dos alambiques do medronho algarvio. Se eu conseguir que um engenheiro se interesse pela ideia, tenho a certeza de que todas as minhas dúvidas desaparecem num instante e que o «boneco» da geringonça aparece feito com todas as especificações necessárias. E quando o engenheiro começar as especificações, logo surgirão oportunidades para puxar pelas cabeças. Então, assente o «boneco», vai ser necessário orçamentar a construção desse protótipo, reunir os fundos necessários e adjudicar o fabrico a uma oficina de serralheiro que ofereça garantias de qualidade na execução da obra.

E assim por diante…

A alternativa a este projecto privado é conseguir-se o apoio público, nomeadamente do Ministério da Economia e respectivas instituições de investigação.

Privado ou público, o projecto pode perfeitamente ser nosso, português, sem necessidade de recurso a estrangeiros. O que a abundante informação técnica disponível não disser, a capacidade de raciocínio local há-de suprir.

Entretanto, o Instituto para a Cooperação (MNE) que vá preparando a agenda das reuniões bilaterais com os Governos do Norte de África.

E se os Governos do Magreb e do Makresh não estiverem interessados em sedentarizar os nómadas, ficamos com uma geringonça que em anos de seca nos livrará do sufoco espanhol às águas transfronteiriças.

Para já, talvez seja prudente ficarmo-nos por um protoprojecto.

Setembro de 2020

Henrique Salles da Fonseca

Tags:: "economia portuguesa"

COMENTÁRIOS:

Anónimo 05.09.2020: Piano, piano... vá lontano. A ideia é óptima. Fosse eu com menos 65 anos ia dedicar-me a isso. Brilhante

Anónimo 05.09.2020; Que eu saiba, o único senão de tão boa ideia é que a tecnologia mais eficaz de dessalinização é de osmose, por membrana. Mas fica a intenção. E nada me qualifica para opinar, salvo o facto de, em tempos, ter sugerido a Cabo Verde a dessalinização da água do mar para - isso mesmo - transformar as ilhas em terra de primores tropicais. Ah! E a energia eléctrica? Vai ser de geradores a fuel oil como hoje em dia? Nada disso. O petróleo de Cabo Verde é o vento, muito e a toda a hora, com os índices solares a ajudar. Até havia quem, estrangeiro, estivesse interessado em levar por diante um projecto-piloto. Não passou das boas intenções

Adriano Lima 07.09.2020: É possível que num futuro próximo a solução seja a que o Dr. Salles da Fonseca aqui preconiza, neste e no post anterior, que eu li com muito interesse. No entanto, penso que a solução que o comentador (anónimo) aponta para Cabo Verde talvez seja bem mais viável nessas ilhas do que em regiões esmagadoramente desérticas como o Saará. Em ilhas como Cabo Verde ou Canárias temos terrenos de acentuada aridez e secura mas não o predomínio de areais sem fim em camadas de muita altura sobre a superfície do solo. Além disso, o deserto do Saará constitui em si mesmo um ambiente tremendamente hostil em que se teria de em primeiro lugar contrariar a força avassaladora dos elementos climatéricos predominantes, como as tempestades de areia com a sua dinâmica motriz imparável ou difícil de contrariar. Para onde iriam os milhões e milhões de toneladas de areia? Creio que a solução poderá ter viabilidade em espaços delimitados e selectivos, mas imaginá-la aplicável a escalas elevadas é algo que nos desafia e não deixa de seduzir.

 

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