sexta-feira, 4 de setembro de 2020

«Cadáver adiado»

 

Uma página de História recente, contada com entusiasmo por Salles da Fonseca, com sugestões de visão económica e política que parecem bem pertinentes, complementadas com o excelente comentário de Carlos Traguelho. Mas, por falta de sabedoria, respondo, apenas, à última observação, com a mensagem pessoana a respeito de D. Sebastião que por lá se finou também, por esse mesmo continente das suas áridas ambições:

«…Sem a loucura que é o homem

Mais que a besta sadia,

Cadáver adiado que procria?»

 

NASSER E O SAARÁ

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 03.09.20

O Saará é um absurdo

Quando o Professor Joaquim Laginha Serafim (Loulé, 1921-Lisboa, 1994) fez 60 anos, os amigos e colegas apresentaram-l mais emblemáticos[i].

Gamal Abdel Nasser (1918-1970), Homem de Estado egípcio, teve muitas qualidades e alguns defeitos, o pior dos quais foi ter morrido cedo[ii]. Uma das qualidades que teve foi a de fazer construir a barragem de Assuão com a qual com stituiu uma enorme reserva de água doce assim regularizando o caudal do Nilo permitindo o regadio onde historicamente imperava o deserto.

A enorme barragem foi um marco fundamental no combate ao deserto e serve de exemplo ao que poderia ser o norte de África se os dirigentes políticos do Magreb e do Makresh tivessem hoje a visão de Nasser.

Quem hoje navegue no Mar Vermelho ao longo das costas egípcias e percorra o Canal de Suez, verificará que ao longo de toda essa enorme extensão, existe uma linha verde para alguma contenção das investidas do deserto e para mostrar que, mesmo ali, em zonas inóspitas, a água doce faz maravilhas.

Entretanto, a ciência e a tecnologia avançaram enormemente e muitos casos haverá em que, perante a inexistência de linhas de água doce, a irrigação se possa fazer sem recurso a lençóis subterrâneos de «águas fósseis» como fez Kadhafi, mas apenas pela dessalinização da água do mar.

Sem desmerecer todas as experiências já realizadas com a dessalinização da água, convenhamos que, aplicando a energia solar (ou eólica) ao processo da evaporação-condensação, o Saará deixou de ter legitimidade para continuar a ser uma realidade geográfica limitadora da vida e poderá ser transformado numa região, se não aprazível, pelo menos com aceitáveis níveis de humanização.

E que poderá acontecer uma vez «domado» o Saará?

Redução da pressão sobre o «aquecimento global»;

Criação de condições de habitabilidade hoje inexistentes;

Criação de riqueza agrícola em áreas actualmente estéreis;

Fixação de populações que actualmente assediam a Europa;

Ocupação produtiva de populações actualmente ociosas se não mesmo esmoleres que assim deixam de depender do Zakat[iii] e consequente perda de influência dos pregadores radicais.

Eis algumas das razões pelas quais me parece que a Europa tem todo o interesse em promover a irrigação do Saará. S

Contudo, se Portugal lançar a ideia, certo será que os «gulosos» e nada solidários parceiros europeus nos passarão a plano terciário apenas nos deixando algumas migalhas. Ou seja, a ideia deverá ser avançada por nós nas reuniões bilaterais que ocorram com os Governos do Magreb (Marrocos, Tunísia e Argélia – e Mauritânia?) e do Makresh (Egipto, Líbia-Trípoli e Líbia-Tobruk).

À consideração do Ministério dos Negócios Estrangeiros e de algum empresário que por aqui passe e seja tão ou mais sonhador do que eu.

Setembro de 2020

Henrique Salles da Fonseca

 

[i]- Por incrível que pareça, a Wikipédia não refere esse projecto em https://pt.wikipedia.org/wiki/Laginha_Serafim

[ii]- Para recordar mais, ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Gamal_Abdel_Nasser

[iii] - Esmola muçulmana obrigatória destinada ao amparo dos desvalidos e ao financiamento do clero

Tags: "economia portuguesa"

1 COMENTÁRIO

Anónimo 03.09.2020: Estou de acordo contigo, Henrique, que Nasser tinha qualidades e alguns defeitos. Foi “Bom” quando decidiu construir a barragem de Assuão e quando, perante a recusa inopinada dos EUA e da Grão Bretanha em a financiar, nacionalizou o canal de Suez para obter os meios financeiros necessários para aquela construção. Foi “Bom” quando fez frente, em 1956, à invasão franco-britânica (accionistas da sociedade do Canal) e de Israel. Foi “Bom” quando contribuiu para a retirada daquelas tropas, mediante a pressão dos EUA, passando a certidão de óbito à Grã-Bretanha e à França como potências imperiais e ajudando a acabar definitivamente com o momento da Grã-Bretanha no Médio Oriente, o qual se iniciara em 1918. Com a invasão, embora abortada, a França e a Grã-Bretanha empurraram o Egipto para a URSS. (O biógrafo de Churchill, Martin Gilbert, conta que questionado o Estadista se invadiria o Egipto, caso ainda fosse PM, Churchill respondeu: “Nunca teria ousado, e se tivesse ousado, nunca teria ousado parar”).

Nasser foi “Mau” quando criou, juntamente com os demais terceiro-mundistas, dificuldades ao então governo português. Embora eu fosse oposicionista, não era agradável ver a situação, até porque não perfilho o ditado, ao que parece de origem árabe, embora me pareça mais um “pensamento” constante do livrinho vermelho de Mao, que “inimigo do meu inimigo, meu amigo é”.
Foi “Vilão”,
quando 11 anos depois da crise do Suez, precisamente em 26/5/1967, declarou que o seu “objectivo fundamental era destruir Israel”. O tiro saiu-lhe pela culatra e sobreviveu três anos à derrota humilhante. Realmente morreu cedo, mas já estava morto.

A barragem do Assuão foi um marco notável, a todos os títulos, quer, como dizes, pela visão estratégia de quem a concebeu, quer pelo conflito internacional que promoveu, quer pela dimensão, quer pelos benefícios esperados, quer ainda pelo tempo de construção – 10 anos, apenas (1960-70). Recordo, a título de curiosidade, que a decisão de construir o Alqueva foi em 1975 e a inauguração da barragem ocorreu em 2013.

A ideia que avanças no teu post é uma “boa malha”, como dizíamos quando éramos miúdos. Por diversas razões, eu elegeria Marrocos, para o diálogo. A migração clandestina que chega a Portugal é, penso, predominantemente marroquina. Marrocos já tem, quanto julgo saber, um estatuto especial junto da UE, havendo reuniões regulares do Conselho de Associação EU-Marrocos. Este país é um dos principais beneficiários da ajuda europeia, se não estou equivocado. Sendo isto em relação à EU, acrescento os seguintes aspectos no que concerne a Portugal: Rabat é a capital mais próxima, em linha recta, de Lisboa (salvo quando se tem de ir apanhar o avião a Madrid); Marrocos é (ou era, posso já estar desactualizado) um dos quatro países com que Portugal tinha cimeiras regulares (os outros são, ou eram, Espanha, França e Brasil); o final do século passado e o início deste ficaram marcados com significativos investimentos portugueses, nos sectores cimenteiro (Cimpor, daí eu ter conhecido razoavelmente bem Marrocos), telecomunicações (PT), adubos (Mello), para além da exploração da concessão de fornecimento de água a Rabat.

Henrique, e se Portugal conseguisse o início da concretização de algo, na linha que apontas, quando presidir ao Conselho da EU, no 1º semestre de 2021? Abraço. Carlos Traguelho

 

NOTAS:

Laginha Serafim

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Joaquim Laginha Serafim, (Loulé, 21 de Janeiro de 1921 — Lisboa, 28 de Novembro de 1994), foi um engenheiro civil português.

Formação académica[

Laginha Serafim licenciou-se em Engenharia Civil pelo Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa em 1944.

Actividade como engenheiro civil[

Laginha Serafim desenvolveu uma vasta actividade profissional no campo da engenharia civil, onde se destaca:

Engenheiro da Direcção Geral dos Recursos Hidráulicos (Portugal) em 1946

Engenheiro na Hidroeléctrica do Zêzere (Portugal), de Agosto de 1946 a Outubro de 1947

Chefe da Secção de Barragens de 1947 a 1963 do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em Lisboa

Membro da Comissão Internacional das Grandes Barragens, desde 1948, de que foi Vice-Presidente entre 1988 e 1991

Membro de Comissões Técnicas do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes, nomeadamente da Sub-Comissão do Regulamento de Segurança de Barragens

Fundador da empresa COBA — Consultores de Engenharia e Ambiente, em 1962[1]

Fundador, em 1963, e Presidente, até 1972, da empresa CONSULPRESA — Consultores de Presas y Aprovechamientos, Madrid, Espanha

Fundador da empresa ERN — Engenharia de Recursos Naturais, SA, no Rio de Janeiro, Brasil, em 1968

Barragens em que actuou como projectista ou consultor

Como projectista:

Espanha: Sela, Belesar, Santa Eulália, Susqueda, Almendra, El Vellon, El Atazar, La Baells; Angola: Lomaum; Malobas, Capanda; Moçambique: Massingir; Brasil: Salto do Funil; Costa Rica: Cachi; Grécia: Sfikia, Assomata, Platanovrissy, Thesavros; Irão: Tang-e-Soleyman; Venezuela: La Corcovada, Yacambu, Taguacita

 

Gamal Abdel Nasser

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Gamal Abdel Alexandria, 15 de janeiro0 de 1918Cairo, 28 de Setembro de 1970) foi um militar e político egípcio, presidente de seu país de 1954 até sua morte.

Depois de ter frequentado o ensino liceal entrou na Real Academia Militar, na qual se formou em 1938, onde terá reunido os membros do Movimento dos Oficiais Livres. A sua sociedade revolucionária planejava mudar o rumo dos acontecimentos. Para tal pretendia afastar o rei Faruque I, aproveitando o insucesso da campanha egípcia contra Israel em 1948 e conduziu a uma radical alteração das políticas governamentais. No ano seguinte 1953 a monarquia foi abolida, implantada uma república onde ele passou a presidente, e os partidos banidos.

Notabilizou-se, ao lado de Jawaharlal Nehru e outros, como um dos líderes carismáticos do movimento terceiro-mundista, o que lhe rendeu grande fama em todos os países do dito "Terceiro Mundo". Nasser promoveu, durante seus quase vinte anos no poder, forte política nacionalista, fomentando o movimento pan-arabista, e acabou por levar o Egipto a uma efémera associação com a Síria (a República Árabe Unida). Um marco importante de sua liderança foi a nacionalização do Canal de Suez, que resultou na Guerra de Suez (1956), em função da resposta militar de França e Inglaterra. As duas potências coloniais do século XIX, contudo, viriam a descobrir que o mundo do pós-Segunda Guerra Mundial já não mais lhes pertencia. Sem o apoio norte-americano ou soviético, os exércitos francês e britânico foram obrigados a retirar-se do Egipto.

Sua maior derrota política e militar foi na guerra dos seis dias em 1967 onde perdeu boa parte do seu poderio militar (aeronáutico), atacado pelos israelenses, quando estava preparado para retomar as colinas de Golan na Síria, invadidas por Israel. Perdeu igualmente parte do Sinai também para Israel.

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