E as figuras apareciam vivas, no seu
recorte de requinte ou de pequenez, afinal simbólicas, nos seus papéis de
futilidade, altivez, seriedade, graça, leviandade, dedicação, irreverência,
grosseria, baixeza, valor e timidez e modéstia … Um conjunto de figuras sociais
cujos caracteres vêm subitamente à tona, a revitalizar toda uma sociedade
inerme ou desocupada, definitivamente mandriona, e cuja elegância sobressai, a
par da tacanhez e da pelintrice. Um homem requintado as descreveu e nos faz
rir. E os nomes próprios são-lhes colados, a esses Maias, como outros nomes de outros livros, irresistivelmente e
irrepreensivelmente, quer se trate de um conde Gouvarinho pedante, um Ega
irreverente, um vetusto e nobre Afonso, um lírico e exaltado Alenquer, um
tímido maestro Cruges, figuras imperecíveis, tal como o Conselheiro Acácio de
outra obra queirosiana...
Não assim, hoje. A ideologia política
impera, a acusação surge voraz, e são os governos os principais responsáveis
pela sordidez reinante. Não, as figuras, que nos habituámos a ver na televisão,
têm nome, mas ninguém as descreve, timoratos que somos, ante a supremacia do
dinheiro que implicam ter, por fraudulento que seja, ou ante a arrogância
desavergonhada dos que a obtiveram fraudulentamente. O tom surge acusatório, é
certo, mas as figuras passam, indiferentes ao vexame de aparecerem, focados
pelo enxame de câmaras ou dos jornalistas no seu provocatório mas ineficaz papel
investigador.
Os retratos acusatórios de João Miguel Tavares são bem-feitos,
receoso do futuro dos nossos vindoiros, numa sociedade de atropelo crescente.
As suas chagas sociais são apenas três, neste seu texto, todas dirigidas à
corrupção e condenatórias do governo que as facilita hipocritamente, com
vilania. Porque o governo que as favorece sabe que a maioria o aceita assim -
sabedora que é (ou mesmo ignorante) de igual cartilha. Para o caso, tanto faz.
O governo está seguro, compinchas e mandriões que somos. Ou brincalhões, digo.
OPINIÃO
As três chagas da democracia portuguesa
Se a corrupção atinge em simultâneo a
cúpula da política, da banca e da justiça é porque o sistema permite e
incentiva a corrupção. Se não fossem estes, seriam outros. E, muito
provavelmente, já estão a ser outros, neste preciso momento.
PÚBLICO, 24 de
Setembro de 2020
A
acusação ao ex-primeiro-ministro José Sócrates, no âmbito da Operação Marquês, em Outubro de 2017; a acusação ao ex-banqueiro Ricardo
Salgado, no âmbito do caso BES, em Julho de 2020; e a acusação
ao ex-juiz Rui
Rangel (e outros juízes do Tribunal da
Relação de Lisboa), no âmbito da Operação Lex, em Setembro de 2020, compõem o
triunvirato de acusações mais importantes da história da democracia portuguesa,
e são, à sua maneira, o culminar da falência moral e política do regime.
Três acusações desta magnitude no intervalo de três anos significam que o
problema da corrupção chegou ao topo das três pirâmides que sustentam qualquer
Estado: o poder político, o poder económico e o poder
judicial. Não fica nada de fora. Não é
possível subir mais alto com práticas mais baixas. O cancro da corrupção não se
limitou a metastizar-se – ele atingiu os órgãos vitais do sistema.
E
se falo numa falência moral e política do regime, não o faço pelo gosto do
tremendismo ou porque tenha uma especial paixão por hipérboles. Faço-o porque não vejo
à minha volta qualquer reacção significativa a estes processos. Quer dizer: é evidente que as pessoas se indignam;
que os colunistas chamam a atenção para o que se está a passar; que as
televisões abrem telejornais com estas notícias. Mas da parte de quem detém
o poder, e que é atingido por suspeitas nunca antes vistas, não se nota um
estremecimento, um desejo de arrepiar caminho, uma vontade genuína de mudar
leis e práticas para que tais factos não se voltem a repetir e para que os
responsáveis sejam punidos em tempo útil.
A
nova estratégia de combate à corrupção é
uma aspirina na mão de um decepado. O mantra do “à justiça o que é da
justiça, à política o que é da política” é apenas uma forma habilidosa de não
assumir responsabilidades. As infinitas conversas sobre o “Estado de
Direito” parecem preocupar-se com tudo, menos com o funcionamento eficaz da
justiça. Damos como perdido aquilo que é essencial em qualquer país
civilizado: que se acuse e se condene quem
prevaricou com rapidez. Em dois anos, no máximo – não em dez anos, no mínimo.
Claro
que nós adoramos fulanizar, e eu não escapo a essa tentação. Sócrates é isto,
Salgado é aquilo, Rangel é aqueloutro. Mas se a corrupção atinge em
simultâneo a cúpula da política, da banca e da justiça, não pode ser por causa
de uma coincidência cósmica que colocou três alegados trafulhas em simultâneo
nas pirâmides do poder em Portugal – é porque o sistema permite e incentiva a
corrupção. Se não fossem estes, seriam outros. E, muito provavelmente, já estão
a ser outros, neste preciso momento.
Esse
sistema é composto por leis, práticas, escolhas, nomeações, que são políticas e
que só podem ser mudadas por quem detém o poder. Ora, não vislumbro qualquer
interesse em que isso aconteça. Dir-se-á: mas se há acusações é porque a
justiça funciona. Lamento – não chega. Porque a própria velocidade a que a
justiça é aplicada – Sócrates foi detido há quase seis anos e ainda não foi a
julgamento; Salgado será nonagenário se algum dia entrar numa prisão; Rangel
levará para a cova os segredos das centenas de acórdãos que pode ter manipulado
– funciona como um sedativo (“já não
há pachorra para o Sócrates!”) e
um simulacro de Estado de Direito. E isto
enquanto a corrupção continua protegida pela complexidade da prova e por leis
amigas. Aquilo que conduz ao apodrecimento do regime não são as más práticas –
é mesmo esta falta de vontade de se regenerar.
Jornalista
TÓPICOS
OPINIÃO CORRUPÇÃO JUSTIÇA RUI RANGEL OPERAÇÃO LEX JOSÉ SÓCRATES
COMENTÁRIOS
Leclerc EXPERIENTE: O exemplo máximo
da corrupção e da apropriação dos dinheiros públicos? Bastava ver a expressão
de alguns políticos e alguns “comentadeiros” quando se discutia os fundos da
UE. Vinham menos uns milhões? Não interessava, desde que viessem alguns. O
Orban ameaçava bloquear os fundos? Que se lixem as pulsões totalitárias do
Orban, até tiramos fotografias de família com ele. Qual foi o projecto do ps
desde 2016? A manutenção do poder a todo o custo. Não irá haver nenhuma crise
nos próximos anos, pelo menos enquanto chover o dinheiro da UE. Quando acabarem
os dinheiros da UE, o último a sair que apague a luz. 27.09.2020
orion EXPERIENTE Claro, tudo isto
é lamentável e duma baixeza sem nome, atendendo a que Portugal é um país que
tem vindo a perder lugares no ranking europeu para os países de Leste
recém-chegados à UE. Sim, a pecha da periferia de Portugal e a centralidade
geográfica do Leste (o centro como sinónimo de menor distância aos mercados)
justificam em parte a falta de convergência. Mas a corrupção crescente pode
significar o caminho mais curto para ganhar dinheiro. Até me lembro da reflexão
do cineasta Manoel de Oliveira que dizia que a vida está sobretudo virada para
a maior dificuldade: sobreviver e ganhar dinheiro. Isto num país que julgou
que o maná da União Europeia era infindo e sem contrapartidas duras. Enfim,
a corrupção como solução encontrada por muita gente. E aquilo, o que
se percepciona, é o que vai aparecendo. É o famoso indicador da percepção da
corrupção. Não sabemos se a que está escondida é muita ou nem por isso. Em
2019, Portugal tem 62 pontos em 100 possíveis. Perante estes casos, a percepção
aumentou e Portugal verá provavelmente a sua posição relativa piorar.
25.09. Eng. Jorge Simões INFLUENTE: Quando removeram,
não reconduzindo, Joana Marques Vidal e deram grandes aumentos de vencimento
aos principais agentes da justiça, foi para isto. E com a cumplicidade de
Marcelo, amigo de peito de Salgado. Mas o povo, transformado em doce rebanho,
continua a votar nisto. É natural que o Chega cresça muito... Raquel Sousa INICIANTE: Esta tese está
enviesada pois para haver falência moral política teria que existir moral na
politica/sistema judicial e banca antes. E que eu saiba nunca existiu. O
beneficio da dívida vai pra o primeiro estágio da democracia com o copcom até
ao Eanes! Embora o Marocas tivesse dado cabo disto e já o fosse, ainda havia PR
honesto, mas os juízes já náo o eram nem os banqueiros, que nunca o foram...Ou
seja, não existe democracia, existe u sistema corrupto que se autodenomina
democracia apoiado por uma lei circular (ONT) que permite que lá permaneçam
sempre na dança das cadeiras do bloco central na europa inteira ou EUA etc
mesmo com mais de 50% de abstenções como é o caso. E não se deveria instaurar o
comunismo... mas sim uma verdadeira democracia, rompendo com estes vigaristas 25.09.2020
Enfim Libera lINICIANTE: É engraçado que
as ex-colónias são o que são hoje. Afinal, fomos capazes de transmitir e marcar
as gentes por esse mundo fora: corrupção. 25.09.2020 José Luís Sousa INICIANTE: Porquê inventar a
roda? Vão à Nova Zelândia Dinamarca e outros países com baixa corrupção e
apliquem o seu sistema. Na totalidade, só em pequenas partes ou a célebre
frase- adaptado a nossa realidade- não serve. Desde penas, processos, e meios
de investigação, penas, tipos de prova etc... 24.09.2020 Aónio Eliphis EXPERIENTE: JMT anda cada
vez mais populista. Lá por haver 3 fulanos corruptos nas altas cúpulas do
poder, não significa a falência moral do regime. Quer dizer que todos os primeiros-ministros
são corruptos, todos os empresários, todos os juízes? Eu vejo o copo meio
cheio: a Justiça está finalmente a funcionar.
ana cristina MODERADOR: criticar a
corrupção é populismo? 24.09.2020 Raquel Sousa INICIANTE: a sério? há algum
tacho ou panela? JMT é populista por criticar a corrupção, porque toda o povo
sabe que há e também a pratica para se safar da talega que o partido dito
socialista ainda aumenta mais... 25.09.2020 Aónio Eliphis EXPERIENTE: O populismo advém
da conversa anti-sistema, quando refere a falência moral do regime. 25.09.2020 ana cristina MODERADOR Criticar as falhas de um sistema ajuda
a reforçá-lo. Não é uma atitude anti-sistema. A corrupção é anti-sistema:
contribui para a sua falência. 25.09.2020 Joao Garrett INICIANTE: É isto mesmo:
"Aquilo que conduz ao apodrecimento do regime não são as más práticas – é
mesmo esta falta de vontade de se regenerar." E depois queixem-se do
Ventura e dos populismos! 24.09.2020 Duarte Cabral EXPERIENTE: Em matéria de
leis mal feitas (para nós), vem-me à memoria a frase de Sacha Guitry, "Les
avocats portent des robes pour mentir aussi que les femmes". Cabe
acrescentar: é também para proteger criminosos; e para a nossa infelicidade a
assembleia da república está cheia deles. Evidentemente como para todas as
regras há excepções. 24.09.2020 albergaselizete EXPERIENTE: Muitas das leis elaboradas
nos últimos 44 anos têm em comum terem-nos ficado extremamente caras, já que
foram feitas fora da Assembleia da República e de quem devia ter essa
responsabilidade; são leis que se caracterizam por dificultar a aplicação da
verdadeira justiça, tendo sido criados atalhos para aqueles que contam, ou
seja, quem pode "desviar" muitos milhões de euros ou vende Portugal a
retalho; as leis foram beneficiando os criminosos e prejudicando os cidadãos
portugueses, em especial, os que trabalham e tudo pagam. Da corrupção ao
narcotráfico, passando pelo crime avulso, os "artistas" agradecem
encarecidamente, muitas das leis estrategicamente produzidas. Jorge Sm MODERADOR: O Público vai tendo o seu andré ventura,
repetindo até à exaustão a ideia da “falência do regime”, que é a lenga-lenga
daqueles que querem desacreditar o sistema democrático. E muita graça tem a
lamentação pela demora do processo Sócrates, pelo cronista que não se cansou de
tecer rasgados elogios ao Ministério Público e ao seu juiz-herói. Criou-se um
processo de tamanho verdadeiramente monstruoso (em vez de se separar em vários)
e só os muito distraídos podem agora ficar surpreendidos por um monstro destes
demorar muitos anos a ser julgado. 24.09.2020 ana cristina MODERADOR: este medo de que
a crítica à corrupção se torne crítica ao regime e chamusque a democracia é
coisa da pré-história. somos crescidinhos e capazes de separar as águas. a
democracia, ao contrário do totalitarismo, não tem medo de pôr em causa
disfuncionamentos. 24.09.2020
Jorge Sm MODERADOR: Criticar a corrupção é coisa muito diferente de
decretar a "falência do regime" democrático, que é o que faz
repetidamente o cronista. 24.09.2020 jorge morais INICIANTE: Só com a cabeça metida na areia é que se pode pensar
que isto não está mais que falido. Infelizmente dizem as pessoas sensatas. 24.09.2020 Aónio Eliphis EXPERIENTE: Concordo
inteiramente com o Jorge Sm. JMT está cada vez mais populista nos seus textos.
Mario Coimbra EXPERIENTE: Realmente o pior
cego... primeiro critica JMT, comparando-o a Ventura. Ou seja só os do Chega é
que acham que a corrupção mina o estado democrático e que a nossa situação é
critica. Um disparate pegado. Qualquer pessoa do centro deve achar a situação
preocupante. Depois pega em Sócrates claro. Poder político para criticar o
juiz, sendo ele a razão da lentidão do processo. Não deixa de ser curioso pegar
em Socrates. Mais uma vez quem se mete com o PS leva. Ouça, o problema é geral,
tem n casos ligados ao PSD. Não interessa a cor. Interessa acabar com o
compadrio e corrupção. E isto não é tarefa do Chega, percebe?. Tem que ser
tarefa do PS e PSD como os grandes partidos do regime. Deixe lá a clubite por
uma vez... 25.09.2020
Jose EXPERIENTE: A democracia,
delegação do poder individual de muitos no poder legislativo, executivo,
judicial e presidencial de muito poucos, é um muito antigo método de gerir a
Polis. Aristóteles excluía das suas democracias, da Grécia, os trabalhadores
por terem nascido para escravos, explicava. Não excluía, antes identificava
corruptos como factor de erosão das suas democracias. Ele dedicou muito
trabalho a inventar e implementar métodos de combate aos corruptos. Não teve
êxito apesar da sua genialidade. Êxito teve a democracia que persiste e alargou
a sua base cidadã aos cidadãos trabalhadores. É certo que a corrupção parasita
a democracia desde o princípio. Foi muito pior nos regimes monárquicos,
feudais, imperiais. Não é a democracia a causa da corrupção, mas os corruptos,
o carácter bárbaro, egoísta, 24.09.2020 Macuti EXPERIENTE: Esqueceu referir
a corrupção nos regimes ditatoriais.24.09.2020 Jose EXPERIENTE: Caro Macuti Cá em
Portugal alguns opinadores põem no banco dos réus a democracia acusando-a de
todos os males. É o caso das Bandeiras Populistas da corrupção, do nepotismo,
do politicamente correcto, etc. É verdade que os mesmos opinadores acusam o que
decidirem chamar de ditadura, ou simplesmente ditador, de serem a origem dos
mesmos males. O populismo e os seus propagandistas não têm ética, nem
coerência, nem fundamentação em evidências. Tudo lhes serve para o objectivo
único: alcançar poder no Estado. É essa propaganda que faz aqui JMT ou Fátima
Bonifácio ou... 24.09.20
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