terça-feira, 29 de setembro de 2020

Ao menos n’OS MAIAS as chagas eram apontadas de careca à mostra


E as figuras apareciam vivas, no seu recorte de requinte ou de pequenez, afinal simbólicas, nos seus papéis de futilidade, altivez, seriedade, graça, leviandade, dedicação, irreverência, grosseria, baixeza, valor e timidez e modéstia … Um conjunto de figuras sociais cujos caracteres vêm subitamente à tona, a revitalizar toda uma sociedade inerme ou desocupada, definitivamente mandriona, e cuja elegância sobressai, a par da tacanhez e da pelintrice. Um homem requintado as descreveu e nos faz rir. E os nomes próprios são-lhes colados, a esses Maias, como outros nomes de outros livros, irresistivelmente e irrepreensivelmente, quer se trate de um conde Gouvarinho pedante, um Ega irreverente, um vetusto e nobre Afonso, um lírico e exaltado Alenquer, um tímido maestro Cruges, figuras imperecíveis, tal como o Conselheiro Acácio de outra obra queirosiana...

Não assim, hoje. A ideologia política impera, a acusação surge voraz, e são os governos os principais responsáveis pela sordidez reinante. Não, as figuras, que nos habituámos a ver na televisão, têm nome, mas ninguém as descreve, timoratos que somos, ante a supremacia do dinheiro que implicam ter, por fraudulento que seja, ou ante a arrogância desavergonhada dos que a obtiveram fraudulentamente. O tom surge acusatório, é certo, mas as figuras passam, indiferentes ao vexame de aparecerem, focados pelo enxame de câmaras ou dos jornalistas no seu provocatório mas ineficaz papel investigador.

Os retratos acusatórios de João Miguel Tavares são bem-feitos, receoso do futuro dos nossos vindoiros, numa sociedade de atropelo crescente. As suas chagas sociais são apenas três, neste seu texto, todas dirigidas à corrupção e condenatórias do governo que as facilita hipocritamente, com vilania. Porque o governo que as favorece sabe que a maioria o aceita assim - sabedora que é (ou mesmo ignorante) de igual cartilha. Para o caso, tanto faz. O governo está seguro, compinchas e mandriões que somos. Ou brincalhões, digo.

 

OPINIÃO

As três chagas da democracia portuguesa

Se a corrupção atinge em simultâneo a cúpula da política, da banca e da justiça é porque o sistema permite e incentiva a corrupção. Se não fossem estes, seriam outros. E, muito provavelmente, já estão a ser outros, neste preciso momento.

JOÃO MIGUEL TAVARES

PÚBLICO, 24 de Setembro de 2020

A acusação ao ex-primeiro-ministro José Sócrates, no âmbito da Operação Marquês, em Outubro de 2017; a acusação ao ex-banqueiro Ricardo Salgado, no âmbito do caso BES, em Julho de 2020; e a acusação ao ex-juiz Rui Rangel (e outros juízes do Tribunal da Relação de Lisboa), no âmbito da Operação Lex, em Setembro de 2020, compõem o triunvirato de acusações mais importantes da história da democracia portuguesa, e são, à sua maneira, o culminar da falência moral e política do regime.

Três acusações desta magnitude no intervalo de três anos significam que o problema da corrupção chegou ao topo das três pirâmides que sustentam qualquer Estado: o poder político, o poder económico e o poder judicial. Não fica nada de fora. Não é possível subir mais alto com práticas mais baixas. O cancro da corrupção não se limitou a metastizar-se – ele atingiu os órgãos vitais do sistema.

E se falo numa falência moral e política do regime, não o faço pelo gosto do tremendismo ou porque tenha uma especial paixão por hipérboles. Faço-o porque não vejo à minha volta qualquer reacção significativa a estes processos. Quer dizer: é evidente que as pessoas se indignam; que os colunistas chamam a atenção para o que se está a passar; que as televisões abrem telejornais com estas notícias. Mas da parte de quem detém o poder, e que é atingido por suspeitas nunca antes vistas, não se nota um estremecimento, um desejo de arrepiar caminho, uma vontade genuína de mudar leis e práticas para que tais factos não se voltem a repetir e para que os responsáveis sejam punidos em tempo útil.

A nova estratégia de combate à corrupção é uma aspirina na mão de um decepado. O mantra do “à justiça o que é da justiça, à política o que é da política” é apenas uma forma habilidosa de não assumir responsabilidades. As infinitas conversas sobre o “Estado de Direito” parecem preocupar-se com tudo, menos com o funcionamento eficaz da justiça. Damos como perdido aquilo que é essencial em qualquer país civilizado: que se acuse e se condene quem prevaricou com rapidez. Em dois anos, no máximo – não em dez anos, no mínimo.

Claro que nós adoramos fulanizar, e eu não escapo a essa tentação. Sócrates é isto, Salgado é aquilo, Rangel é aqueloutro. Mas se a corrupção atinge em simultâneo a cúpula da política, da banca e da justiça, não pode ser por causa de uma coincidência cósmica que colocou três alegados trafulhas em simultâneo nas pirâmides do poder em Portugal – é porque o sistema permite e incentiva a corrupção. Se não fossem estes, seriam outros. E, muito provavelmente, já estão a ser outros, neste preciso momento.

Esse sistema é composto por leis, práticas, escolhas, nomeações, que são políticas e que só podem ser mudadas por quem detém o poder. Ora, não vislumbro qualquer interesse em que isso aconteça. Dir-se-á: mas se há acusações é porque a justiça funciona. Lamento – não chega. Porque a própria velocidade a que a justiça é aplicada – Sócrates foi detido há quase seis anos e ainda não foi a julgamento; Salgado será nonagenário se algum dia entrar numa prisão; Rangel levará para a cova os segredos das centenas de acórdãos que pode ter manipulado – funciona como um sedativo (“já não há pachorra para o Sócrates!”) e um simulacro de Estado de Direito. E isto enquanto a corrupção continua protegida pela complexidade da prova e por leis amigas. Aquilo que conduz ao apodrecimento do regime não são as más práticas – é mesmo esta falta de vontade de se regenerar.

Jornalista

TÓPICOS

OPINIÃO  CORRUPÇÃO  JUSTIÇA  RUI RANGEL  OPERAÇÃO LEX  JOSÉ SÓCRATES

COMENTÁRIOS

Leclerc EXPERIENTE: O exemplo máximo da corrupção e da apropriação dos dinheiros públicos? Bastava ver a expressão de alguns políticos e alguns “comentadeiros” quando se discutia os fundos da UE. Vinham menos uns milhões? Não interessava, desde que viessem alguns. O Orban ameaçava bloquear os fundos? Que se lixem as pulsões totalitárias do Orban, até tiramos fotografias de família com ele. Qual foi o projecto do ps desde 2016? A manutenção do poder a todo o custo. Não irá haver nenhuma crise nos próximos anos, pelo menos enquanto chover o dinheiro da UE. Quando acabarem os dinheiros da UE, o último a sair que apague a luz. 27.09.2020

orion EXPERIENTE Claro, tudo isto é lamentável e duma baixeza sem nome, atendendo a que Portugal é um país que tem vindo a perder lugares no ranking europeu para os países de Leste recém-chegados à UE. Sim, a pecha da periferia de Portugal e a centralidade geográfica do Leste (o centro como sinónimo de menor distância aos mercados) justificam em parte a falta de convergência. Mas a corrupção crescente pode significar o caminho mais curto para ganhar dinheiro. Até me lembro da reflexão do cineasta Manoel de Oliveira que dizia que a vida está sobretudo virada para a maior dificuldade: sobreviver e ganhar dinheiro. Isto num país que julgou que o maná da União Europeia era infindo e sem contrapartidas duras. Enfim, a corrupção como solução encontrada por muita gente. E aquilo, o que se percepciona, é o que vai aparecendo. É o famoso indicador da percepção da corrupção. Não sabemos se a que está escondida é muita ou nem por isso. Em 2019, Portugal tem 62 pontos em 100 possíveis. Perante estes casos, a percepção aumentou e Portugal verá provavelmente a sua posição relativa piorar. 25.09.      Eng. Jorge Simões INFLUENTE: Quando removeram, não reconduzindo, Joana Marques Vidal e deram grandes aumentos de vencimento aos principais agentes da justiça, foi para isto. E com a cumplicidade de Marcelo, amigo de peito de Salgado. Mas o povo, transformado em doce rebanho, continua a votar nisto. É natural que o Chega cresça muito...   Raquel Sousa INICIANTE: Esta tese está enviesada pois para haver falência moral política teria que existir moral na politica/sistema judicial e banca antes. E que eu saiba nunca existiu. O beneficio da dívida vai pra o primeiro estágio da democracia com o copcom até ao Eanes! Embora o Marocas tivesse dado cabo disto e já o fosse, ainda havia PR honesto, mas os juízes já náo o eram nem os banqueiros, que nunca o foram...Ou seja, não existe democracia, existe u sistema corrupto que se autodenomina democracia apoiado por uma lei circular (ONT) que permite que lá permaneçam sempre na dança das cadeiras do bloco central na europa inteira ou EUA etc mesmo com mais de 50% de abstenções como é o caso. E não se deveria instaurar o comunismo... mas sim uma verdadeira democracia, rompendo com estes vigaristas 25.09.2020    Enfim Libera lINICIANTE: É engraçado que as ex-colónias são o que são hoje. Afinal, fomos capazes de transmitir e marcar as gentes por esse mundo fora: corrupção. 25.09.2020    José Luís Sousa INICIANTE: Porquê inventar a roda? Vão à Nova Zelândia Dinamarca e outros países com baixa corrupção e apliquem o seu sistema. Na totalidade, só em pequenas partes ou a célebre frase- adaptado a nossa realidade- não serve. Desde penas, processos, e meios de investigação, penas, tipos de prova etc... 24.09.2020     Aónio Eliphis EXPERIENTE: JMT anda cada vez mais populista. Lá por haver 3 fulanos corruptos nas altas cúpulas do poder, não significa a falência moral do regime. Quer dizer que todos os primeiros-ministros são corruptos, todos os empresários, todos os juízes? Eu vejo o copo meio cheio: a Justiça está finalmente a funcionar.  ana cristina MODERADOR: criticar a corrupção é populismo? 24.09.2020    Raquel Sousa INICIANTE: a sério? há algum tacho ou panela? JMT é populista por criticar a corrupção, porque toda o povo sabe que há e também a pratica para se safar da talega que o partido dito socialista ainda aumenta mais... 25.09.2020   Aónio Eliphis EXPERIENTE: O populismo advém da conversa anti-sistema, quando refere a falência moral do regime. 25.09.2020    ana cristina  MODERADOR Criticar as falhas de um sistema ajuda a reforçá-lo. Não é uma atitude anti-sistema. A corrupção é anti-sistema: contribui para a sua falência. 25.09.2020    Joao Garrett INICIANTE: É isto mesmo: "Aquilo que conduz ao apodrecimento do regime não são as más práticas – é mesmo esta falta de vontade de se regenerar." E depois queixem-se do Ventura e dos populismos! 24.09.2020   Duarte Cabral EXPERIENTE: Em matéria de leis mal feitas (para nós), vem-me à memoria a frase de Sacha Guitry, "Les avocats portent des robes pour mentir aussi que les femmes". Cabe acrescentar: é também para proteger criminosos; e para a nossa infelicidade a assembleia da república está cheia deles. Evidentemente como para todas as regras há excepções. 24.09.2020   albergaselizete EXPERIENTE: Muitas das leis elaboradas nos últimos 44 anos têm em comum terem-nos ficado extremamente caras, já que foram feitas fora da Assembleia da República e de quem devia ter essa responsabilidade; são leis que se caracterizam por dificultar a aplicação da verdadeira justiça, tendo sido criados atalhos para aqueles que contam, ou seja, quem pode "desviar" muitos milhões de euros ou vende Portugal a retalho; as leis foram beneficiando os criminosos e prejudicando os cidadãos portugueses, em especial, os que trabalham e tudo pagam. Da corrupção ao narcotráfico, passando pelo crime avulso, os "artistas" agradecem encarecidamente, muitas das leis estrategicamente produzidas. Jorge Sm MODERADOR: O Público vai tendo o seu andré ventura, repetindo até à exaustão a ideia da “falência do regime”, que é a lenga-lenga daqueles que querem desacreditar o sistema democrático. E muita graça tem a lamentação pela demora do processo Sócrates, pelo cronista que não se cansou de tecer rasgados elogios ao Ministério Público e ao seu juiz-herói. Criou-se um processo de tamanho verdadeiramente monstruoso (em vez de se separar em vários) e só os muito distraídos podem agora ficar surpreendidos por um monstro destes demorar muitos anos a ser julgado. 24.09.2020    ana cristina MODERADOR: este medo de que a crítica à corrupção se torne crítica ao regime e chamusque a democracia é coisa da pré-história. somos crescidinhos e capazes de separar as águas. a democracia, ao contrário do totalitarismo, não tem medo de pôr em causa disfuncionamentos.   24.09.2020      Jorge Sm MODERADOR: Criticar a corrupção é coisa muito diferente de decretar a "falência do regime" democrático, que é o que faz repetidamente o cronista. 24.09.2020 jorge morais INICIANTE: Só com a cabeça metida na areia é que se pode pensar que isto não está mais que falido. Infelizmente dizem as pessoas sensatas. 24.09.2020    Aónio Eliphis EXPERIENTE: Concordo inteiramente com o Jorge Sm. JMT está cada vez mais populista nos seus textos. Mario Coimbra EXPERIENTE: Realmente o pior cego... primeiro critica JMT, comparando-o a Ventura. Ou seja só os do Chega é que acham que a corrupção mina o estado democrático e que a nossa situação é critica. Um disparate pegado. Qualquer pessoa do centro deve achar a situação preocupante. Depois pega em Sócrates claro. Poder político para criticar o juiz, sendo ele a razão da lentidão do processo. Não deixa de ser curioso pegar em Socrates. Mais uma vez quem se mete com o PS leva. Ouça, o problema é geral, tem n casos ligados ao PSD. Não interessa a cor. Interessa acabar com o compadrio e corrupção. E isto não é tarefa do Chega, percebe?. Tem que ser tarefa do PS e PSD como os grandes partidos do regime. Deixe lá a clubite por uma vez... 25.09.2020

Jose EXPERIENTE: A democracia, delegação do poder individual de muitos no poder legislativo, executivo, judicial e presidencial de muito poucos, é um muito antigo método de gerir a Polis. Aristóteles excluía das suas democracias, da Grécia, os trabalhadores por terem nascido para escravos, explicava. Não excluía, antes identificava corruptos como factor de erosão das suas democracias. Ele dedicou muito trabalho a inventar e implementar métodos de combate aos corruptos. Não teve êxito apesar da sua genialidade. Êxito teve a democracia que persiste e alargou a sua base cidadã aos cidadãos trabalhadores. É certo que a corrupção parasita a democracia desde o princípio. Foi muito pior nos regimes monárquicos, feudais, imperiais. Não é a democracia a causa da corrupção, mas os corruptos, o carácter bárbaro, egoísta, 24.09.2020  Macuti EXPERIENTE: Esqueceu referir a corrupção nos regimes ditatoriais.24.09.2020    Jose EXPERIENTE: Caro Macuti Cá em Portugal alguns opinadores põem no banco dos réus a democracia acusando-a de todos os males. É o caso das Bandeiras Populistas da corrupção, do nepotismo, do politicamente correcto, etc. É verdade que os mesmos opinadores acusam o que decidirem chamar de ditadura, ou simplesmente ditador, de serem a origem dos mesmos males. O populismo e os seus propagandistas não têm ética, nem coerência, nem fundamentação em evidências. Tudo lhes serve para o objectivo único: alcançar poder no Estado. É essa propaganda que faz aqui JMT ou Fátima Bonifácio ou...   24.09.20

………………………………………..

Nenhum comentário: