Como nos vários lugares da Terra, afinal.
Ao menos, naqueles tempos do seu (- de Pessoa - ) “Nevoeiro” havia alguma esperança ainda. Hoje, já nem podemos ter
esperança na Hora.
Quinto
NEVOEIRO
Nem rei nem
lei, nem paz nem guerra,
Define com
perfil e ser
Este fulgor
baço da terra
Que é
Portugal a entristecer —
Brilho sem
luz e sem arder
Como o que o
fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe
que coisa quer.
Ninguém
conhece que alma tem,
Nem o que é
mal nem o que é bem.
(Que ânsia
distante perto chora?)
Tudo é
incerto e derradeiro.
Tudo é
disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal,
hoje és nevoeiro...
É a hora!
Valete, Fratres.
Fernando Pessoa
O português não vai em grupos: as regras da
contingência /premium
Nos restantes lugares, incluindo em
casa, o limite para ajuntamentos chega a dez (caso reúna onze alminhas na sala
e a polícia aparecer, não hesite em entregar aquele cunhado insuportável).
ALBERTO GONÇALVES,
Colunista do Observador
OBSERVADOR, 12 set 2020
Apesar
dos factos em contrário, a verdade é que a Covid é a maior ameaça à humanidade
desde a invenção da gaita-de-foles. À cadência actual de mortos por dia,
Portugal arrisca ficar desabitado em 10 mil ou 15 mil anos. Por isso, é muito
importante o estado de contingência decretado pelo dr. Costa para todo o país a
partir de dia 15. E é uma sorte sermos orientados por uma personalidade assim
iluminada. E é mera sensatez eu ceder este espaço, habitualmente de opinião, ao
inventário das ordens a cumprir escrupulosamente. Ei-las.
Ajuntamentos
Depende. Nos restaurantes dos centros
comerciais, a menos de 300 metros das escolas e a mais de 3 mil km de um centro
de abastecimento alimentar, os ajuntamentos estão limitados a quatro pessoas.
Cinco, se uma usar trela. Nos restantes lugares, incluindo em casa, a coisa
chega a dez (caso reúna onze alminhas na sala e a polícia aparecer, não hesite
em entregar aquele cunhado insuportável). Doze em cada treze virologistas
subscrevem estas decisões. Catorze em cada quinze cunhados são contra. Claro
que um agregado familiar superior a dez alminhas não será separado, mas para
quem partilha o lar com mais de nove criaturas a Covid é o menor dos seus
problemas. Adenda: o limite de
convivas sobe para 30 mil, ou dois milhões, se se tratar de uma pândega legal,
ou seja, de eleitores do dr. Costa ou dos partidos aliados do dr. Costa (PSD
excluído).
Álcool
As
exactas “autoridades” que nos mandam lavar as mãos com álcool dificultam que
lavemos a tripa com o dito. Há uma explicação para isto. A chatice é que
ninguém, incluindo as “autoridades”, sabe qual é. O certo é que não se pode
comprar bebidas alcoólicas após as oito da noite, excepto nas bombas de
gasolina, em que não se pode comprá-las nunca, e nos restaurantes, em que se
pode comprá-las sempre (se a pinga acompanhar a refeição: faça como os
comunistas no Avante e mande vir uma reles carcaça, mas depois não se queixe
que as vítimas da fome não se aguentam de pé). Novamente, o raciocínio
subjacente é claríssimo. À primeira vista, parece que o vírus é seduzido por
bêbados – mas só a certas horas, e sobretudo na proximidade de outros produtos
inflamáveis. À segunda vista, é possível que o vírus não tenha nada a ver
com o assunto e a restrição dos copos pretenda unicamente a erradicação de
vícios malignos e a formação de um povo casto, conforme convém. Alguém
conhece a situação de casinos e bordéis?
Comércio
Os estabelecimentos comerciais só
podem abrir a partir das 10 horas, já que às 9 o vírus ainda anda vivaço e
entretanto cansa-se. Felizmente,
um estudo realizado por antropólogos da Universidade de Stanford apurou que o
vírus não toma pequeno-almoço, não cuida do corpo e não se penteia, pelo que pastelarias,
cafés, ginásios e cabeleireiros podem abrir mais cedo. Quanto aos horários
de fecho, o dr. Costa deixou a matéria a cargo de especialistas: os autarcas. É
uma decisão sábia. Os mesmos cérebros que investem 300 mil euros dos
contribuintes para edificar uma rotunda e outros 300 mil para colocar-lhe em
cima uma obra de arte jeitosa são os sujeitos ideais para, mediante
algoritmos recursivos e equações de terceiro grau, decidirem se um supermercado
deve fechar às 20.17 ou às 22.39. Em qualquer dos casos, o importante é
diminuir os horários, aumentar a densidade de clientes nas lojas e confundir o
bicho, que face à diversidade de escolha é incapaz de se decidir por um
hospedeiro e vai embora aborrecido.
Discotecas
Podem abrir enquanto padarias ou
casas de chá. Está por
decidir se as casas de chá e as padarias podem abrir enquanto discotecas. E
se uma loja de atoalhados pode abrir enquanto sede do sindicato dos vidreiros.
Festas
A menos que organizadas por
estalinistas, trotskistas ou demais humoristas, cuja higiene convence o vírus
de que já não há lugar para ele, as festas são proibidas. Em festas celebradas
por pessoas normais, o vírus tende a sentir-se convidado e a integrar-se por
osmose. Depois os talheres e as sobremesas não são suficientes e ninguém sabe
porquê.
Futebol
Descontado o prof. Marcelo e cinco vultos anónimos, não são permitidos
espectadores, o que significa que a média dos últimos 30 anos na
generalidade dos estádios permanece inalterada. Para o dr. Costa, não se pode
comparar o comportamento do público no futebol com o do cinema ou de um
concerto musical, heavy metal e Camané incluídos. No futebol, os adeptos
tendem a trocar afectos e cuspo, o que estimularia a propagação do vírus.
Isqueiros
Para já, não é preciso voltar a tirar
licença para o respectivo uso. É questão de tempo. Até lá, convém fumar, uma
das raras desculpas para dispensar a máscara sem ouvir impropérios de algum
tarado, perdão, cidadão exemplar.
Lares
Não são problema. Dos milhões de mortos
portugueses por Covid, os velhotes dos lares representam somente algumas
centenas. Isto porque, explica o dr. Costa, logo em Abril o governo entrou em
acção – e ainda não saiu. Para cúmulo, agora temos brigadas médicas distritais
para intervir nos lares e aperfeiçoar os cuidados anteriores, tão fabulosos que
são insusceptíveis de aperfeiçoamento.
Máscaras
Não
é obrigatório usar máscara na rua. Mas é bastante aconselhável. Há meses que os
espanhóis a usam até para saltar de pára -quedas e o número de infectados
desceu para escassos 10 mil por dia. A
máscara não serve apenas para nos proteger do vírus. Aliás, não serve de
todo para isso: é um acessório de moda, uma afirmação de civilidade, um símbolo
de obediência. Em muitos rostos, é também um melhoramento apreciável. Para
os renitentes, a obrigatoriedade da máscara em transportes públicos e
repartições do Estado é um excelente pretexto para não frequentar semelhantes
pocilgas. Os bons cidadãos não tiram a deles desde 12 de Março, o que
reforça sobremaneira o distanciamento social. Os cumprimentos de cortesia devem
continuar a realizar-se com os cotovelos, a zona do corpo para onde se deve
tossir e espirrar.
Trabalho
Como o “teletrabalho”, o “desfasamento”
de horários só acontecerá nas duas áreas metropolitanas, que o resto do país
está na lavoura ou na taberna e dá cabo do vírus com a sachola ou o bagaço. Em
Lisboa e no Porto, os funcionários de uma empresa passam a chegar às
pinguinhas, de dez em dez minutos para não se roçarem à porta. A técnica vai
eliminar o ancestral procedimento de “o último a sair apaga a luz”, já que o
primeiro acabou de entrar. Uma possível vantagem é que o “desfasamento” do
horário dos trabalhadores, aliado à diminuição do horário da empresa, leva a
que alguns limitem o expediente a meia hora diária. É mau para a
produtividade e óptimo para a Netflix. Infelizmente, a pausa para café e para
almoço é igualmente desencontrada, o que é bom para evitar os colegas que falam
de bola ou decoração e péssimo para comentar a série que viram ontem. O dr.
Costa garantiu que não haverá “um polícia ou um inspector atrás de cada pessoa,
em cada local de trabalho”, até porque devemos assegurar o distanciamento
social: o polícia vigia a dois metros. Além disso, o dr. Costa prometeu
“controlo suplementar”, a cargo de uma Autoridade para as Condições do Trabalho.
Ou pela ASAE. Ou pela FIFA. O vírus, que se aproveitava da chegada simultânea
dos trabalhadores para saltar-lhes em cima, nem sabe onde se meteu. Se tudo
correr pelo melhor, a empresa, esfrangalhada pelas regras e pelas multas,
declara falência em dois tempos e, ao terceiro, o vírus está sozinho no parque
de estacionamento.
Transportes
públicos
Muitas
das regras agora anunciadas evitam que os transportes públicos se encham nas
horas de ponta. O problema é que, devido às regras ou às greves, fora das horas
de ponta não há transportes públicos. Se houver, é ainda pior: as pessoas terão
de andar neles.
CORONAVÍRUS SAÚDE PÚBLICA SAÚDE
COMENTÁRIOS:
Gens Ramos: O Dr. António, esqueceu-se de legislar onde colocar a máscara quando não
está a ser usada. 1- na mão esquerda ou direita; 2- no queixo; 3- no
braço/antebraço; 4 - no bolso; 5- na bolsa/oferta da farmácia; 6- noutro sítio
que não estes.
Jorge Martins: simplesmente brilhante, o retrato perfeito da palhaçada em que vivemos.
Estamos a começar uma tragédia de proporções nunca vistas na vertente
econômica, financeira e de liberdade da nossa sociedade. Uma parte considerável
disto teria sido evitável, mas ainda, para maior infelicidade, este povo no
qual me incluo nunca o vai saber, perceber. Daqui a pouco aplaudiremos
entudiasticamente os que nos meteram neste buraco. Triste sina a nossa.
David Pereira Há mais vida para além do Covid…: Esta situação da pandemia é algo
que vem pôr as pessoas cara a cara com a finitude da vida e que mostra essa
vulnerabilidade apesar de todos os avanços que a humanidade tem feito. Os
governos têm que agir e as pessoas têm que ser responsáveis. Contudo, parece
evidente que muitas medidas estão a ser tomadas porque as pessoas estão também
a exigir ingenuamente que as autoridades façam isto desaparecer imediatamente,
então é medida atrás de medida para dar o “conforto” que se está a fazer alguma
coisa, faça ela muito sentido ou não. As pessoas não podem estar debaixo dos lençóis até que
haja 0 casos durante 4 semanas. Muitas vidas irão ser afectadas ou perdidas por
outras causas, falta de diagnóstico e tratamento de mais variadas doenças ou
simples stress e ansiedade, se continuar a haver uma obsessão patológica com
esta pandemia. Para não falar nas repercussões a longo-prazo na liberdade
individual.
pedro dragone: é fácil fazer
piadolas à volta de uma pandemia provocada por um vírus que, apesar de tudo,
não é dos mais letais. Até ver. Se lhe der uma mutação como aconteceu com o
vírus da gripe espanhola, que na segunda vaga (precisamente a de
outono/inverno) matou que se fartou, as brincadeiras acabam. Ou, pelo menos,
acabará quem lhes ache piada... Outro cenário provável é o nº de infecções
disparar a um ritmo tal que os serviços de saúde (privados incluídos) colapsam,
deixando gente a morrer em casa (na peste bubónica morriam até na rua...). E
isso, com este vírus que tem uma enorme e ímpar capacidade de disseminação, é
relativamente fácil de acontecer...
Ping PongYangpedro dragone: Talvez
o Dr. AG não se leve sequer a sério... o meu receio são algumas das cabecitas
mais fracas que possam ter algum tipo de exposição a cenas deste tipo... Isto
aqui está perfeitamente contido, mas nunca fiando!
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