Este texto de Nuno Pacheco para reviver Amália, em Youtube, num Concerto de homenagem pelos vinte anos da sua morte, com vários cantores que trouxeram para o palco, além das suas interpretações de Amália, as realizações pessoais de cada um, alternadas com excertos de fados de Amália. Gostei de ver, mas faltou-me a Ana Moura e até outras cantoras de Amália, mais simples e com vozes bonitas, que também Amália mereceria ter escutado. Uma maravilha, a Internet, para nos fazer estar mais atentos ao que vai de vozes, pelo mundo. E não só vozes, naturalmente. Quanto ao livro sobre as raízes de Amália, situadas estas no Fundão, é, naturalmente, curioso sabê-lo, tal como é imprescindível conhecer as tais raízes de uma figura ímpar no Mundo.
OPINIÃO
O
Fundão a recordar-nos as raízes de Amália, num livro com capa de Álvaro Siza
Um livro que pretende “iluminar com
novas luzes a raiz ou raízes que sustentavam e alimentavam” a personalidade e o
canto de Amália.
NUNO PACHECO
PÚBLICO, 17 de Setembro de 2020
Enquanto
Lisboa se prepara para celebrar a obra e a longa vida de Joel Pina, 100 anos
feitos em Fevereiro e beirão de nascimento, o Jornal
do Fundão (JF) editou em plena pandemia um livro
destinado a celebrar as raízes também beirãs de Amália Rodrigues (1920-1999), cantora
de projecção universal com quem Joel Pina tocou durante 29 anos, de 1966 até 1994.
E se ele nasceu em Idanha-a-Nova,
Castelo Branco, é neste mesmo distrito que Amália tem raízes até à quinta
geração (1773), como se recorda agora no livro Amália, a Raiz e a Voz, com
coordenação do ensaísta Arnaldo Saraiva e um desenho original de Álvaro Siza na
capa, sintetizando o perfil de Amália num esboço telúrico. Por aqui passam histórias, muitas, dos encontros
e desencontros de Amália com o Fundão, citadas em depoimentos ou entrevistas,
ainda que reconhecendo o seu nascimento lisboeta. O registo do baptismo
de Amália na igreja matriz do Fundão, em 6 de Julho de 1921, reproduzido no
livro, não ilude: lá se escreveu que Amália, filha de Albertino Rodrigues e
Lucinda da Piedade, nascera “na freguezia da Pena em Lisboa às cinco horas do
dia vinte e três do mês de Julho do anno de mil novecentos e vinte”. Porquê
em Lisboa? Porque os pais, ele nascido em
Castelo Branco e ela em Souto da Casa, tentaram ali a sorte, instalando-se
provisoriamente na casa dos avós maternos de Amália (ambos naturais do Fundão,
ele de Souto da Casa e ela de Alcaria), na Rua Martim Vaz, na freguesia da
Pena, onde Amália nasceu. Um ano depois, os pais vão ao Fundão
baptizá-la.
“Eu
não tenho sangue que não seja da Beira Baixa”, disse Amália ao
correspondente do JF em Paris, em 1992. Três anos antes, em 1989, António
Paulouro, fundador e então director do JF, citou num texto seu uma outra frase
dita por Amália ao mesmo correspondente em Paris: “Devo o
meu êxito a ter levado para o fado de Lisboa a toada da Beira.” O “puxar de galões” é justificado por várias
declarações de Amália. Noutra entrevista ao JF, ela disse: “O Fundão é uma
conversa de todos os dias. Quando os meus tios e avós eram vivos e havia aquela
família toda, isso é que era falar do Fundão! (…) Sempre tive o Fundão na minha
cabeça e não tenho mais recordações porque os meus pais não tinham dinheiro
para passar férias no Fundão.”
Mas
as ligações à Beira-Baixa haviam de persegui-la por diversas vezes, não só em
visitas e até actuações (há registos de que cantou com a irmã
Celeste nas Festas de Santa Luzia, em 1946, e esteve em idêntica
romaria em 1959) mas também em entrevistas. Arnaldo Saraiva recorda que, ao
entrevistá-la para a RTP em 1987, lhe sugeriu que cantasse a Santa Luzia. Ela acedeu, advertindo: “Depois não digam que
estou a cantar mal”. “Foi um momento mágico, dos mais sublimes que a televisão
portuguesa já produziu – e que, estranhamente, nunca nenhuma biografia, ou
filme, ou vídeo de Amália lembrou”, escreveu Saraiva no JF em 2012,
acrescentando: “Nem nunca entrou no YouTube.” (agora, apesar da fraca
qualidade, já lá está).
Com
reprodução de muitos recortes, fotografias (há várias de Amália no Fundão, seja a
cantar no casino, a posar numa casa de electrodomésticos ou num carro alegórico
da Festa de Santa Luzia) e três
entrevistas (1987, 1991 e 1992), o livro reúne ainda 22 depoimentos, por
ordem alfabética, assinados por Antonio Saez Delgado, António Valdemar,
Augusto Canário, Caetano Veloso, Camané, Carlos do Carmo, Custódio Castelo,
David Ferreira, Gisela João, José Alberto Sardinha, Manuel Alegre, Manuel
Cargaleiro (numa entrevista conduzida por António Melo), Maria Bethânia, Maria
João Pires, Nadejda Kozlenko, Pedro Abrunhosa, Pierre Léglise-Costa, Roberto
Vecchi, Rui Vieira Nery, Rui Zink, Sérgio Godinho e Vítor Pavão dos Santos. E termina com uma cronologia biográfica e uma
bibliografia seleccionada, com texto introdutório assinado pela directora do
Museu do Fado, Sara Pereira.
Amália, a Raiz e a Voz é mais uma peça a juntar às que têm vindo a
dar alento às celebrações do centenário de Amália. E parece insubstituível no
seu propósito: o de “iluminar com novas luzes a raiz ou raízes que sustentavam
e alimentavam a sua personalidade e o seu canto.”
TÓPICOS
CULTURA- ÍPSILON CENTENÁRIO
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OPINIÃO FADO FUNDÃO JORNAL DO FUNDÃO
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