Em prosa, que seja. Mas o tom
desgostoso, de lamentação profunda - com traços de alguma perfídia a lembrar talvez
um passado comum de causas na aparência perdidas, mas que perduram na estima, de
que outros interesses podem, eventualmente, fazer desviar - lembrou-me esse
género poético, que Samuel Usque praticou em
prosa e outros, como Camões,
esplendidamente em verso. Felizmente que a Internet me auxiliou com o excerto
da elegia (11) que na minha edição da Lírica de Camões aparece com o nº I. É com prazer que transcrevo dela um excerto, como
homenagem às recordações que José
Pacheco Pereira com tanto prazer reescreve, sobre a história do “Avante”, para que prossiga – impante, é certo
- mau grado o conceito camoniano – que, por seu turno o colheu dos clássicos, sobre
a inutilidade das recordações…
Mas não será tão inútil assim, indeed!
«O
Poeta Simónides, falando C’o
capitão Temístocles, um dia, Em cousas de ciência praticando, Üa
arte singular lhe prometia, Que então compunha, com que lhe ensinasse A se lembrar de tudo o que fazia; Onde tão subtis regras lhe mostrasse Que nunca lhe passasse da memória Em
nenhum tempo as cousas que passasse. Bem merecia, certo, fama e glória Quem dava regra contra o esquecimento Que enterra em si qualquer antiga história.
Mas o capitão claro, cujo intento Bem diferente estava, porque havia As passadas lembranças por tormento; - Ó ilustre Simónides! - (dizia) -….Pois
tanto em teu engenho te confias Que mostras à memória nova via, Se me desses üa arte que em meus dias Me não lembrasse nada do passado, Oh!
quanto milhor obra me farias! - ….Se este excelente dito ponderado Fosse
por quem se visse estar ausente, Em longas esperanças degradado, Ah! como bradaria justamente: - Simónides, inventa novas artes; Não meças o passado co presente! Que, se é forçado andar por várias partes Buscando
à vida algum descanso honesto, Que tu, Fortuna injusta, mal repartes; E se
o duro trabalho é manifesto Que por
grave que seja, há-de passar-se Com
animoso espírito e ledo gesto; De que serve às pessoas alembrar-se ….Do que
se passou já, pois tudo passa, Se não
de entristecer-se e magoar-se?........» (LÍRICA
– ELEGIAS: I – LUÍS DE CAMÕES)
OPINIÃO
Imprudência e fúria — a história da Festa do Avante!
em 2020
O que se passa à volta da Festa é um
sinal preocupante da evolução da vida política portuguesa, a caminho de um cada
vez maior radicalismo, no limiar da raiva e da violência. Pensam que é exagero?
Infelizmente é só esperar.
PÚBLICO, 5 de Setembro de 2020
Na altura em que estiverem a ler isto
está em curso a Festa do Avante! entre protestos e congratulações. Houve de tudo. O PCP foi imprudente e depois
arrogante, menosprezou um factor que tinha a obrigação de conhecer muito bem:
em tempos de crise não há nada mais explosivo do que a percepção (e nalguns
casos a verdade) de que há desigualdades de tratamento, filhos e enteados. A Festa
do Avante! foi vista como um caso excepcional
de complacência das autoridades sanitárias, por troca de favores políticos, que
permitiriam ao PCP fazer ajuntamentos, comes e bebes, exposições, concertos,
que estavam proibidos a outros grupos e, em particular, aos profissionais dos
espectáculos e festivais, que passam momentos de grandes dificuldades. Não
é inteiramente verdade, mas tem uma parte suficiente de verdade para gerar um
sentimento de indignação, que depois tem vindo a ser usado politicamente para
atacar o PCP, o governo e as autoridades sanitárias.
Acresce
que há possibilidade de existirem cadeias de transmissão da covid com
origem no ajuntamento da Festa. É um enorme risco para o PCP, que tem
conseguido manter intacta a reputação de ter uma capacidade de organização e
militantes disciplinados, e que foi capaz de organizar eventos como o 1.º de
Maio sem efeitos epidemiológicos conhecidos. Mas gerir uma multidão não é a
mesma coisa, e por muito que o serviço de ordem do PCP seja eficaz, há
perigos reais e uma enorme responsabilidade.
Mas, a fúria actual com a Festa do Avante! é tudo menos inocente. Tem uma
clara motivação política, longe de qualquer preocupação com a pandemia e muito
menos com os trabalhadores dos espectáculos e festivais. Ela insere-se numa clara deslocação para um radicalismo
de direita que se tem vindo a acentuar em
várias áreas da sociedade portuguesa, e de que o Chega é apenas a ala populista mais visível, e as redes
sociais o viveiro do ódio, mas que encontra
expressão numa elite que está órfã do poder, apoiada em think tanks, subsidiados
por grupos empresariais, com um peso crescente na comunicação social. Repetirei de novo que uma parte importante desta
deriva vem da impotência, mas com o tempo essa impotência transforma-se em
raiva. A vida política portuguesa vai ser crescentemente
perigosa, num caminho que encontra em Trump um inspirador não nomeado por vergonha, mas real.
Metem-se
agora com o PCP, porque o PCP está mais fraco e tem-se deixado acantonar e
isolar da opinião pública. Mas a duplicidade é flagrante: nos últimos meses
houve duas manifestações do Chega, uma de um grupo que partilha as teorias
conspirativas contra as máscaras e a distanciação social, duas manifestações
anti-racistas, uma das quais com bastante gente, vários eventos religiosos,
feiras por todo o país, só para referir ajuntamentos legais, e nenhum dos argumentos
usados contra a Festa do Avante! foi usado e, nem de perto nem de longe, a
mesma veemência. Sobra apenas o argumento do número de presentes, que o PCP
anunciou serem à volta de 30.000 e a DGS reduziu para metade.
Encurralado,
o PCP subiu a parada, até porque a Festa do Avante! não é para o partido um
comício, ou uma festa comum, tem um importante elemento identitário e
comunitário. Todos os partidos comunistas tiveram na sua
história uma festa associada com o jornal partidário, seja o L’Humanité, o
Unitá, ou o Mundo Obrero, que faz parte da prática comunista. Não é de facto, como diz o PCP, “uma festa como as
outras”, porque a cultura política comunista tem uma identidade própria, com a
vantagem de permitir sinais de pertença e reconhecimento e a desvantagem da
auto-suficiência e do bunker.
O
papel da Festa na mobilização partidária começa antes, na sua montagem em
grande parte feita por voluntários, que realizam “jornadas de trabalho”, e
depois asseguram a realização do evento, e finalmente nas diferentes excursões
de camionete e de comboio, que asseguravam que os militantes de Trás-os-Montes
se podiam encontrar com os do Alentejo. No recinto são comuns formas de
reconhecimento tribal entre “camaradas”, quer através das bancas de comida,
objectos, artesanato local, quer inclusive com as delegações estrangeiras de
outros partidos comunistas e movimentos revolucionários. A Festa é ao mesmo
tempo provinciana e cosmopolita, e transmite aos que a visitam esse sentimento
de que fazem parte de uma comunidade nacional e de um movimento internacional,
com amigos e inimigos. Se tivermos em conta que muitos dos que a visitam não viajam
facilmente, nem tem condições económicas para conhecer o mundo, isso é um
momento importante nas suas vidas.
O
resto da Festa serve quer o financiamento do partido, quer
uma tentativa de aproximação aos mais jovens pelos espectáculos e alguma
abertura por essa via ao exterior (um
visitante habitual era Marcelo
Rebelo de Sousa…), sobrando
a parte objectivamente menos importante para o interior dos discursos da
rentrée do PCP para marcar o calendário. Este ano, no contexto da actual
situação política, com os apelos do PS a entendimentos, o que lá se disser
pode ser relevante.
Amanhã ver-se-á, e, se tudo correr
bem com a pandemia, o que vai ficar destes dias será a fúria contra a Festa. O
que se passa à volta da Festa é um sinal preocupante da evolução da vida
política portuguesa, a caminho de um cada vez maior radicalismo, no limiar da
raiva e da violência. Pensam que é exagero? Infelizmente é só esperar.
Historiador
TÓPICOS
OPINIÃO PCP FESTA DO AVANTE PORTUGAL QUESTÕES SOCIAIS PARTIDOS E MOVIMENTOS DEMOCRACIA
COMENTÁRIOS
LCinfty
EXPERIENTE: Isto dá para tudo. Qualquer pessoa diz toda e qualquer idiotice.
Um argumento? Uma prova? Nada é preciso. Olhe, eu digo ainda mais, a Festa do
Avante é isto tudo e um enorme mercado tráfico de drogas duras. Nas suas
esplanadas fazem-se negociatas de tráfico de toneladas. E planeiam-se assassinatos
de rivais traficantes. Julio
Santos INICIANTE: Um excelente texto do Pacheco Pereira.
Subscrevo esta análise
João
Castanho EXPERIENTE: Eventos deste tipo não estão proibidos.
Que os capitalistas da Vodafone, da Meo ou da Super Bock tenham optado por não
fazer festival este ano é compreensível, dado que os seus eventos não são por
amor à camisola nem à música mas sim para vender a marca, fazer e até quem sabe
lavar dinheiro. Existem inúmeros espectáculos a decorrer em Portugal além dos
locais à pinha como comboios, metros, autocarros, praias. Só para termos uma
ideia da discriminação de que está a ser alvo o Avante, no palco 25 de Abril
(18mil m2) serão permitidas 2mil pessoas, o mesmo número de pessoas que esteve
no Campo Pequeno (12502) para ver Bruno Nogueira. A capacidade do Avante é de
100 mil pessoas e foram permitidas apenas até 16mil. O autódromo do Algarve tem
capacidade igual e foram vendidos já 28mil bilhetes.
Gonçalo
Simões EXPERIENTE: Se calhar o meu caro nunca foi a um
autódromo. Não há qualquer comparação possível JLourenço
INICIANTE: O
Avante este ano deveria ter ocorrido em moldes mais simbólicos. Dito isto, é
inquestionável o aproveitamento hipócrita que fizeram desta questão dirigentes
e militantes como os do Chega. Dedicam-se a disseminar nas redes sociais, à boa
maneira dos populistas trumpistas e bolsonaristas, as mais estapafúrdias
teorias da conspiração sobre a pandemia, pregam entre outras coisas a inutilidade
do uso de máscaras, ridicularizam as medidas de prevenção. Em consonância, é só
olhar para as imagens que circulam das jantaradas do Chega pelo país fora.
Estes mesmos adeptos
da teoria do covid como embuste, têm depois o desplante de alegar as maiores
preocupações de saúde pública com a festa do Avante, quando é claro que se
trata unicamente de um ataque político concertado contra o PCP.
balabangbang
INICIANTE: Infelizmente,
hoje em dia, tudo é ou extrema direita ou extrema esquerda. Somos todos
fascistas ou maoístas ... Há aproveitamento, e esvaziamento, de muitas questões
que mereciam um olhar e discussão mais sérios. A sociedade Portuguesa merece
melhor. Não saímos disto. A credibilidade escasseia ... Kaput veloz333
EXPERIENTE: O
que eu acho é que nesta questão da festa os comunistas estão a provar do seu
próprio veneno. Quando estes criticam, se manifestam ou atacam outros, é a
liberdade democracia etc...a funcionar, quando são os outros a criticar o PCP
são logo apelidados de antidemocráticos fascistas nazis e outros mimos.
TML
INICIANTE: em
primeiro lugar, raramente vê o PCP a atacar assuntos deste género, e gostava
que me desse exemplos. Em segundo, não estamos a falar de mera crítica, que até
houve à esquerda. Estamos a falar de propaganda político-mediática. Há meses
que as notícias sobre o avante são quase diárias, e que este foi eleito como
único assunto importante, tanto pelos media como pela direita e até centro.
Houve uma série de fake news, tanto nas redes sociais como inclusive nos
jornais. É uma campanha enorme de difamação. É difícil não ver isso. É
perfeitamente legítima a crítica, mas uma campanha deste género é completamente
abjecta - e mostra quem é o sistema.
lgxd78 INICIANTE: muito bom texto, moderado e claro, é o que é preciso
nestes tempos de histeria partidária, só se inflama quem tem gosto pelos
conflitos rosab
EXPERIENTE:Há
o "quero, posso, mando" sub-reptício exercido todos os dias, há o
"quero, posso, mando" gritado de bate pé no chão, ocasionalmente. É
este que dá nas vistas, provocando ódios insanes, enquanto que o outro, o
diário, murmurado entre "reposteiros" e aplicado recorrentemente,
deixa-nos meio dopados pelo hábito. Não aplaudo nem um nem outro. Mas
revolto-me e muito, contra quem vai, escudado pelo poder, impondo tantas vezes
à socapa e manhosamente, o seu "quero, posso, mando". Jose
EXPERIENTE: Não
é contra a festa do avante que os opinadores cospem fogo em todos os media. É
contra a liberdade, a democracia, a paz, a soberania, o sindicalismo, a
verdade, a civilidade, a lei e a ordem estabelecida. Desde o Presidente da
República à organização local do PS, todos, com destaque para Rui Rio, se
comportaram como Trump. Mentira, calúnia, difamação, chantagem, insulto soez...
há de tudo na campanha contra as liberdades democráticas, contra as leis em
vigor, contra o PCP, contra a liberdade de reunião, associação, manifestação e
acção política. Não vale evocar o seu ex-companheiro no PSD, André, para descarregar
a pulhice dos dirigentes políticos de toda a direita. Não! A direita
portuguesa, incluindo parte do PS mostrou uma vez mais que não é democrática,
mas totalitária, revanchista.
cidadania
123INICIANTE: Caro Jose, a realização da festa do avante foi ela sim
um acto de teimosia, de afrontar da lei e ordem estabelecida por motivo da
pandemia, de forçar excepções, de desprezo pela saúde dos militantes, meros peões
do superior interesse do partido. Se é verdade que muitos atacaram a festa do
avante apenas para marcar politicamente o pcp, considero errado que se pense o
mesmo dos portugueses, que não sendo militantes, até teriam alguma simpatia
pelo pcp, e agora ficaram desiludidos.
Manuel
Figueira INICIANTE: Grande análise. Mas a chave está aqui: «O PCP foi
imprudente e depois arrogante, menosprezou um factor que tinha a obrigação de
conhecer muito bem: em tempos de crise não há nada mais explosivo do que a
percepção (e nalguns casos a verdade) de que há desigualdades de tratamento,
filhos e enteados». Quem não perceber isto não percebe nada.
veloz333
EXPERIENTE: Há
muito ódio dissimulado neste seu comentário. Só vocês comunistas ainda não
perceberam que não têm lugar em países desenvolvidos e democráticos, são tudo o
que de mau tentam projectar nos outros, ao rotular todos os outros partidos de
fascistas, também dá para ver a vossa obsessão por regimes de partido único.
Fundo
do Mar INICIANTE: Essa liberdade, democracia e paz de que fala só não foi
posta em prática dentro do próprio partido, com calúnias e intolerância contra
os militantes que se opuseram à realização da festa este ano, nomeadamente os
mais idosos, que foram também os que viveram a opressão da ditadura. A velha
máxima: se não estás comigo estás contra mim. Bem própria da autocracia,
diga-se.
Nenhum comentário:
Postar um comentário