A girar ininterruptamente com o mesmo som… E ninguém
que o tire do prato…
OPINIÃO Justiça
e corrupção
Não se pode dizer que a corrupção
tenha chegado finalmente à justiça. Há já muito que por lá andava. Só que não
se sabia muito bem. Nem se acusava. Nem se detectava. E muitos se defendiam com
unhas e ameaças.
ANTÓNIO
BARRETO PÚBLICO, 27 de Setembro
de 2020
Um primeiro-ministro, um punhado de
ministros, diversos secretários de Estado, vários directores-gerais, numerosos
membros de gabinetes, múltiplos gestores, muitos banqueiros, directores
bancários sem fim, juízes, procuradores, presidentes da Relação,
desembargadores, advogados, professores de Direito, deputados, presidentes de
câmara, vereadores, dirigentes de partidos nacionais e locais, chefes da
polícia e oficiais das Forças Armadas: há de tudo entre notoriamente suspeitos,
investigados, sob inquérito, em curso de instrução, arguidos, à espera de
julgamento, condenados, à espera de recurso, a cumprir pena, presos e em
detenção domiciliária! O elenco dos suspeitos de corrupção
é uma lista de celebridades.
Não
há paralelo na história do país. E parece haver poucos casos semelhantes, se é
que existe algum, na história recente da Europa…
Que pensa quem olha para este
inventário? Ou antes: que pensam as autoridades competentes? Os Presidentes da República e da Assembleia, o
primeiro-ministro, os ministros, os secretários de Estado, os
directores-gerais, os deputados, os presidentes de câmara, os dirigentes
partidários, os juízes, os procuradores e os magistrados dos Tribunais de
Contas, Constitucional, Supremo de Justiça e Supremo Administrativo? Que está
tudo bem? Que está tudo mal, mas não se pode fazer nada? Que é o que deve ser,
que a democracia e a humanidade não são perfeitas? Ninguém sabe a resposta
exacta. Só se
conhece o silêncio incomodado. Mas há uma certeza: os principais responsáveis pela política e pela
justiça querem que as coisas fiquem como estão, pois é o que lhes interessa e
dá vantagens. Se assim não fosse, já teríamos tido notícia de mais acção, mais
julgamentos, mais medidas práticas, mais condenações, mais legislação punitiva
e mais legislação eficaz anticorrupção. Em vez disso, parece termos um
Parlamento que receia a justiça e se abstém. Deputados
que têm medo dos juízes. Um Governo que administra e trata das contas. Uns
conselhos superiores que zelam para que não haja ondas. Uns poderosos das
empresas que navegam e aproveitam. Uns vigorosos escritórios de advogados
influentes que estão organizados para este sistema e preferem o que conhecem.
Uns sindicatos que se limitam à sua esfera corporativa. E polícias sem meios
nem peritos.
Excepção
deverá ser feita para a ministra da Justiça, que coordena ou orienta uma“Estratégia Nacional de Combate à Corrupção –
2020-2024”. É seguramente a mais consequente acção das autoridades
neste domínio. O seu principal
documento é com certeza o mais sério trabalho sobre o assunto, com relevo para
as questões jurídicas e de prevenção. Mas sofre do facto de não se tratar
de entidade independente, de se ficar excessivamente pela abstracção e de
passar obrigatoriamente ao lado da questão crítica: a ligação entre a
corrupção, por um lado, e a política, o dinheiro e a justiça, por outro. Também
as principais “linhas vermelhas” actuais não estão explicitamente mencionadas:
a ligação entre o Governo, os partidos, os fundos europeus, as obras públicas e
o futebol. Finalmente, a questão da “confiança política” e das consequentes
nomeações: disfarçada de legal e legítima, é a mais traiçoeira arma da
corrupção.
Não
tenhamos ilusões: só temos esta justiça complicada, conflituosa e ineficaz
porque a maior parte das pessoas o quer. Se os
processos são eternos, os prazos loucos, as sentenças disparatadas e se o
sistema favorece os ricos e os políticos, é porque a maioria se resigna e assim
querem os que podem. Este
sistema de fugas de informação e de violação sistemática do segredo de justiça
sobrevive porque há juízes, procuradores e advogados que o querem e desejam. Se
os magistrados continuam a mudar de emprego, a usar a porta giratória de ida e
volta, a passar da justiça aos negócios ou à política, é porque se aceita ou
cala e porque muitos querem. É necessário um acordo fundamental entre órgãos de
soberania, partidos políticos, instituições judiciárias, magistraturas,
sindicatos e associações de profissionais para que este estado de coisas se
mantenha.
O que se vê e o que se passa é
simplesmente desesperante. E não se pense que “eles” não vêem ou não percebem.
Vêem e percebem muito bem. Bem de mais.
Na imaginação e na tradição, a
Justiça sempre foi a última fronteira, a primeira esperança e o melhor
dissuasor. Agora, a Justiça é também a primeira culpada, um dos protagonistas e
um dos principais culpados. Há juízes honestos, não tenho dúvidas. Há
procuradores honrados, não esqueço. Também há governantes e deputados
inocentes, acredito. Tenho a
certeza de que existem altos funcionários sérios e competentes. Creio que
existem banqueiros austeros e bancários cumpridores. Sei que existem polícias
íntegros e eficientes. Mas, enquanto não se virem livres dos
prevaricadores, todos estes corpos de responsáveis, de autoridades e de
profissões estão hoje também do lado dos culpados e dos adversários da justiça
e da liberdade. Não se pode dizer que a
corrupção tenha chegado finalmente à justiça. Há já muito que por lá
andava. Só que não se sabia muito bem. Nem se acusava. Nem se detectava. E
muitos se defendiam com unhas e ameaças. Com estes casos recentes, ao mais alto
nível, ficámos a saber que os demónios também residem no céu. Começa a ganhar
sentido a suspeita de ligações especiais entre magistrados, procuradores e
políticos. Começa a perceber-se melhor o significado do linguajar judiciário,
obra-prima do hermetismo medieval.
A maneira de falar e de escrever de
um jurista, sobretudo de um juiz e de um procurador, é fonte de pessimismo e de
descrença! Quem fala assim, quem escreve assim, quem assina sentenças de
dezenas ou centenas de páginas não merece ser ouvido nem lido, não merece
sequer exercer uma nobre profissão para a qual se exige clareza, simplicidade,
força de carácter e verticalidade. As sentenças formais e obscuras são a
tradução exacta de falta de capacidade de julgar e de liberdade de espírito no
respeito pela lei. Mas também de indiferença perante os cidadãos, aqueles a
quem as suas sentenças se deveriam dirigir. Esta justiça incompreensível é
garantia de opacidade. Ou um estímulo à injustiça. Sabemos que, nos melhores dias, é a gratidão pela
justiça feita que nos inspira. E, nos piores, é o pedido de socorro à justiça a
fazer que nos move. Era bom que os nossos representantes o soubessem. E que os nossos
concidadãos o sentissem.
Sociólogo
TÓPICOS
CORRUPÇÃO JUSTIÇA GOVERNO JUÍZES TRIBUNAIS ESTADO OPINIÃO COMENTÁRIOS
COMENTÁRIOS:
Jose EXPERIENTE: A corrupção
acompanha a humanidade desde sempre e é parasita da democracia desde
Aristóteles que se esforçou, sem êxito, para a reduzir ou evitar. Os populista
histéricos povoam com estridência o espaço público erguendo a bandeira da
corrupção e reclamando um lugar à mesa do orçamento onde se fazem e medram os
corruptos. Caro António Barreto não precisa de chorar lágrimas de crocodilo por
ver os seus amigos e correligionários, de quem recebeu mais que medalhas e
honrarias, serem confrontados pela Justiça onde também estão só amigos seus e
dos indiciados. Temperamento na exaltação. Afinal os populistas já têm o apoio
da sua amiga Fátima Bonifácio e seus admiradores Tavares, Carvalhos. Quanto
vale a corrupção em comparação com a economia informal? A fuga de capitais? A
perda da soberania? 27.09.2020
Fowler Fowler INICIANTE: Vamos lá a saber:
Os casos de corrupção vindos a público reflectem o nível geral da corrupção na
sociedade portuguesa ou, simplesmente, representam desvios isolados de
funcionários em estruturas cuja gestão pode, ou não, favorecer a corrupção?
Uma sociedade
moderna espera ter uma Justiça íntegra e não tolera a ilegalidade e a
corrupção. Porém, a mentalidade política da “cunha”, do “favor” e da “gratidão”
desenvolvida no Estado Novo, no qual a corrupção era endémica e só não se
falava dela porque o uso da palavra “corrupção” era proibida e censurada em
todos os órgãos de comunicação social, ainda se observam resquícios em casos de
desvio individual, nos Tribunais e noutros órgãos de soberania, parecendo denunciar
o subdesenvolvimento que se nos colou à pele. Resta, em democracia, com
transparência, continuar a apostar na educação dos jovens e na difusão dos
valores de cidadania, denunciando e combatendo esquemas corruptos, os quais,
apesar do pessimismo moralista do articulista, não representam um padrão de
conduta no Estado.
ernestocarneiro.883138 INICIANTE: O que se vê e o
que se passa é simplesmente desesperante. E não se pense que “eles” não vêem ou
não percebem. Vêem e percebem muito bem. Bem de mais. Ou, como na canção
"Os Vampiros" de Jeca Afonso "Eles comem tudo e não deixam
nada"... José Carvalho EXPERIENTE: Engraçado!
Enquanto lia o artigo, um nome me ocorria: Ana Gomes. pedrogouveiamagalhaes.895513 INICIANTE: Dá a impressão
que os portugueses gostam dos corruptos!... A justiça de hoje serve a
manutenção do status quo; há decisões que dão a ideia de incompetência para
julgar, mas não é... Enquanto a democracia fenece a direita sobe, sobe sobe, em
toda a parte. Quem se põe a jeito??? Jonas Almeida MODERADOR : Ou é um mau
sistema ou as pessoas são de uma estirpe degenerada. A escolha da segunda
hipótese identifica o fascio eugénio dos que procuram desculpas para a punição
colectiva; a da primeira identifica a estatística que razoavelmente concluí que
com estes números é uma característica deste regime político e socioeconómico.
Há duas décadas que seguimos por esta via. 27.09.2020 Duarte Cabral EXPERIENTE: Jonas, mesmo
outro regime político como suíço, sem educação cívica não resultaria. Dê uma
olha-da no programa escolar obrigatório suíço de cidadania (no meu comentário
em baixo), irá perceber muita coisa. Olhada, e não olhada. 27.09.2020
Jonas Almeida MODERADOR: O que percebo,
caro Duarte, é que quer condicionar a consulta democrática a mais uma coisa sem
a qual a vontade do cidadão não conta. Eu acho que tem a história da
confederação helvética (e da cidadania em democracia) exactamente ao contrário
- a formação para a cidadania aparece depois da cidadania ela própria emergir
com a deliberação referendável. O que temos hoje é a intermediação obrigatória
por uma elite política abertamente corrompida. É a essa malta que quer agora
entregar a definição de cidadania? 27.09.2020 DCM EXPERIENTE: Muito bem António
Barreto .
Jonas Almeida MODERADOR: "Que pensa quem olha para
este inventário?" - já que pergunta :-), penso que quando se deixou de
fazer essa pergunta - "o que pensam as pessoas" - esta corrupção
deslavada do aparelho do estado era uma certeza matemática. Quando as elites
políticas portuguesas, sem consulta directa dos cidadãos, tornaram o país numa
roça do ordoliberalismo europeista, era mais do que óbvio que reservavam para
si ser o cacique da coisa. Os caciques em geral, e mais ainda em protectorados
coloniais, dedicam-se à corrupção. É assim em toda a parte, é mesmo essa a
ideia. Quando diz que não há memória de uma coisa destas na nossa história,
está a deixar de fora as histórias dos que nós colonizámos. Também eles
passaram por essa fase de corrupção extrema antes de agarrarem a
autodeterminação com ambas as mãos.
Esta relação
entre a corrupção da autodeterminação democrática e a corrupção de tudo o resto
devia ser particularmente clara para António Barreto num dia como o de hoje.
Afinal foi na Suíça que António Barreto se formou e trabalhou, que hoje há mais
um dos frequentes e repetidos referendos com que os suíços mantêm o seu governo
na ordem, bem limpinho. DCM EXPERIENTE: Se não fosse a UE estaríamos bem
pior Jonas . Jonas Almeida MODERADOR: DCM, é essa, literalmente, a
explicação que dão os corrompidos. A filosofia do abuso doméstico. cisteina EXPERIENTE: De facto, neste texto exemplar
está aqui tudo. Como sair daqui, é a pergunta. O caso da Operação Lex pode - a
ver vamos -, dar-nos alento, ter chegado até aqui, com a virtude e o empenho de
Maria José Morgado, uma das magistradas que nos honra e a Nação e tanto tem
denunciado, faz com que possamos ter esperança. Se assim não for, comparando a
História e, à nossa dimensão, o que é a Europa e, claro, Portugal, teremos que
aceitar que estamos no fim de mais uma civilização, foi assim que começou a
cair e desfazer-se grande o império romano, a quem devemos o que somos, no meio
de tanta podridão, vícios e corrupção. Logo a seguir chegaram os bárbaros, Roma
foi saqueada e trucidada, todos perderam, ricos e pobres há 1.500 anos José Cruz Magalhaes MODERADOR: É difícil percepcionar a
extensão dos danos e os limites de constrangimentos sociais, como a corrupção,
a violência de todo e qualquer tipo e o sentimento de impunidade e desconfiança
com que grande parte dos cidadãos encara as instituições, os governos, os
partidos e os próprios órgãos associativos e representativos, sem apontar a
progressiva despromoção da Ética, como fundamento primordial do relacionamento
social e humano. Num tempo em que o confronto se sobrepõe à cooperação, a
exaltação da mentira como arma e objecto de domínio e poder e o desprezo ou
alheamento de tudo que não satisfaça as necessidades de egos dilatados, não
causa admiração o espectáculo degradante da falência e descrédito que pretensas
elites proporcionam a todo um país. A reeducação pela cidadania é um imperativo
imediato. 27.09.2020 Macuti EXPERIENTE: Muito bem Antonio Barreto! Um diagnóstico perfeito da
(in) justiça portuguesa. O presidente da república, professor de direito, não tem
feito nada para alterar esta desesperante situação, penosa para o erário
público, que afecta toda a sociedade e que põe em causa a democracia. Pior,
sempre que há uma acusação, não se coíbe de afirmar que o sistema está a
funcionar, sabendo ele, melhor que ninguém, que o que (não) acontece a seguir
prova o contrário. E depois há a uma mentalidade permissiva , que elege
corruptos , que coabita bem com esta desgraça nacional. 27.09.2020 GMAINICIANTE: Quando vemos as ruas da Cidade sujas de beatas, de
máscaras e desatamos a vociferar contra o Presidente da Câmara; quando em
matérias de corrupção e de (in)decência alinhamos no maniqueísmo do «nós, o
povo desprezado-eles, os corruptos» estamos a seguir a via fácil da
simplificação em que se ancora o ovo da serpente do populismo. E estamos, mais
grave, a atirar ao lado; a culpa das ruas sujas é a imbecilidade dos que atiram
o lixo para o espaço público, não é o PCML; os culpado pelos diferentes poderes
que regulam as Sociedades Democráticas e do Estado de Direito são os activistas
das redes sociais, os cruzados do justicialismo que acham que "não vale a
pena votar"! Temos que entender; queremos a complexidade natural do modelo
representativo ou a simplificação modelo autoritário? Duarte Cabral EXPERIENTE: Alterar o que descreve só é
possível com outros indivíduos, outra sociedade: Educação e Cidadania. Tomemos
como exemplo o país com a melhor organização social/politica, a Suíça. googlar:
plandetudes.ch/web/guest/citoyennete 27.09.2020 cidadania 123 INICIANTE: Muitos lugares comuns, muitas generalizações, mas
concordo no geral com a análise. Resumido, a mudança de um sistema em que todos
beneficiam dele, em que só se sobrevive jogam pelas suas regras, é muito
difícil. Realço que é efectivamente um dos nossos problemas mais graves: a
lentidão e obscurantismo da nossa justiça, mas também o nojento jogo da
manipulação da comunicação social com fugas de informação seleccionadas, que
são o contrário da justiça... 27.09.2020 cisteina EXPERIENTE: Mas isso é o pior, o que mais
nos desalenta, termos chegado a "muitos lugares comuns e muitas
generalizações", como refere, sem que nada se tenha alterado. Será desta? DemocrataXXI EXPERIENTE: Inteiramente de acordo.. Enquanto não houver vontade
política e o poder judicial, acima dele, só tiver Deus, a corrupção vai estar
entre nós. Que o tema da corrupção, está intimamente ligado à sobrevivência da
democracia, está. Que a nível nacional estamos a assistir a um confronto
eleitoral, onde o tema central é esse mesmo, estamos. Mario Coimbra EXPERIENTE: Concordo a 100%. Cabe ao PS e
PSD ou vice versa de resolverem isto, senão só vamos ter Bloco e Chega no
futuro. E que péssimo futuro será esse. Jonas Almeida MODERADOR: Só depende dos ladrões tornarem-se melhores polícias?...............
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