quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Também Gil Vicente


Nos presenteou com a sua “Floresta de Enganos”, de burladores burlados, sua peça final, - e a própria Inês Pereira, burlada antes pelo mavioso escudeiro Brás da Mata, seu primeiro marido, enganará o segundo, o pacóvio e bem-intencionado Pero Marques, em avançados jeitos feministas. De resto, o engano é coisa clássica, não nos condenemos assim tanto, já aqui foi referida a farsa francesa medieval de “Maître Pathelin” onde advogado e comerciante rivalizam na esperteza enganadora, superados pelo caricato pastor que responde apenas com o seu “mé”. Lembro também o Don Juan Tenório, El Burlador de Sevilla, perito nas suas falsidades amorosas… Que pode um primeiro ministro e os seus esquemas de subserviência ambiciosa, contra os LFVs da nossa praça, onde o futebol se reclama de um dos três FFF da nossa construção social, económica e mental? Nada a fazer, temos os nossos “més” qb…

OPINIÃO: A lista de Vieira: da tragédia à farsa em cinco dias

Os titulares de cargos públicos querem honrar Vieira, mas  é Vieira a tirá-los da lista como se eles fossem desonrosos. É o mundo ao contrário!

RUI TAVARES PÚBLICO, 18 de Setembro de 2020

Eu sei que é suposto a História dar-se primeiro como tragédia e repetir-se depois como farsa, mas que diabo, ninguém me tinha dito que seria tão rápido. Na segunda-feira caprichei a escrever sobre a inclusão de António Costa na lista da Comissão de Honra de Luís Filipe Vieira como tragédia shakespeariana, com punhaladas e discursos grandiloquentes, e eis que cinco dias volvidos tudo se desfaz em farsa, com Luís Filipe Vieira a tirar inopinadamente da sua lista não só António Costa como os políticos que o tinham decidido honrar.

A tentação seria repetir também a dose, e em vez da tragédia chamada Júlio César, que me serviu de mote na segunda, optar agora por uma farsa, talvez Comédia de Enganos. Mas não vale a pena. Não há nada de mais elaborado a dizer sobre esta reviravolta da história do que notar que a emenda conseguiu ficar ainda pior do que o soneto. Ou seja, os titulares de cargos públicos querem honrar Vieira, mas é Vieira a tirá-los da lista como se eles fossem desonrosos. É o mundo ao contrário!

Tendo em conta o coro de críticas à mistura da política com o futebol num tempo em que sobre Luís Filipe Vieira impendem suspeitas de interferência com a justiça, o que se esperaria seria uma de duas coisas. Ou António Costa (porque é principalmente dele que se trata, enquanto chefe do poder executivo) mantinha a sua posição de que estar naquela lista fazia parte de uma parte da sua vida enquanto adepto de futebol que é absolutamente irrelevante para a política, pese embora a contradição aparente com o dever de reserva que ele recomenda aos ministros. Ou então António Costa tomaria em conta as críticas que lhe foram feitas e, dando-lhes razão no fundo ou aceitando os seus argumentos na forma, diria que tinha decidido retirar o seu nome da lista.

O que acabou por acontecer, não sendo nenhuma dessas duas opções, pode parecer à primeira vista ter isentado o primeiro-ministro de ter de fazer uma escolha, ainda para mais quando o Presidente da República já tinha anunciado que este seria um tema da conversa semanal entre ambos. O assunto parece assim encerrado, mas a verdade é que deixa um gosto amargo, porque é precisamente ao primeiro-ministro que compete tomar este tipo de escolhas, para o bem e para o mal.

Ao retirar com pouca cerimónia os titulares de cargos públicos da sua lista de honra, Vieira acaba por reforçar a ideia de que é o futebol que manda nisto tudo e que são os presidentes de clube os únicos a poderem verdadeiramente tomar decisões, nos tempos que correm, sem temerem consequências por parte da opinião pública. Mesmo aí, Vieira teria podido tomar uma atitude mais cívica, e humilde, declarando publicamente que lamentava a situação criada e que embora agradecesse a disponibilidade dos titulares de cargos públicos em causa, os desejava dispensar do compromisso que eles tinham assumido.

Mas as boas maneiras parecem não fazer parte do acervo do presidente de clube de futebol. E foi assim que, tratando o chefe de governo como um daqueles treinadores a quem se dá uma chicotada psicológica dias depois de se lhe ter demonstrado confiança, Vieira acabou por pôr e dispor das pessoas que o tinham querido honrar com os seus nomes.

Se este episódio já revelava uma estranha ausência do mais simples tacto político, agora ele acaba por ilustrar uma problemática incompreensão dos valores republicanos. Não é, nunca por nunca ser, um presidente de clube de futebol que “despede” um primeiro-ministro, nem que seja da sua comissão de honra.

Se António Costa foi surpreendido por esta decisão de Vieira, é mau. Se de alguma forma sabia dela antes, é pior, porque nesse caso teria aceitado esta menorização do cargo que representa. Prefiro então pensar que tenha sido exclusivamente Luís Filipe Vieira a tratar os seus apoiantes como objectos, assim como trata jogadores de futebol ou treinadores ou, quem sabe, juízes. Mas mesmo assim isso diz muito sobre o tipo de figuras deste mundo do futebol que as pessoas que faziam e fazem parte da comissão de honra dele estão a honrar com os seus nomes. Eles emprestaram-lhe honra, ele retirou-lhes dignidade.

Para onde quer que nos viremos, tudo isto é triste, tudo isto existe, mas tudo isto é mais do que fado — ou futebol. Para um país, ser farsa não deixa de ser também trágico à sua maneira.

Historiador; fundador do Livre

TÓPICOS

ANTÓNIO COSTA  LUÍS FILIPE VIEIRA  FERNANDO MEDINA  FUTEBOL  JUSTIÇA  SL BENFICA  OPINIÃO

COMENTÁRIOS:

rosab EXPERIENTE: Esta gente pode encher-se de "adereços" tais como belos carros, casas fantásticas, roupa da melhor qualidade e marca, tudo para exibir cá para fora, mas não resulta. A meia-tigelice salta não para a mesa do chic restaurante onde julgam ter direitos, mas sim para o chão da taberna de onde nunca conseguiram sair. É aí que jogam como sabem, arrotando com forte ruído o que julgam ser "orientação para pacóvio", mas que depois de abanado e disperso no ar, o "pacóvio" dá-se conta de que não passou de um...pum! Em pino!

Maria Odete Vilas Coutinho MODERADOR: Este é aquele típico caso em que a emenda é, de longe, muito pior do que o soneto; agora é que piorar é impossível!!    Pedro de Souza INICIANTE: O mais inusitado nessa história é a presença da palavra HONRA, que é um termo completamente vetusto. 18.09.2020

DCM EXPERIENTE: São imensas as tragédias causadas pela presente pandemia uma delas é a degradação do estado de saúde mental de grande parte da população que tem grande dificuldade em entender e aceitar que, apesar dos seus dramas, falta de dinheiro para máscaras ou até para comer, haja outros, cada vez em maior número, que continuem a agir como se vivêssemos no melhor dos mundos como por exemplo, gastar imensas fortunas em armamento cada vez mais sofisticado ou até para comprar os mais caros jogadores de futebol .

José Cruz Magalhaes MODERADOR: O dirigismo desportivo não se pauta por critérios de honra, urbanidade ou lisura de comportamentos. É um meio serôdio e promíscuo, em que vale enlamear tudo e todos, em prol de sucessos pessoais e clubísticos. Se António Costa o ignorava, é uma boa ocasião para aprender. 18.09.2020

joorge EXPERIENTE: Todos a serem gozados pelo Vieira e pelo Costa, mas completamente gozados, e escrevem, escrevem, batem no peito, arrancam cabelos. Eles gritam muito alto “vergonha, calamidade, horror, desgraça “ e a maior parte das gentes acompanha o Vieira e o Costa na gargalhada. Isto é circo. 18.09.2020

Bárbara Oliveira INICIANTE: Andamos a ser completamente gozados pelo Vieira, pelo Costa e, pelos vistos, pelo joorge e ainda, de acordo consigo, pela maior parte das gentes. Mas nós já desconfiávamos... 18.09.2020

Parece-me evidente que António Costa (AC) foi previamente informado, por Luís Filipe Vieira (LFV), da sua exclusão da Comissão de Honra (CH). Se fosse conspiracionistas, diria até que essa decisão foi concertada entre ambos ou, inclusivamente, solicitada pelo primeiro-ministro como uma tentativa de sair de mansinho, sem, mais uma vez, ter de assumir publicamente que errou e pedir desculpas por isso (até porque é duvidoso que AC, ainda hoje, perceba o seu erro de fundo, estando apenas atrapalhado com a dimensão mediática que o caso assumiu). Ainda assim, AC foi menorizado pelo presidente do Benfica, em dois momentos, que o usou, a seu bel-prazer. O AC primeiro-ministro, com outros titulares de cargos públicos, foi despedido por LFV; mas, pergunto, o AC cidadão, continua na dita CH? 18.09.2020

acandrade INICIANTE: Magnífico! R. Tavares no seu melhor. LFV "usou" o PM de Portugal e o Pres. da principal Câmara do país, para fins eleitoralistas. Se ver deputados da República, mesurosos e servis, à volta de LFV já é deprimente, agora foi bem mais grave. Para culminar e como a coisa se complicou, foram todos "chicoteados", como se fossem uma qualquer equipa técnica. Humilhante sem dúvida. Perante a situação pandémica que vivemos, como foi possível o PM, deixar-se arrastar para o mundo do futebol?! Ainda por cima por um LVF, a contas (e que contas!) com a justiça? O Pres. do glorioso Benfica não pode ser "isto"! 18.09.2020

DemocrataXXI EXPERIENTE: Encomenda ou rasteira ? A humilhação pública deste script, a partir do dia em que o PR e Ana Gomes abriram a boca, estava garantida. Que saídas restavam a Costa? Teve de escolher entre uma humilhante e insuportável mea culpa pública, ou o endosso do trabalho a LFV. Na escolha que fez, Costa só se esqueceu de dar umas dicas sobre retórica a usar por a LFV, e na saída, tal como na entrada nesta história, o tiro saiu-lhe pela culatra. 18.09.2020

JORGE COSTA EXPERIENTE: Além de termos um primeiro-ministro inábil, sabemos agora que temos um novo DDT, o não menos mediático Luís Filipe Vieira. Vivo num País disfuncional, onde quem deveria governar não só é inapto como também é inepto para o desempenho do cargo. Todos os dias temos histórias novas... Vergonha!....

JDF INFLUENTE: Há várias famílias mafiosas em Portugal... não queiramos fazer do vieira o que ele não é: o único padrinho! 18.09.2020

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