Os grandes ledores, como Pessoa, tratam
de ironizar, sabendo que as suas sentenças, ousadamente desvirtuadoras do que
ele próprio não deseja para si – ou seja, a ignorância que jamais se poderá
atribuir-lhe, genial que foi, arrebatarão de riso os que nele aprendem, não
querendo desmistificar o intuito sarcástico, e que até se servem do enunciado
em proveito próprio, como meio de atenuar a sua inapetência da leitura. É pena,
no nosso caso, de povo de ilustração muito atenuada, pontuado, é certo, aqui e
além, por espíritos proeminentes.
José Esteves Cardoso, com
simplicidade, sem pretensões literárias e nem sequer de ironia – porque a
seriedade preside, vai exortando para a necessidade e o prazer da leitura.
Assim o quisessem escutar os políticos a quem se dirige, e todos nós, afinal,
os que nem sempre estamos para aí virados, ou, sobretudo, os do nunca, que
hoje, com as distracções genéricas de que a tecnologia também é responsável,
vão perdendo esses hábitos de leitura tão aprazíveis e formadores do espírito e
do carácter.
1 - CRÓNICA: Ler é ser livre
Se quer saber o que a classe política pensa dos livros
veja o que fazem pelos livros. Não admira. Não lêem e não gostam que se leia.
JOSÉ ESTEVES
CARDOSO
PÚBLICO, 8 de Setembro de 2020
Que
bom seria se a classe política portuguesa tivesse de ler um livro por mês.
É pouco? São onze por ano – no mês de férias poderiam voltar à dieta normal de
redes, televisão e jornais.
Poderia
ser qualquer livro. Nem sequer teriam de justificar a escolha. Apenas teriam de
falar do que tinham aprendido (ou não) com ele.
Far-lhes-ia
bem poder embirrar com um livro e deixarem-se exasperar por outro, para que os
elogios que fizessem aos livros dos quais não convém dizer mal soassem mais
sinceros.
Os
políticos precisam de intervalos e de abstracções, de coisas que não se possam
imediatamente aplicar ou converter em dividendos. Os livros fornecem esse
vagar, essa distracção, essa liberdade, essa desprisão do aqui e do agora.
Dir-me-ão
que não podem ler tantos livros, que ficam doentes só de pensar nisso. Estas
pessoas, aliás, denunciam-se sempre. Dizem que não têm tempo para ler, sendo
“tempo” a palavra que usam para encobrir a falta de vontade. Neste sentido têm
muito jeito para arranjar coisas para fazer que não lhes deixem tempo para ler.
Para
ler como deve ser não pode haver pressão. É por isso que, quando lêem um livro,
lêem todos o mesmo. Isso não é ler: é preparar. Lêem para debater, lêem para
não serem apanhados em falso, lêem para que não se pense que não estão a par.
Se
quer saber o que a classe política pensa dos livros veja o que fazem pelos
livros. Não admira. Não lêem e não gostam que se leia.
Se
cada um lesse onze livros por ano talvez fossem mais ajuizados e mais amigos
uns dos outros – e dos livros.
Colunista
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COMENTÁRIOS
Teodorico02 INICIANTE: Obrigado! Quem lê
não pode sequer dizer que o faz: é ofensivo, soa mal. A reacção da maioria das
pessoas quando se lê em vez de uma conversa é julgar-se inferiorizada,
renegada. Essas pessoas não concebem que é até um elogio o querer ler ao seu
lado. Não lhes ocorre que a leitura não é um sacrifício, um esforço, uma coisa
que "tem de ser". O tempo de leitura é para esses uma ave rara. Dizem
que não o têm, mas abrem uma excepção, de vez em quando - muito contra a sua
vontade -, para lerem não o que querem mas o que fica bem, o que é mesmo
preciso (Os Maias, por exemplo). Sentem (como disse o Miguel e bem, doutra
maneira) uma necessidade intensa de pôr também eles um rótulo onde fica bem
pôr, de estar a par. Nunca rotulam bem um bom livro que são incapazes de ler.
Sofrem com isso, alguns.
Manuel Ribeiro INICIANTE: Cada português
compra, em média, 1,3 livros por ano. As bibliotecas devem estar sempre cheias!
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