terça-feira, 8 de setembro de 2020

«Ler é maçada»

 

Os grandes ledores, como Pessoa, tratam de ironizar, sabendo que as suas sentenças, ousadamente desvirtuadoras do que ele próprio não deseja para si – ou seja, a ignorância que jamais se poderá atribuir-lhe, genial que foi, arrebatarão de riso os que nele aprendem, não querendo desmistificar o intuito sarcástico, e que até se servem do enunciado em proveito próprio, como meio de atenuar a sua inapetência da leitura. É pena, no nosso caso, de povo de ilustração muito atenuada, pontuado, é certo, aqui e além, por espíritos proeminentes.

José Esteves Cardoso, com simplicidade, sem pretensões literárias e nem sequer de ironia – porque a seriedade preside, vai exortando para a necessidade e o prazer da leitura. Assim o quisessem escutar os políticos a quem se dirige, e todos nós, afinal, os que nem sempre estamos para aí virados, ou, sobretudo, os do nunca, que hoje, com as distracções genéricas de que a tecnologia também é responsável, vão perdendo esses hábitos de leitura tão aprazíveis e formadores do espírito e do carácter.

1 - CRÓNICA: Ler é ser livre

Se quer saber o que a classe política pensa dos livros veja o que fazem pelos livros. Não admira. Não lêem e não gostam que se leia.

JOSÉ ESTEVES CARDOSO

PÚBLICO, 8 de Setembro de 2020

Que bom seria se a classe política portuguesa tivesse de ler um livro por mês. É pouco? São onze por ano – no mês de férias poderiam voltar à dieta normal de redes, televisão e jornais.

Poderia ser qualquer livro. Nem sequer teriam de justificar a escolha. Apenas teriam de falar do que tinham aprendido (ou não) com ele.

Far-lhes-ia bem poder embirrar com um livro e deixarem-se exasperar por outro, para que os elogios que fizessem aos livros dos quais não convém dizer mal soassem mais sinceros.

Os políticos precisam de intervalos e de abstracções, de coisas que não se possam imediatamente aplicar ou converter em dividendos. Os livros fornecem esse vagar, essa distracção, essa liberdade, essa desprisão do aqui e do agora.

Dir-me-ão que não podem ler tantos livros, que ficam doentes só de pensar nisso. Estas pessoas, aliás, denunciam-se sempre. Dizem que não têm tempo para ler, sendo “tempo” a palavra que usam para encobrir a falta de vontade. Neste sentido têm muito jeito para arranjar coisas para fazer que não lhes deixem tempo para ler.

Para ler como deve ser não pode haver pressão. É por isso que, quando lêem um livro, lêem todos o mesmo. Isso não é ler: é preparar. Lêem para debater, lêem para não serem apanhados em falso, lêem para que não se pense que não estão a par.

Se quer saber o que a classe política pensa dos livros veja o que fazem pelos livros. Não admira. Não lêem e não gostam que se leia.

Se cada um lesse onze livros por ano talvez fossem mais ajuizados e mais amigos uns dos outros – e dos livros.

Colunista

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COMENTÁRIOS

Teodorico02 INICIANTE: Obrigado! Quem lê não pode sequer dizer que o faz: é ofensivo, soa mal. A reacção da maioria das pessoas quando se lê em vez de uma conversa é julgar-se inferiorizada, renegada. Essas pessoas não concebem que é até um elogio o querer ler ao seu lado. Não lhes ocorre que a leitura não é um sacrifício, um esforço, uma coisa que "tem de ser". O tempo de leitura é para esses uma ave rara. Dizem que não o têm, mas abrem uma excepção, de vez em quando - muito contra a sua vontade -, para lerem não o que querem mas o que fica bem, o que é mesmo preciso (Os Maias, por exemplo). Sentem (como disse o Miguel e bem, doutra maneira) uma necessidade intensa de pôr também eles um rótulo onde fica bem pôr, de estar a par. Nunca rotulam bem um bom livro que são incapazes de ler. Sofrem com isso, alguns.

Manuel Ribeiro INICIANTE: Cada português compra, em média, 1,3 livros por ano. As bibliotecas devem estar sempre cheias!

 

 

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