Ao espaço dessa revista “A
PARÓDIA”,
ao menos na questão das tosses. Os casos são mais graves hoje, com o progresso,
que dá direito a greves e manifestações, ao nosso jeito pacífico.
Explicitando, enviou-me a minha filha Paula o 1º número da revista
A
PARÓDIA, de 8 páginas, datado de 17 de Janeiro de 1900, certamente
uma Quarta Feira, pois que
vem nela informado que é publicada às quartas-feiras, o que não deixei de
confirmar no calendário fornecido pela Internet. A capa da Revista contém o
conhecido desenho de Raphael
Bordalo Pinheiro, um dos responsáveis pelas caricaturas da revista – (juntamente
com M. Gustavo Bordallo Pinheiro (1)): uma porca enorme, amamentando
os seus muitos porquinhos, num vasto prado com vacas a pastar em fila, e
intitulado A POLÍTICA –
A GRANDE PORCA.
Pela “leveza” sombria do retrato, ainda
hoje actual, que nos situa naqueles tempos que despoletaram o humor de Eça, (que
morreria nesse mesmo ano, final do século), transcrevo, da primeira página,
(actualizando a ortografia) a espécie de Editorial que historia os motivos da mudança do nome “ANTÓNIO MARIA” para “A
PARÓDIA”. O desenho que o ladeia, assinado por Raphael e M.Gustavo Bordallo Pinheiro, mostra
figuras esvoaçantes do passado, em traço leve, elevando-se nos céus, com, em
baixo duas caricaturas sanguíneas, de tocadores anunciando a nova era:
«Os
portugueses são essencialmente conservadores.
Por muito que esta opinião possa surpreender o nosso amigo Magalhães Lima, não
é menos certo que, se nós mudamos com frequência de fato, nos recusamos
obstinadamente mudar de ideias, o que faz que em Portugal a fortuna sorria mais
aos alfaiates do que aos evangelistas como o sr. Teófilo Braga.
Se
somos inquestionavelmente um país de janotas, estamos longe de ser um país de
reformadores.
Assim,
o nosso primeiro embaraço ao empreender esta publicação, é familiarizar o
público com a ideia de que já não se chama ANTÓNIO MARIA o jornal que tem agora na mão, porque o público,
conservador e rotineiro, quereria ver perpetuado no tempo e na galhofa aquele
título que ficou pertencendo a uma época que desapareceu e que por isso fez o
seu tempo.
Porquê?
O que era o ANTÓNIO MARIA?
O ANTÓNIO
MARIA, meus senhores, foi a Regeneração,
o Fontes e a sua Água Circassiana, o Ávila e o seu cachenez, o Sampaio e os
seus panfletos, o Arrobas e os seus editais, o Passeio Público e o lirismo do
sr. Florêncio Ferreira, a srª Emília das Neves, a Judia e os Recreios Whitoyne, mundo findo, mundo morto, de sombras, espectros,
múmias, onde só poderíamos estar à vontade sob a condição de termos
desaparecido com ele, o que não é, evidentemente, um facto.
Ficarmos
dentro do ANTÓNIO MARIA seria ficar
dentro de um museu, na situação de um velho guarda mostrando à curiosidade do
seu tempo os despojos da época passada.
A PARÓDIA é outra coisa, como o tempo é outro.
O ANTÓNIO MARIA foi um homem. Quando muito, foi uma família.
A PARÓDIA, dizemo-lo sem receio de sermos imodestos – somos nós
todos.
A PARÓDIA é a caricatura ao serviço da grande tristeza pública. É a Dança da Bica no Cemitério dos Prazeres.»
Mas da página 3, extraio ainda o
seguinte artigo, sem as caricaturas respectivas – uma, de gente fina a tossir, outra,
de gente menos fina a requerer a caixinha da pastilha, no seu direito à
reclamação, ainda nos seus primórdios.
«Há
uma coisa que deve impressionar singularmente o viajante estrangeiro que
porventura vá ao teatro de S Carlos: é a generalização da tosse por aquelas
filas de cadeiras.
Efectivamente
hoje, nos teatros portugueses, está-se tossindo muito e bem. Graças ao conforto
que nelas se disfruta, sobretudo em S. Carlos, podemos mostrar ao forasteiro uma curiosa duplicação
de coros: um no palco a berrar, outro na plateia a tossir.
Aconselhamos
o sr. Paccini a que faça distribuir pastilhas por todo o seu teatro: de clorato
de potassa aos coristas e de Gérandel aos espectadores – é uma plateia de expectadores.»
NOTAS: (1) - (WIKIPÉDIA: Manuel Augusto Bordalo Pinheiro, 1867/1920, filho de Rafael Bordalo Pinheiro, sobrinho de Columbano Bordalo Pinheiro: ilustrador, ceramista, caricaturista e autor de banda
desenhada. Foi pioneiro da ilustração infantil em Portugal, com a criação do
herói que deu nome à revista O Gafanhoto).
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