Que a Bíblia fosse lida com um à-vontade tão ameno
de “criação” que se adora, como o livro mais fantástico - e por isso mesmo se condena
- nas suas enormidades e nas suas contradições, que aceitam a proeminência de
um Deus por vezes perfeitamente hediondo, no comportamento abusivo para com as
criaturas criadas do próprio pó que antecedeu a criação do Homem, na realização divina. Um livro que
se lê como um romance de leve enredo e simultaneamente apelativo da reflexão crítica
nas breves histórias escolhidas, para sublinharem o pensamento antidogmático,
contudo, de um jovem extraordinário nos seus trabalhos de tradução não só da Bíblia mas de
tantas obras da cultura helénica que o seu conhecimento do grego e do latim
favoreceu – Frederico Lourenço e este seu encantador
“livrinho” «O LIVRO
ABERTO – Leituras da Bíblia».
Lê-se, não de uma assentada - embora
possamos fazê-lo, se quisermos ir depressa nos episódios sucessivos de uma
reflexão liberta de preconceito, cimentada com as referências pessoais susceptíveis
de criar embaraços numa perspectiva preconceituosa – mas no prazer maravilhado
que nos faz buscar a Bíblia
na
sua integridade, para reler os episódios citados num maior aprofundamento que
nem sempre esteve disponível, no meio da floresta literária produzida no mundo,
embora sintamos quão infinitamente reduzido é o nosso percurso por ela, por
essa floresta que os obstáculos da vida, ou tão só as opções da preguiça
impedem de atravessar com mais frequência. Mas a Bíblia foi e é também para nós um apelo de
diversão prazeirosa, que este livrinho de Frederico
Lourenço trouxe uma vez mais à baila, para confirmação das
suas citações, aprofundadas, por vezes, numa continuação da leitura bíblica
proposta.
Frederico Lourenço é, com
efeito, um ser “sui generis”, a merecer todo o culto e galardões que lhe devem
ser prestados, pela dimensão das suas amplas traduções clássicas, pelo sentido
romanesco e tantas vezes irónico que sabe imprimir às suas considerações
verdadeiramente “à la page” nos
ideais democráticos que a Bíblia, que ele venera,
múltiplas vezes desfeiteia, sobretudo nos livros do Antigo Testamento, plenos da prepotência divina e humana,
perfeitamente absurda, mas que o Novo
Testamento não deixa igualmente de atestar, prepotência que, em
todo o sempre, afinal, massacrou a humanidade.
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