Que eu não vi e tenho pena. Sobre Francisco da Holanda, personalidade
renascentista mal conhecida, que Paula
Moura Pinheiro trouxe à luz, programa precioso, referenciado por José Marmeleira, a despertar a curiosidade, em torno de um
espírito ilustre que a Internet ou a Enciclopédia
ajudarão a conhecer.
Francisco de Holanda, um homem do Renascimento ainda
por descobrir
Estreia-se hoje na RTP2, pelas 22h, o
documentário Francisco de Holanda,
A Luz Esquecida do Renascimento, que abre o universo do artista e
intelectual português ao conhecimento alargado dos telespectadores. Com imagens
e palavras que continuam a fascinar investigadores e estudiosos, reavaliando a
história do Renascimento.
JOSÉ MARMELEIRA
PÚBLICO, 16 de Setembro de 2020
Continua
a redescobrir-se, senão a descobrir-se, a obra e a figura de Francisco
de Holanda (1517-1584). Objecto de
estudos e conferências, tema de exposições, como as que se
realizaram em Évora, em 2019, no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo,
na Biblioteca Nacional, em 2018, ou no Museu do Dinheiro, em 2017, o
humanista português é o protagonista de um documentário que estreia esta
quarta-feira, às 22h, na RTP2. Intitulado Francisco de Holanda, A
Luz Esquecida do Renascimento, da
autoria de Paula Moura Pinheiro, dá a ver desenhos, textos, livros, reconstituindo
uma narrativa que atravessa o século XVI, entre Lisboa, Évora e Roma, da
realidade das cortes às ruínas de cidade italiana. Um
retrato vibrante, para o qual muito contribuem os depoimentos de Sylvie Deswarte-Rosa, Joaquim Caetano,
Rafael Moreira, Isabel Almeida, Manuel Parada López de Corselas, José Cardim
Ribeiro, Francesco Paolo Fiore, Vitor Serrão e Alessandro d’Alessio. Este
conjunto de especialistas — a maioria historiadores de arte — traça o percurso do tratadista e pintor
português, filho de António de Holanda, iluminador originário dos Países Baixos. Durante 50 minutos, biografia e obra sobrepõem-se
numa atenção rigorosa às circunstâncias pessoais, ao contexto social e
político, às afinidades artísticas e filosóficas, às transformações que
marcaram aquele século tão fascinante quanto turbulento.
Homem
de corte e cortesão, Francisco de Holanda
começa a sua carreira na casa de D. Fernando, duque da Guarda, antes de passar
para a casa do Infante D. Afonso, Bispo de Évora, e de beneficiar da protecção
da rainha Dona Catarina. Em Évora, residência da corte de João III, contacta alguns dos principais humanistas, como o
português André Resende
que passara pelas principais universidades europeias. É no interior das redes nobiliárquicas e
intelectuais da época que vai erigindo a sua carreira, apaixonado pela
Antiguidade Greco-Romana e os vestígios que dela ainda persistem na Europa.
Entre 1538 e 1540, viaja pela Itália na comitiva do embaixador D. Pedro de
Mascarenhas. Durante estes anos, tem acesso ao círculo do qual fazem parte Miguel Ângelo, Sebastiano Del Piombo, Perino
Del Vaga, Antonio de Sangallo, O Jovem.
No
centro do Renascimento, guardando na memória as iluminuras e os planisférios do
pai António, redescobre a utopia da Antiguidade clássica, que, nas palavras do
historiador Vítor Serrão, virá a ter um eco profundo no seu pensar e
no seu fazer. Resulta deste período a produção de Álbum dos
Antigualhas,
documento visual que, pelo desenho exuberante e detalhado, testemunha a
paisagem cultural da Itália daquele século, da arquitectura à moda. O encontro do telespectador com estas imagens é um
dos momentos mais comoventes de Francisco de Holanda, A Luz Esquecida do
Renascimento: a pintura do artista e intelectual português transporta-o à
cidade de Roma e à Itália do século XVI.
A pintura como arte do espírito
Mas
não são apenas os precisos e preciosos desenhos de viagens que esta
quarta-feira podemos ver na televisão. São também as páginas dos tratados Da Pintura Antiga e
Diálogos em Roma, obra em
que narra os encontros com Miguel Ângelo — que os historiadores intervenientes consideram
muito prováveis — do estudo Do tirar pelo natural, consagrado à arte do retrato, e do álbum Imagens
das Idades do Mundo, iniciado
em 1545. A propósito,
diante das cores e das figuras, do texto e o desenho desta obra, é difícil não
evocar o universo visual de outro artista: o poeta e pintor inglês William Blake, surgido três séculos
depois. “Essa é uma relação que se faz muito”, considera Joaquim
Caetano, director do Museu Nacional de Arte
Antiga e participante no documentário. “E muito
pela natureza geométrica com que [o Francisco de Holanda] percebeu e
representou os dias da Criação do Mundo. Tinha a ver com uma certa ideia de
abstracção, com a composição matemática das formas puras que estavam ligadas ao
pensamento divino”.
Deus-arquitecto
A questão do divino assoma justamente no documentário, associado à
condição do artista enquanto demiurgo, concepção que o intelectual e artista
português cultivou e defendeu. “Curiosamente,
há uma iluminura de William Blake em que vemos a figura do Deus-pai a trilhar o
mundo. É uma imagem que aparece muito nas iluminuras medievais: Deus a traçar
as esferas, o universo, o planeta”, acrescenta Joaquim
Caetano. “A ideia do
Deus-arquitecto é uma ideia presente ao longo da Idade Média e no
pensamento do Francisco de Holanda. Deus é o grande arquitecto do universo. E o
que o artista faz não é copiar a realidade, mas voltar a mimetizar esse
processo de criação, aquilo que Leonardo da Vinci chamava de
‘desenho interno’. Não
a partir da realidade, mas do desenho interno, do cérebro. Isso
respondia a um desejo prático: retirar a arte
da manualidade, que era socialmente mal vista. Torná-la coisa mental,
assimilá-la às artes do espírito”.
Este
foi um dos maiores contributos de Francisco de Holanda, cuja carreira, relata-nos o documentário, viria a
sofrer uma série de oscilações menos positivas durante os reinados de D.
Sebastião e D. Filipe I de Portugal.
Numa época de intensas lutas políticas, a sua visibilidade foi-se reduzindo,
obrigando-o a procurar novos patronos, sem o sucesso desejado.
Já
abandonado pela corte, publica Da fábrica que fallece á cidade de Lisboa e Da Ciência do Desenho, que merece correcções censórias do Padre
Bartolomeu Ferreira, antes de
falecer em 1585. Contra a malícia do tempo, expressão citada por Sylvie
Deswarte-Rosa, incansável
estudiosa da sua obra, e a decadência do
humano, sobreviveram uma obra teórica e pictórica que continua a deixar
perplexos estudiosos e investigadores europeus. E sobre as quais ainda haverá muitas coisas por
conhecer e histórias por contar. Até lá, Francisco de Holanda, A Luz
Esquecida do Renascimento, com as
palavras dos historiadores e as imagens que o artista cortesão nos deixou, abre-se
como uma porta para o conhecimento de uma personalidade, de um pensamento e de
uma produção visual que atravessou o Renascimento até ao século XXI. E, por consequência,
para o conhecimento do património da arte portuguesa e europeia.
TÓPICOS
CULTURA-ÍPSILON ARTES PINTURA RENASCIMENTO CULTURA LEONARDO DA VINCI MIGUEL ÂNGELO
NOTAS DA INTERNET:
Francisco de Holanda
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Francisco de Holanda,
originalmente Francisco d'Olanda, (Lisboa,
6 de setembro
de 1517
-Lisboa,
19 de junho
de 1585)
foi um humanista,
arquitecto,
escultor,
desenhador,
iluminador
e pintor
português.
Considerado um dos mais importantes vultos do renascimento
em Portugal,
também foi ensaísta,
crítico de arte e historiador.
Biografia
Francisco de Holanda nasceu em
Lisboa, filho de António d'Holanda, retratista e iluminador
régio de origem flamenga, e de mãe portuguesa pertencente a família
aristocrática da época.
Começou
a sua carreira como iluminista, na sequência daquela que era já a carreira de
seu pai.
Ao
contrário do estudo, muito válido mas um pouco desactualizado, de Monsenhor
Joaquim Ferreira Gordo, a viagem a Itália foi curta e não durou 7 anos, mas sim
cerca de 3 anos, tendo partido em 1538 como bolseiro do Rei D. João III. No "Da
Sciencia do Desegno", o
próprio Holanda afirma que começou a desenhar a fortaleza de Mazagão em 1541 acabado de vir de Itália. Essa é a fonte mais válida relativa às datas da
viagem). Na sua estadia em Roma frequentou o grupo de Vitória
Colonna, poetisa e
personagem notável do renascimento italiano, o que lhe proporcionou o convívio
com grandes artistas do seu tempo, como Parmigianino,
Giambologna e, principalmente Miguel Ângelo, que nele despertou o fervor pelo classicismo.
"O século XVI foi em Portugal, o século do enraizamento da cultura
humanista. A corte contribuiu para esse facto através do recrutamento de
humanistas italianos para educar os príncipes e também por ter enviado
portugueses para estudar em Itália. Holanda irá beneficiar de todo este
contexto italianizante bem como da sua estreita vivência cortesã." (Lousa,
2014, p. 17)
Regressando
a Portugal, obteve vários auxílios da parte do cardeal-arcebispo de Évora e dos reis D. João III
(1521-1557) e de D. Sebastião
(1568-1578).
QUADRO: A Ceia do Senhor, miniatura. Museu Nacional de Belas Artes
O
ideal estético renascentista exprimiu-se acentuadamente neste artista, que
afirmava que o objectivo primordial era o de incentivar a sua íntima
originalidade, e depois seguir a lição da natureza (puro espelho do criador) e
a lição dos antigos, mestres imortais da grandeza, simetria,
perfeição e decoro. "O artista só o é verdadeiramente, porque possui um talento
inato, uma espécie de luz que lhe do ceo foi por graça dada, por isso o artista
tem como missão, à imagem do percurso artístico de Miguel Ângelo, a ascensão a
Deus. (...) O lado melancólico, intelectual e excepcional do artista também é
manifestado pela defesa da sua pureza espiritual. Holanda alerta para o
facto de o artista, pelo exercício de sua arte, ter mais do que os outros
homens, o privilégio de chegar até Deus «em casto spirito»"(Lousa,
2014, p. 186)
Dotado
de uma grande versatilidade intelectual, Francisco de Holanda distinguiu-se
pelos seus desenhos da
série "Antiguidades de Itália" (1540-1547), pelo seu
contributo como instrumento de estudo na reconstituição do património arqueológico
dos Romanos e da arte italiana na primeira metade do século XVI, fruto dos desenhos que foi
esboçando na sua estadia em Itália.
Notabilizou-se
ainda como historiador de arte e foi considerado justamente dos primeiros
e maiores críticos da Europa do seu tempo. A
paixão pelo classicismo reflectiu-se no seu tratado "Da Pintura Antiga"
(1548-1549), que divulga o essencial da obra de Miguel Ângelo e do movimento artístico em Roma
na segunda metade do século XVI. Esta obra, contudo, só viria a ser tornada pública
três séculos mais tarde; dedicada a D. João III,
trata, no primeiro livro, de todos os
géneros e modos de pintar e, no segundo, consta de diálogos. O respectivo manuscrito pertence hoje à Real Biblioteca de Madrid. Esta obra reveste-se de grande importância para o
conhecimento e apreciação da pintura da época e foi em parte
através dela que se tornou possível identificar a obra de Nuno Gonçalves.
Escreveu
também o primeiro ensaio sobre urbanismo na Península Ibérica,
com o título "Da fabrica que falece a cidade de Lisboa", e alguns
livros de desenhos como "De Aetatibus Mundi Imagines" e
"Antigualhas".
Na Biblioteca do Escorial, existe outro manuscrito seu, o "Livro de
debuxos", com desenhos das principais
praças fortes da Europa e respectiva apreciação.
Arquitecto
militar, elaborou uma planta para fortaleza de Mazagão, em Marrocos.
É
seu o quadro "Baptismo de Santo Agostinho", composição de 21 figuras, da Colecção Conde de Penamacor, tendo sido elogiado por Atanazy Raczyński, que nele viu acentuada
influência italiana, acrescentado que Holanda
mostrava estudo sério, mas falta de prática de pintar. Demais, dizia Holanda que não praticava quase a
pintura, por preferir os outros ramos das belas-artes. Guarienti
di-lo autor de quadros de grandes dimensões, informação vaga que Raczynski
recebeu com cepticismo.[1] Joaquim de Vasconcelos deu-lhe sem
qualquer prova um painel com toda a família de D. João III
sob o manto de Nossa Senhora. Tudo são, porém, hipóteses.
Foram-lhes
atribuídas por André de Resende
as iluminuras dos livros de coro do Convento de Cristo,
em Tomar, atribuição não confirmada pelos
livros de despesa, e bem assim um retrato da infanta D. Maria, objecto dum
epigrama de Manuel da Costa em 1552, talvez miniatura em pergaminho e não
propriamente tábua.
"Morre em 1584, com sessenta e seis ou
sessenta e sete anos, em circunstâncias desconhecidas. Não se sabe ao certo se terá morrido em Lisboa, no
seu Monte, ou em Santarém. (...) Francisco
de Holanda é uma figura
controversa que domina o nosso séc. XVI. Teve o mérito de ter sido o
primeiro que em Portugal escreveu sobre bellas-artes Todavia, em Portugal, a
sua obra não chegou a ser impressa no seu tempo por força dos factos políticos
que norteavam o final da sua existência." (Lousa, 2014, p. 41- 42)
É autor, entre
outros, das seguintes obras:
Da Pintura Antiga (Lisboa,
1548)
Da fábrica que falece a cidade de
Lisboa (Lisboa, 1571)
Lembrança Ao muyto Serenissimo e
Christianissimo Rey Dom Sebastiam: De quãto Serve A Sciencia do Desegno e
Etendimento da Arte da Pintura, na República Christam Asi na Paz Como na Guerra
(Lisboa, 1571).
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