sábado, 19 de setembro de 2020

Um documentário no 2º Canal


Que eu não vi e tenho pena. Sobre Francisco da Holanda, personalidade renascentista mal conhecida, que Paula Moura Pinheiro trouxe à luz, programa precioso, referenciado por José Marmeleira, a despertar a curiosidade, em torno de um espírito ilustre que a Internet ou a Enciclopédia ajudarão a conhecer.

ARTES

Francisco de Holanda, um homem do Renascimento ainda por descobrir

Estreia-se hoje na RTP2, pelas 22h, o documentário Francisco de Holanda, A Luz Esquecida do Renascimento, que abre o universo do artista e intelectual português ao conhecimento alargado dos telespectadores. Com imagens e palavras que continuam a fascinar investigadores e estudiosos, reavaliando a história do Renascimento.

JOSÉ MARMELEIRA

PÚBLICO, 16 de Setembro de 2020

Continua a redescobrir-se, senão a descobrir-se, a obra e a figura de Francisco de Holanda (1517-1584). Objecto de estudos e conferências, tema de exposições, como as que se realizaram em Évora, em 2019, no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, na Biblioteca Nacional, em 2018, ou no Museu do Dinheiro, em 2017, o humanista português é o protagonista de um documentário que estreia esta quarta-feira, às 22h, na RTP2. Intitulado Francisco de Holanda, A Luz Esquecida do Renascimento, da autoria de Paula Moura Pinheiro, dá a ver desenhos, textos, livros, reconstituindo uma narrativa que atravessa o século XVI, entre Lisboa, Évora e Roma, da realidade das cortes às ruínas de cidade italiana. Um retrato vibrante, para o qual muito contribuem os depoimentos de Sylvie Deswarte-Rosa, Joaquim Caetano, Rafael Moreira, Isabel Almeida, Manuel Parada López de Corselas, José Cardim Ribeiro, Francesco Paolo Fiore, Vitor Serrão e Alessandro d’Alessio. Este conjunto de especialistas — a maioria historiadores de arte — traça o percurso do tratadista e pintor português, filho de António de Holanda, iluminador originário dos Países Baixos. Durante 50 minutos, biografia e obra sobrepõem-se numa atenção rigorosa às circunstâncias pessoais, ao contexto social e político, às afinidades artísticas e filosóficas, às transformações que marcaram aquele século tão fascinante quanto turbulento.

Homem de corte e cortesão, Francisco de Holanda começa a sua carreira na casa de D. Fernando, duque da Guarda, antes de passar para a casa do Infante D. Afonso, Bispo de Évora, e de beneficiar da protecção da rainha Dona Catarina. Em Évora, residência da corte de João III, contacta alguns dos principais humanistas, como o português André Resende que passara pelas principais universidades europeias. É no interior das redes nobiliárquicas e intelectuais da época que vai erigindo a sua carreira, apaixonado pela Antiguidade Greco-Romana e os vestígios que dela ainda persistem na Europa. Entre 1538 e 1540, viaja pela Itália na comitiva do embaixador D. Pedro de Mascarenhas. Durante estes anos, tem acesso ao círculo do qual fazem parte Miguel Ângelo, Sebastiano Del Piombo, Perino Del Vaga, Antonio de Sangallo, O Jovem.

No centro do Renascimento, guardando na memória as iluminuras e os planisférios do pai António, redescobre a utopia da Antiguidade clássica, que, nas palavras do historiador Vítor Serrão, virá a ter um eco profundo no seu pensar e no seu fazer. Resulta deste período a produção de Álbum dos Antigualhas, documento visual que, pelo desenho exuberante e detalhado, testemunha a paisagem cultural da Itália daquele século, da arquitectura à moda. O encontro do telespectador com estas imagens é um dos momentos mais comoventes de Francisco de Holanda, A Luz Esquecida do Renascimento: a pintura do artista e intelectual português transporta-o à cidade de Roma e à Itália do século XVI.

A pintura como arte do espírito

Mas não são apenas os precisos e preciosos desenhos de viagens que esta quarta-feira podemos ver na televisão. São também as páginas dos tratados Da Pintura Antiga e Diálogos em Roma, obra em que narra os encontros com Miguel Ângelo — que os historiadores intervenientes consideram muito prováveis — do estudo Do tirar pelo natural, consagrado à arte do retrato, e do álbum Imagens das Idades do Mundo, iniciado em 1545. A propósito, diante das cores e das figuras, do texto e o desenho desta obra, é difícil não evocar o universo visual de outro artista: o poeta e pintor inglês William Blake, surgido três séculos depois.Essa é uma relação que se faz muito”, considera Joaquim Caetano, director do Museu Nacional de Arte Antiga e participante no documentário.E muito pela natureza geométrica com que [o Francisco de Holanda] percebeu e representou os dias da Criação do Mundo. Tinha a ver com uma certa ideia de abstracção, com a composição matemática das formas puras que estavam ligadas ao pensamento divino”.

Deus-arquitecto

A questão do divino assoma justamente no documentário, associado à condição do artista enquanto demiurgo, concepção que o intelectual e artista português cultivou e defendeu. “Curiosamente, há uma iluminura de William Blake em que vemos a figura do Deus-pai a trilhar o mundo. É uma imagem que aparece muito nas iluminuras medievais: Deus a traçar as esferas, o universo, o planeta”, acrescenta Joaquim Caetano. “A ideia do Deus-arquitecto é uma ideia presente ao longo da Idade Média e no pensamento do Francisco de Holanda. Deus é o grande arquitecto do universo. E o que o artista faz não é copiar a realidade, mas voltar a mimetizar esse processo de criação, aquilo que Leonardo da Vinci chamava de ‘desenho interno’. Não a partir da realidade, mas do desenho interno, do cérebro. Isso respondia a um desejo prático: retirar a arte da manualidade, que era socialmente mal vista. Torná-la coisa mental, assimilá-la às artes do espírito”.

Este foi um dos maiores contributos de Francisco de Holanda, cuja carreira, relata-nos o documentário, viria a sofrer uma série de oscilações menos positivas durante os reinados de D. Sebastião e D. Filipe I de Portugal. Numa época de intensas lutas políticas, a sua visibilidade foi-se reduzindo, obrigando-o a procurar novos patronos, sem o sucesso desejado.

Já abandonado pela corte, publica Da fábrica que fallece á cidade de Lisboa e Da Ciência do Desenho, que merece correcções censórias do Padre Bartolomeu Ferreira, antes de falecer em 1585. Contra a malícia do tempo, expressão citada por Sylvie Deswarte-Rosa, incansável estudiosa da sua obra, e a decadência do humano, sobreviveram uma obra teórica e pictórica que continua a deixar perplexos estudiosos e investigadores europeus. E sobre as quais ainda haverá muitas coisas por conhecer e histórias por contar. Até lá, Francisco de Holanda, A Luz Esquecida do Renascimento, com as palavras dos historiadores e as imagens que o artista cortesão nos deixou, abre-se como uma porta para o conhecimento de uma personalidade, de um pensamento e de uma produção visual que atravessou o Renascimento até ao século XXI. E, por consequência, para o conhecimento do património da arte portuguesa e europeia.

TÓPICOS

CULTURA-ÍPSILON  ARTES  PINTURA  RENASCIMENTO  CULTURA  LEONARDO DA VINCI  MIGUEL ÂNGELO

 

NOTAS DA INTERNET:

Francisco de Holanda

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Francisco de Holanda, originalmente Francisco d'Olanda, (Lisboa, 6 de setembro de 1517 -Lisboa, 19 de junho de 1585) foi um humanista, arquitecto, escultor, desenhador, iluminador e pintor português. Considerado um dos mais importantes vultos do renascimento em Portugal, também foi ensaísta, crítico de arte e historiador.

Biografia

Francisco de Holanda nasceu em Lisboa, filho de António d'Holanda, retratista e iluminador régio de origem flamenga, e de mãe portuguesa pertencente a família aristocrática da época.

Começou a sua carreira como iluminista, na sequência daquela que era já a carreira de seu pai.

Ao contrário do estudo, muito válido mas um pouco desactualizado, de Monsenhor Joaquim Ferreira Gordo, a viagem a Itália foi curta e não durou 7 anos, mas sim cerca de 3 anos, tendo partido em 1538 como bolseiro do Rei D. João III. No "Da Sciencia do Desegno", o próprio Holanda afirma que começou a desenhar a fortaleza de Mazagão em 1541 acabado de vir de Itália. Essa é a fonte mais válida relativa às datas da viagem). Na sua estadia em Roma frequentou o grupo de Vitória Colonna, poetisa e personagem notável do renascimento italiano, o que lhe proporcionou o convívio com grandes artistas do seu tempo, como Parmigianino, Giambologna e, principalmente Miguel Ângelo, que nele despertou o fervor pelo classicismo. "O século XVI foi em Portugal, o século do enraizamento da cultura humanista. A corte contribuiu para esse facto através do recrutamento de humanistas italianos para educar os príncipes e também por ter enviado portugueses para estudar em Itália. Holanda irá beneficiar de todo este contexto italianizante bem como da sua estreita vivência cortesã." (Lousa, 2014, p. 17)

Regressando a Portugal, obteve vários auxílios da parte do cardeal-arcebispo de Évora e dos reis D. João III (1521-1557) e de D. Sebastião (1568-1578).

QUADRO: A Ceia do Senhor, miniatura. Museu Nacional de Belas Artes

O ideal estético renascentista exprimiu-se acentuadamente neste artista, que afirmava que o objectivo primordial era o de incentivar a sua íntima originalidade, e depois seguir a lição da natureza (puro espelho do criador) e a lição dos antigos, mestres imortais da grandeza, simetria, perfeição e decoro. "O artista só o é verdadeiramente, porque possui um talento inato, uma espécie de luz que lhe do ceo foi por graça dada, por isso o artista tem como missão, à imagem do percurso artístico de Miguel Ângelo, a ascensão a Deus. (...) O lado melancólico, intelectual e excepcional do artista também é manifestado pela defesa da sua pureza espiritual. Holanda alerta para o facto de o artista, pelo exercício de sua arte, ter mais do que os outros homens, o privilégio de chegar até Deus «em casto spirito»"(Lousa, 2014, p. 186)

Dotado de uma grande versatilidade intelectual, Francisco de Holanda distinguiu-se pelos seus desenhos da série "Antiguidades de Itália" (1540-1547), pelo seu contributo como instrumento de estudo na reconstituição do património arqueológico dos Romanos e da arte italiana na primeira metade do século XVI, fruto dos desenhos que foi esboçando na sua estadia em Itália.

Notabilizou-se ainda como historiador de arte e foi considerado justamente dos primeiros e maiores críticos da Europa do seu tempo. A paixão pelo classicismo reflectiu-se no seu tratado "Da Pintura Antiga" (1548-1549), que divulga o essencial da obra de Miguel Ângelo e do movimento artístico em Roma na segunda metade do século XVI. Esta obra, contudo, só viria a ser tornada pública três séculos mais tarde; dedicada a D. João III, trata, no primeiro livro, de todos os géneros e modos de pintar e, no segundo, consta de diálogos. O respectivo manuscrito pertence hoje à Real Biblioteca de Madrid. Esta obra reveste-se de grande importância para o conhecimento e apreciação da pintura da época e foi em parte através dela que se tornou possível identificar a obra de Nuno Gonçalves.

Escreveu também o primeiro ensaio sobre urbanismo na Península Ibérica, com o título "Da fabrica que falece a cidade de Lisboa", e alguns livros de desenhos como "De Aetatibus Mundi Imagines" e "Antigualhas".

Na Biblioteca do Escorial, existe outro manuscrito seu, o "Livro de debuxos", com desenhos das principais praças fortes da Europa e respectiva apreciação.

Arquitecto militar, elaborou uma planta para fortaleza de Mazagão, em Marrocos.

É seu o quadro "Baptismo de Santo Agostinho", composição de 21 figuras, da Colecção Conde de Penamacor, tendo sido elogiado por Atanazy Raczyński, que nele viu acentuada influência italiana, acrescentado que Holanda mostrava estudo sério, mas falta de prática de pintar. Demais, dizia Holanda que não praticava quase a pintura, por preferir os outros ramos das belas-artes. Guarienti di-lo autor de quadros de grandes dimensões, informação vaga que Raczynski recebeu com cepticismo.[1] Joaquim de Vasconcelos deu-lhe sem qualquer prova um painel com toda a família de D. João III sob o manto de Nossa Senhora. Tudo são, porém, hipóteses.

Foram-lhes atribuídas por André de Resende as iluminuras dos livros de coro do Convento de Cristo, em Tomar, atribuição não confirmada pelos livros de despesa, e bem assim um retrato da infanta D. Maria, objecto dum epigrama de Manuel da Costa em 1552, talvez miniatura em pergaminho e não propriamente tábua.

 "Morre em 1584, com sessenta e seis ou sessenta e sete anos, em circunstâncias desconhecidas. Não se sabe ao certo se terá morrido em Lisboa, no seu Monte, ou em Santarém. (...) Francisco de Holanda é uma figura controversa que domina o nosso séc. XVI. Teve o mérito de ter sido o primeiro que em Portugal escreveu sobre bellas-artes Todavia, em Portugal, a sua obra não chegou a ser impressa no seu tempo por força dos factos políticos que norteavam o final da sua existência." (Lousa, 2014, p. 41- 42)

É autor, entre outros, das seguintes obras:

Da Pintura Antiga (Lisboa, 1548)

Da fábrica que falece a cidade de Lisboa (Lisboa, 1571)

Lembrança Ao muyto Serenissimo e Christianissimo Rey Dom Sebastiam: De quãto Serve A Sciencia do Desegno e Etendimento da Arte da Pintura, na República Christam Asi na Paz Como na Guerra (Lisboa, 1571).

 

 

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