sábado, 31 de dezembro de 2022

Mas faz parte da nossa engrenagem identitária


De batatinhas, couvinhas, do pãozinho… não o que o diabo amassou, mas que amassaram os comunicadores destes nossos lados atlânticos, em diminutivos moldados num espaço soalheiro e amolecedor, propício à reverência e à inércia justificativas de todas essas histórias que por nós passam, e que Alberto Gonçalves descreve, condenando, ao seu modo mordaz… E escusamos de acusar o tal de povo. Todos fazemos parte da engrenagem, apesar das padeiras ou dos conquistadores dos primórdios…

O respeitinho é muito feio

Uma burla com a dimensão da TAP não cabe numa democracia: ou há democracia ou há burla.

ALBERTO GONÇALVES , Colunista do OBSERVADOR

OBSERVADOR, 31 dez. 2022, 00:2169

Na terça-feira, em Murça, dois homens abeiraram-se do prof. Marcelo e, em vez de pedirem “selfies”, retribuíram-lhe um milésimo do desprezo que Sua Excelência nos dedica. Para uns, entre os quais me incluo, a cena serviu de consolo, ainda que singular e escasso, pelos vastos enxovalhos presidenciais. Para outros, aquilo foi uma brutal insolência, que não devia ter acontecido e, li algures, no limite não devia ter sido transmitida. Esta escola de pensamento defende, sem assumir que defende, que os poderosos – logo que não sejam de “direita” – merecem a total reverência da ralé. Em tempos, houve uma polícia especialmente empenhada em zelar por isso. Tais cautelas garantem a polidez das massas e, ao filtrar as críticas, permitem aos senhores que mandam continuar a mandar com a desejável impunidade. E incompetência. E arrogância. Em suma, é preciso que os responsáveis pela ruína do país não sejam responsabilizados. Em nome da paz social, é preciso que sejam louvados.

Vem isto a propósito do bonito coro de encómios que, um par de dias decorridos, acompanhou a demissão do ministro Pedro Nuno Santos. Assim sim, é que os grandes estadistas devem ser tratados: o “Pedro Nuno” tem dinamismo, o “Pedro Nuno” tem visão, o “Pedro Nuno” tem iniciativa, o “Pedro Nuno” tem coragem, o “Pedro Nuno” tem o futuro à sua frente. O que fez o “Pedro Nuno” para suscitar tamanha enxurrada de salamaleques? Fora uns desvarios com sucata ferroviária, usou 3.200 milhões do nosso bolso para brincar com a TAP e, quando se aborreceu, devolvê-la ao ponto de partida. Não parece uma proeza formidável. Na verdade, parece configurar uma coisa digna de julgamento, em praça pública ou cave privada. Mas, conforme recomenda o protocolo, o “Pedro Nuno”, que do alto das suas aptidões espera reentrar primeiro-ministro, saiu sob aplausos.

E o patrão do “Pedro Nuno”, que patrocinou com dinheiro alheio a brincadeira da TAP, ficou. Em nações com menor civismo, ou maior quantidade de cidadãos de Murça, o dr. Costa e o governo (desculpem) não ficariam. A TAP poderia ser apenas um pretexto no meio de inúmeros abusos de igual ou superior dimensão, como os 500 mil euros daquela dona Alexandra foram um pretexto no meio do criminoso processo da “companhia de bandeira”, idealmente a meia haste. O certo é que, em qualquer sociedade onde a maioria das pessoas tivesse a vergonha na cara que falta aos políticos, o dr. Costa estaria a esta hora num voo “low cost”, disfarçado e rumo a destino desconhecido. Ou agachado num esgoto, estilo Kadhafi.

Por sorte, os portugueses são parcos em vergonha e ricos em obséquio, natureza que possibilita ao dr. Costa anunciar com doce cinismo que continuará a afundar-nos gloriosamente até 2026, quiçá, confessou ao dr. Balsemão (!), 2030. Francamente, não será necessário tanto. Os avanços em matéria de nepotismo, compadrio, autoritarismo e corrupção, e os recuos na economia, na saúde, no ensino e na justiça já se encontram razoavelmente adiantados. Mais um ano disto e não sobrarão muitos empregos e verbas para distribuir, nem muitas vidas para arrasar. Se o dr. Costa permanecer por aí, movido pelo sentido de Estado que não possui e amparado por um chefe de Estado que não saberia chefiar uma claque de dominó, o único motivo imaginável é o vício do poder, por parte dele, e o vício da submissão, por parte dos súbditos.

Reparem que não falo exclusivamente dos fiéis do PS, ou do PS e das agremiações leninistas, que hoje na AR chegam a três. Vi gente que nunca votaria em nenhum dos partidos acima apresentar o episódio de Murça enquanto um exemplo de inadmissível má-criação. E não, não se referiam à atitude do prof. Marcelo, tipicamente medrosa durante o confronto e insultuosa depois. Com ou sem a ajuda dos “media”, quase todos convertidos à difusão da propaganda oficial, há uma espantosa percentagem da população que continua a defender – e, por pressão, a impor – a cortesia na abordagem a criaturas que inequívoca e drasticamente lhes são prejudiciais. Ninguém pode acusar os portugueses de morder a mão que lhes dá de comer: aqui beija-se a mão que nos rouba a comida.

Além de não se esgotar em personagens menores nem em análises às fascinantes guerrilhas no Rato, uma burla com a dimensão da TAP não cabe numa democracia: ou há democracia ou há burla. À semelhança do que aconteceu com o BES, a EDP e centenas de casos e casinhos, o povo cala-se e calando-se opta por ser burlado. O povo não se pode queixar. Ou melhor: o povo poderia e deveria queixar-se, queixar-se imenso e com proporcional estrondo, queixar-se de modo a criar dez, cem, mil Murças, queixar-se a ponto de fazer tremer as pernas em fuga dos espécimes que o desgraçam.

Mas, por razões diversas ou pura irracionalidade, o povo não se queixa. E os espécimes continuam à solta. E não só à solta: alguns mantêm-se em cargos de decisão. E não só em cargos de decisão: estão prontos para, com pausa para férias e tirocínio no Brasil do sr. Lula, acabar de espremer uma nação apática. O sr. Feliz pede “confiança”. O sr. Contente recomenda “estabilidade”. Eu traduzo: ambos exigem respeitinho. O respeitinho é muito feio. Se não o perdermos com urgência, vai deixar-nos num lugar medonho.

GOVERNO   POLÍTICA   TAP   EMPRESAS   ECONOMIA   PRESIDENTE MARCELO

COMENTÁRIOS: De 71

F. Mendes: Mais um excelente artigo do AG, que ficará para memória futura, caso mais tarde, ou tarde de mais, alguém se venha a importar em perceber como chegámos ao fundo do buraco. Em instituições públicas a sério, hierarquias e decisores, políticos ou outros, podem ser responsabilizados pecuniariamente por consequências das suas acções, mesmo legais, desde que se considerem lesivas do interesse público. Ou seja, para além de despedimento certo, há uma penalização financeira e/ou patrimonial dos infractores. Num país como o nosso, isto é quase inacreditável. Mas é assim. No caso do Pedro Nuno, o personagem sai em ombros, pois claro. É um herói à portuguesa, com certeza. Tudo isto vai agravar a luta interna no PS, que correrá em paralelo com o desgoverno actual  e futuro, com a crise abjecta do país, com o colapso mental e comportamental do prof. Marcelo e o desânimo moral generalizado. Quanto à subserviência do povo, e à sua capacidade para aguentar tiranias e desprezo, é o que temos. Mudar de povo, não podemos, nem queremos. Que este jornal possa contribuir para abrir algumas consciências, ajudaria um pouco. Já seria um contributo para amortecer a queda, cada vez menos evitável. Mas sinto medo do que nos trará 2023.             Maria Silva: "O povo cala-se e calando-se, opta por ser burlado". Andam drogados? Não se percebe. Nunca vi tanta apatia na minha vida. *Abençoados* sejam os senhores de Murça! O resto é um chinfrim desgraçado sabe-se lá para encobrir o quê! Quantos casos e casinhos nunca vieram ou virão a público? Hedonismo e impunidade de um polvo maçónico totalmente corrupto. Vai ser difícil cortar-lhe os tentáculos. Mas, como nada na vida é eterno.... resta-nos a esperança. *BOAS ENTRADAS* e que 2023 seja melhor, mais transparente e sobretudo Harmonioso! Obrigada por não desistir.               Fernando Correia: Completamente de acordo com Alberto Gonçalves. Nesse aspecto do beija-mão e de prestar vassalagem aos “donos”… o povo não mudou muito, do “antigamente” para a “modernidade” pós 25 de abril. Mudaram foi as moscas, ou sejam, os novos donos. Fico muito triste pensar que não merecemos mais que isto. Mas pode ser que estes dois senhores, de Murça, despertem e acordem do “medo” colectivo outras consciências… livres e inconformadas.          Joaquim Almeida: Até vão ao Brasil  vitoriar, em nosso nome e da democracia, um dos maiores expoentes e produtos  da vigarice totalitária em marcha. Nojentos cínicos sem vergonha               Maria Melo: Bravo, Alberto Gonçalves! Eu também me incluo no grupo que gostou que alguém enfrentasse o “Badameco” e lhe dissesse algumas verdades. Ele só gosta é de ser bajulado. Julga que é rei de Portugal e, infelizmente, há quem o trate como se fosse. Mas se olharmos para o país vizinho, Espanha, veremos que Felipe VI tem dignidade, não envergonha o país fazendo as figuras de MRS. O problema de não existir contestação é que grande parte do povo está à espera do “pão com chouriço” gratuito…  E alguns até querem censurar as notícias…  Que raio de “democracia” esta! Espero que haja mais gente como os homens corajosos de Murça.              Djata Malinké: É de louvar aquilo que você faz para alertar os portugueses da situação do país e da desgraça que ai vem mas, a grande maioria dos portugueses (talvez uma herança da ditadura) não tem espírito de revolta! Vão aguentar tudo até uma nova bancarrota…             João Floriano: Excelente e demolidor artigo a encerrar 2022 que não deixa qualquer saudade. Também 2023 não augura nada de bom, com a situação nacional e internacional em acelerada degradação. Muito triste quando em vez de respeito genuíno e confiança nos nossos governantes, eles nos suscitam apenas respeitinho e mais triste ainda quando para além das tímidas intervenções de Murça, não somos capazes de manifestar a nossa indignação. A explicação talvez possa ser dada pelo número cada vez menor de indignados substituídos pelos conformados. Em 2019, durante a campanha para as legislativas, António Costa perdeu a cabeça e o pouco verniz que cobre a sua má educação e impaciência e enfureceu-se com um idoso que o confrontou. Foi um momento de indignação semelhante ao de Murça mas que acabou por ser inconsequente. Hoje falamos dele como um momento de folclore político, tal e qual como Murça em que Marcelo acabou por insultar os descontentes não só os de Murça como os do resto do país chamando-lhes ressabiados com o resultado eleitoral e por que não ingratos perante a excelência da governação PS e da actuação do PR? Junto-me a AG na incompreensão das qualidades de Pedro Nuno dos Santos. Meteu-nos a corda no pescoço com a questão da TAP, coadjuvado pelos partidos da esquerda, não compreendo os sucessos na ferrovia para além do tal passe ferroviário, a questão doTGV continua na mesma e sinceramente não consigo encontrar resoluções sobre a questão habitacional. Deixa também  por resolver a questão da localização do NAL, mas aí as culpas podem ser facilmente transferidas para o partido principal (???) da oposição ( não estou a falar do CHEGA) que não se decide. No entanto o ex ministro PNS suscita os mais rasgados elogios por parte da ala mais esquerda do PS, com Ana Gomes à cabeça, desejosa de retribuir o apoio que lhe foi dado quando concorreu a PR (consolemo-nos com a ideia de que em vez de um entertainer  bocanudo poderíamos ter hoje uma lunática vingativa em Belém). Quando retomar a sua vida política na AR, esperamos ver PNS sentado junto ao Bloco trocando sorrisos cúmplices e bilhetinhos com Catarina e Mortágua. Uma coisa já sabemos: PNS não tem poderes para prever o futuro porque já saiu do governo e Ventura ainda continua no seu lugar. Se estivermos cá todos daqui a um ano esperando 2024, prevejo que o artigo de encerramento de 2023 não será muito diferente do de hoje. Por isso aconselho AG a arquivar este texto porque a 31 de dezembro de 2023 bastará fazer copy paste e mudar uns nomes e uns escândalos e está feito. Boas entradas e não se engasguem com as passas porque engasgados já andamos todos nós com toda esta gente a apertar-nos o gasganete.             Maria da Assunção Gaivão: Excelente artigo. Portugal afunda- se , por muito que me custe dizer, por causa duma Assembleia da Rebública completamente “ fora de prazo”, basta ver o que por lá é aprovado e ou chumbado…O polvo deste partido socialista, no dia em que perdeu eleições para Passos Coelho aliou se de forma cobarde aos stalinistas do PCP e restantes partidinhos dos grafitti - a geringonça veio engordar as ambições de Costa e do PS e tomaram de assalto todas as instituições do Estado perante a conivência do PR e a total ausência dum PSD q não é oposição . Só a dissolução do Parlamento evitará um caos maior. O PR “acha” q o resultado “pode” não ser esclarecedor? Uma coisa é certa : tem medo da voz do povo ! A História não lhe vai perdoar.      Amigo do Camolas: Por trás das cestas de presentes (240 euros) de fim de ano, dos políticos sóbrios que enterraram mais de 4 mil milhões na TAP e agora agem como bêbados dizendo que não fazem a minima ideia do que lá se passa, - e de toda a conversa sobre como roubar empresas que obtiveram lucros excessivos -, há uma bolha de gestores públicos gordos que nada mais são do que o crime organizado. E pelo Rei de São Bento e pelo seu bobo da corte de Belém eles tinham o tempo todo do mundo para continuar a roubar todo mundo cego. O crime organizado tornou-se o respeitinho.               Alfaiate Tuga: A única preocupação deste governo é que não se acabe o dinheiro para pagar salários e pensões, está farto de saber que no panorama actual uma banca rota seria a única forma de ser corrido do poder, entre pensionistas e funcionários públicos são mais de três milhões e meio, o governo sabe que enquanto mantiver estes contentes pode empregar a família toda no governo e empresas públicas e indemnizá-los a todos sempre que mudem de tacho que não passa nada. As contas certas são o alfa e o omega do governo, a inflação que empobrece a maioria dos portugueses trouxe receita extraordinária que permitiu ao governo distribuir algum guito pela população para animar o circo e fingir que está preocupado com a miséria a que tem conduzido Portugal.  A carga fiscal que alimenta os dependentes do estado e desmandos do governo também asfixia a economia e espanta o investimento, já repararam há quantos anos não vêem um grande investimento privado em Portugal, por toda a Europa estão a ser construídas novas fábricas de automóveis e baterias, por cá nem uma, desconfio até que alguns vão é descontruir….a última vez que ouvi falar na unidade de produção de hidrogénio em Sines, foi para ouvir da boca dos potenciais investidores que nas condições atuais não era viável…Como saímos disto sem ser com um banca rota? Pois não é fácil mas não é impossível, primeiro o PSD tem que se construir como uma verdadeira alternativa ao governo, não consigo perceber como é que não tem ainda um governo sombra constituído por gente credível que ocupe o espaço mediático explicando o que faria diferente no sentido de melhorar a vida da maioria dos portugueses,  não é a espalhar cartazes a fazer queixinhas do actual governo que lá vai, apresente alternativas sérias e credíveis, pois caso contrário verá mais votos a fugir para o chega contribuindo mais ainda para aumentar o circo em que já se transformou Portugal.             Censurado sem razão: Alberto Gonçalves, obrigado! Aqui beija-se a mão que nos rouba a comida. A melhor descrição do povo português alguma vez escrita. É esta a razão da nossa miséria moral e económica. Tenham um bom ano, mesmo sob o jugo deste socialismo autoritário. São sinónimos não é?            Jorge Tavares: Para o drama de um país em uma maioria relativa do eleitorado votante insiste em eleger e reeleger um bando de parasitas, os artigos de Alberto Gonçalves servem pelo menos um consolo. Estão a acumular um conjunto de denúncias e acusações a dirigir a esse contingente do eleitorado. Para já, é só ele a acumular o portfólio. Quando a altura chegar, será a vez da parte restante do eleitorado de recorrer ao repositório e lançá-lo à primeira parte, parte essa que muito fez pela decadência de Portugal.         José Ramos: Tremendo e justo artigo, Alberto Gonçalves. Um bom ano de 2023 para si e para as pessoas que ainda pensam em Portugal.            Tomás Nunes: Uma análise brilhante! Parabéns AG!          Rui PJoao R: A Lufthansa já devolveu toda a ajuda que recebeu com juros ao estado alemão. No nosso Burgo nem 1 euro vamos receber!!!!! ……………………

 

Para rematar o ano


E iniciar o próximo, sem o espectro do “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, que isso também provém de educação…

Mas, sim, mudança sempre para pior, connosco, está visto… Faltou falar nos “paraísos fiscais” como causa dessa “cauda”, de que trata excelentemente João César das Neves... Paraísos de dinheiros ganhos ilicitamente, diz-se, por conta do empréstimo estrangeiro, absorvido a haustos de deslumbramentos próprios de pessoas pouco habituadas a elas, como já o afirmava o “Vaqueiro” do Monólogo introdutor da arte vicentina nos palcos portugueses:

«Rehuélgome en ver estas cosas

Tan hermosas

Que está hombre bobo en vellas

Véolas yo; pero ellas

De lustrosas

Á nhosotros son dañosas ….

 O regresso da “cauda da Europa”

Em 1994 o Banco Mundial colocou-nos no grupo “high income country”. Desde então somos oficialmente um país rico. Não admira que vendamos as pratas da casa e vivamos de rendas, como fazem tantos ricos.

JOÃO CÉSAR DAS NEVES Professor da Católica Lisbon School of Business & Economics

OBSERVADOR, 30 dez. 2022, 00:1632

Há poucas semanas houve grande alvoroço devido ao facto de, segundo as estimativas europeias, em 2024 Portugal vir a ser ultrapassado pela Roménia. Isso, naturalmente, gerou muita tensão, pesar e questionamento, regressando o velho mote da “cauda da Europa”. Quanto entrámos na CEE em 1986 o nosso país era o mais pobre de todos os estados-membros (produto interno bruto por pessoa em paridade de poder de compra a preços correntes, código HVGDP da série oficial europeia AMECO). Assim se manteve até 1995 quando, entrando dez países de Leste, nove dos quais mais pobres (a exceção era Chipre), passámos para meio da tabela (15º) dos atuais 27. Acabou-se a cauda da Europa.

Foi já neste século que começou o processo das ultrapassagens. Algumas mostraram-se efémeras, mas as duradouras foram da Eslovénia (2003), República Checa (2007), Malta (2009), Lituânia (2018) e Estónia (2020). Como subimos acima da Grécia (2011), a posição em 2022 era 19º nos 27. Agora somos ameaçados por três parceiros, Hungria, Polónia e Roménia. Assim, podemos contar cair em breve para 22º lugar, apenas superando Croácia, Letónia, Eslováquia, Grécia e Bulgária. Pior, a taxa de crescimento do produto por pessoa até à pandemia, de 2000 a 2019, foi a sétima mais baixa dos 27, acima só da Grécia, Itália, Suécia, Holanda, França e Finlândia. Assim não se converge para os países da frente.

Por que razão tal aconteceu? A generalidade das respostas refere a má qualidade dos governos. Mas isto, em si, chega para explicar o atraso: um país que, quando trata de crescimento económico, pensa logo em política, não admira que não cresça. É verdade que temos vários problemas no aparelho do Estado e orientação estratégica, com destaque para a captura corporativa dos ministérios, ofuscando o interesse nacional. Mas a lição mais básica que um povo tem de aprender acerca do desenvolvimento é que este constitui um fenómeno económico, determinado no sistema produtivo. O resto ajuda ou complica, e em Portugal complica bastante, mas não pode fazer.

Entre os poucos que referem razões económicas, existe uma preferida: a entrada no euro. O argumento é simples: foi desde que aderimos à moeda única que o nosso crescimento empatou. Mas esses nunca explicam como é que uma moeda estável pode prejudicar o crescimento produtivo; para mais quando ela não parece inquietar as outras economias que connosco aí convivem.

Existe uma outra razão, muito mais plausível e omissa nos debates: a descapitalização da economia. Portugal não tem capital. Isso deve-se, não a esforços da esquerda radical, sempre inimiga do “grande capital”, mas a erros crassos desse mesmo capital. O nosso país, muito antes da entrada no euro, apresentava uma taxa de poupança decrescente, ultimamente em níveis miseráveis. A dívida nacional é gigantesca, não apenas no Estado mas em todo o país. Entretanto vendemos activos imobiliários e empresariais ao exterior para sustentar o consumo. O sistema bancário, como foi aparatosamente evidente, esbanjou fundos milionários em tolices não produtivas, acabando combalido e alienado a forasteiros. Pior, “crescimento”, “produtividade”, “competitividade” deixaram de ser temas centrais do debate nacional, como foram até meados dos anos 1990. Aquilo que realmente domina o palco mediático são as contas do Estado, as preocupações de pensionistas e professores, regalias, subsídios, direitos, sem que ninguém questione como tudo isso se paga.

Existe um facto que, ao contrário do euro, está directamente relacionado com todas estas dimensões: em 1994 o Banco Mundial colocou-nos no grupo de “high income country” (país de alto rendimento), o topo da classificação global. Desde então somos oficialmente um país rico. Não admira que não poupemos, nos endividemos, vendamos as pratas da casa e vivamos de rendas, como fazem tantos ricos. Uma coisa é certa: há 30 anos que, como nação, perdemos aquele fervor dinâmico que tínhamos em décadas anteriores; o entusiasmo que ainda se vê na Roménia, nos vizinhos e até nos nossos parceiros mais abastados.

Assumimos que somos ricos. Vivemos numa democracia sólida; temos um nível de vida razoável; gozamos de excelentes condições sociais (face às que tínhamos e às que tem a esmagadora maioria da humanidade); até conseguimos maioria absoluta, coisa com que os parceiros sonham impotentes. Em resumo, o país anda contente. Aquilo que nos perturba são epifenómenos pontuais, como pandemia, inflação, derrota no mundial e, claro, as infindas reivindicações setoriais, nunca suficientemente satisfeitas, e que só seriam sustentáveis se voltássemos ao desenvolvimento económico de outras eras.

Assim não admira que acabemos na cauda da Europa. A qual, tudo somado, até nem é um mau sítio para estar. Quanto ao brio de vencer desafios, ganhar posições, resolver problemas estruturais, ajudar desfavorecidos, são preocupações típicas de países pobres, atrás da cauda da Europa. Ou então de países dinâmicos na cabeça da Europa.

ECONOMIA EM DIA COM A CATÓLICA-LISBON   OBSERVADOR   CRESCIMENTO ECONÓMICO   ECONOMIA

Henrique Mota: João, escreva mais neste jornal. É cá preciso.            Vitor Batista: Ou seja, como explicar o seu artigo a um bom xuxalista? não é possivel, terão de chocar de frente com a realidade, porque como diz e bem, eles só se preocupam com os direitos adquiridos, os funcionários públicos, as rendas do estado aos comparsas, e claro está, o ódio que nutrem ao grande capital, e ainda ontem estava a ouvir o contra-corrente, e lá veio mais um ouvinte a defender politicas patrióticas de esquerda, eles não desistem!               Censurado sem razão > Jorge Freitas: Não acha que isso ainda enterra mais Portugal? Era isso que deveria dizer. Com menos tempo de UE já nos ultrapassaram. Curiosamente tudo países que viveram o jugo socialista. Mas continuamos a manter o caminho para o socialismo na nossa constituição. Como pode ver, adoro o socialismo. Vejo em cada socialista um filho da dita de primeira água. Vejam dos países desenvolvidos quantos professam o socialismo. Nenhum!       Rui Lima: JCN , era seu leitor no DN é com prazer que o volto a ler no  Observador , um desafio para si neste espaço explicar  como outros países deram a volta por cima . Como falou na nossa moeda , o Euro é “culpado”  por ser bom demais,  impede uma crise violenta ou seja querer comprar trigo  e não ter divisas  e Portugal só muda  com uma crise a sério. A Nova Zelândia em 1984 tem uma crise cambial  ou seja não tem dinheiro foi obrigada a reformar tudo, tinha déficit gémeos, desemprego ….era o país em pior situação da OCDE  o governo de David Lange líder dos trabalhistas é eleito e faz grandes reformas que ainda hoje fazem deste país o menos corrupto   e uma das economias mais  competitivas do mundo . Apenas um exemplo dessas reformas na Nova Zelândia  carta de condução,  em Portugal é a confusão milhares com cartas caducadas porque há 3 situações  para renovar consoante a data do exame , que fez lá o ministro foi saber a quantos era retiradas  aos 35 depois aos 45 ….por incapacidade quase ninguém passa a primeira renovação para  65 , até lá existe a responsabilidade individual é caso de perda de capacidade ou seja não chateiam milhões por 4 ou 5 casos . Alguém sabe em Portugal quantas cartas de condução  são anuladas aos 35 anos aos 45 … devia ser publicado as percentagens de anulações  e veríamos que é burocracia sem necessidade.                Censurado sem razão: Será que essa pergunta ainda se faz? Se o PS dá e a UE subsidia? Você disse numa entrevista que já tinha desistido porque o povo era isto que queria. Aí tem o resultado. A miséria moral, ética e económica instalada. O aparelho de estado totalmente tomado pela esquerda, mas o povo anda contente. Esperemos agora por novas entradas na UE para deixarmos a cauda da Europa. É isso será considerado mais uma vitória do socialismo.              klaus muller: Excelente análise. É uma pena este senhor não escrever mais vezes no OBS.                 Liberales Semper Erexitque: Que estranha coincidência é que a "pasmaceira" económica de Portugal coincida com os guterrismos, versões 1, 2 e 3, a actual. E saem mais 3000 milhões para eles brincarem aos aviões e prendas diversas. Paga Fritz! Quando for o Zé a pagar é que vai ser bonito.            Sérgio Jorge Freitas: Vá  lá  ler o Avante ou a Bola...          Mario Silva > Jorge Freitas: Independentemente desse lapso, o que está escrito no artigo é, na sua totalidade, verdadeiro.

Afinal havia outra

 

Conta a pagar e paga, pelos pagantes habituais. E outros casos há, que são a nossa movimentação de brandos, blandiciosos costumes, e que extraio do OBSERVADOR, a seguir ao texto de ANA SUSPIRO.

I TEXTO: TAP

Compensação a Alexandra Reis custou mais de 600 mil euros à TAP, mas Estado arrecadou metade

Os custos para a TAP da compensação a Alexandra Reis superam os 600 mil euros, segundo fiscalistas ouvidos pelo Observador. Mas cerca de metade acabou no Estado via impostos e Segurança Social.

ANA SUSPIRO: Texto

30 dez. 2022, 21:12 1 

TIAGO PETINGA/LUSA

Os custos para a TAP da compensação atribuída a Alexandra Reis pela rescisão antecipada de contrato são mais elevados do que os 500 mil euros que a antiga gestora recebeu nos termos do acordo divulgado. Não sendo conhecido ao certo os contratos, há interpretações diferentes sobre a tributação a aplicar por parte dos fiscalistas contactados pelo Observador, mas o custo para a transportadora, em qualquer dos casos, será superior a 600 mil euros, sendo que deste cerca de metade vai para o Estado.

Dois fiscalistas ouvidos pelo Observador defendem que por ser uma empresa com prejuízos fiscais em 2022, a TAP terá de pagar uma tributação autónoma de 45% ao Fisco sobre a componente do pacote financeiro que é entregue a título de compensação por rescisão antecipada. Um terceiro fiscalista diz que tal tributação só seria exigida caso se tratasse de uma indemnização que fosse além de prestações remuneratórias, mas ainda assim destaca os custos que a empresa terá de suportar em taxa social única pelos valores pagos à antiga administradora.

As contas feitas apontam para um encargo adicional de mais de 100 mil euros, entre os 105 mil e os 176,7 mil euros, consoante o cenário de a TAP ter de pagar apenas TSU ou ter, por outro lado, de entregar também uma tributação autónoma de 45%.

É preciso assinalar, ainda, que os valores indicados pela TAP do pacote de compensação à antiga administradora — remuneração correspondente a 12 meses, férias não gozadas e rescisão de vínculo contratual  — são brutos. Depois de impostos e eventuais contribuição à Segurança Social, os valores líquidos são inferiores.

Um dos fiscalistas consultados pelo Observador Luís Leon, indica que pelas remunerações é devida uma taxa de 11% à Segurança Social por conta do trabalhador. O IRS depende dos rendimentos totais declarados e da situação fiscal, mas a taxa será superior a 50%, admite. Alexandra Reis terá recebido em termos líquidos menos de metade do que pagou a TAP, considera o fiscalista que lembra que, para este nível de rendimento, o Estado (Fisco e Segurança Social) pode ficar com até dois terços do que a empresa gasta.

Segundo o esclarecimento dado pela TAP ao Governo, o montante atribuído de 500 mil euros é composto por três parcelas: 336 mil euros de remunerações por vencer correspondentes a um ano de salário, 107.500 euros de remuneração por férias passadas não gozadas e 56.500 euros de compensação pelo fim do vínculo de trabalho. Alexandra Reis tinha começado por pedir 1,479 milhões de euros.

Rogério Fernandes Ferreira, sócio da RFF Associados considera que sendo a indemnização devida, em parte, pelas funções enquanto directora e, noutra parte, enquanto administradora, o montante pago deverá ser considerado pela totalidade e sujeito a tributação em sede de IRS, às taxas gerais, neste caso, à taxa máxima de 48%, mais taxa adicional de solidariedade de até 5%.

Já em matéria de Segurança Social, defende que a referida indemnização não integra a base de incidência contributiva, por resultar de um acordo alcançado e “assumindo que não dê direito a prestações de desemprego, e como tal não pagará Segurança Social sobre este montante.”

Fernando Castro Silva, sócio do escritório de advogados Garrigues, concorda que o IRS deve incidir sobre a totalidade do valor recebido, embora admita a possibilidade da indemnização relativa ao contrato de trabalho poder ficar de fora. A taxa a aplicar aos 443.500 euros será a máxima de 48% à qual é preciso somar a taxa de solidariedade de 2,5% acima dos 80.000 euros de rendimento e 5% acima dos 250 mil euros.

Pelas contas do Observador, o IRS ascenderia a mais de 220 mil euros.

Mas quanto gastou a TAP?

Logo na segunda-feira e quando ainda não eram conhecidos os detalhes da compensação, mas sabia-se apenas um valor (500 mil euros), Fernando Castro Silva divulgou no seu Linkedin um encargo adicional de 225 mil euros, face aos meio milhão de euros noticiado, respeitante à tributação autónoma de 45%, a percentagem mais elevada que se aplica a empresas com prejuízos fiscais, como é o caso da TAP. Cálculos que serviram de base à notícia do DN que indicava um custo para a TAP total de 725 mil euros.

Depois de divulgados os termos do acordo financeiro e respetivas prestações, o Observador pediu ao sócio do departamento fiscal da Garrigues para reavaliar as contas. É sobre o valor atribuído a título de compensação por cessação do mandato — 336 mil euros que correspondem aos vencimentos de um ano — que deverá “recair a tributação autónoma à taxa de 45% no caso da TAP devido a, segundo presumo, averbar prejuízo fiscal em 2022. Assim, esta tributação autónoma custará à TAP 151,2 mil euros”.

O jurista exclui da tributação autónoma os valores pagos a Alexandra Reis a título de cessação do contrato de trabalho com a TAP — 56.500 euros. E no que toca aos 107.500 euros de férias não gozadas, que também fazem parte da compensação, incluirá um montante de taxa social única (paga à Segurança Social) de 25.531 euros.

Ou seja, na análise de Fernando Castro Silva, a compensação à gestora custou à TAP mais 176,7 mil euros do que valor bruto recebido pela gestora, num total de 676,7 mil euros.

Uma leitura diferente faz Luís Leon da consultora Ilya. Para este fiscalista, não haverá lugar ao pagamento de tributação autónoma porque esta aplica-se à “parte da compensação que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato”, como estabelece o número 13 do artigo 88.º do Código do IRC. Para Luís Leon, a compensação de 336 mil euros relativa a 12 meses de salário está dentro do valor das remunerações que seriam recebidas por Alexandra Reis que ainda tinha três anos de mandato por completar quando saiu em fevereiro de 2022.

 “Só há tributação autónoma na parte que excede o valor das remunerações que seriam auferidas até ao fim do mandato”. O fiscalista dá como exemplo, de valores que estariam abrangidos pela tributação autónoma, as indemnizações dadas a gestores a contrapartida de não irem trabalhar para empresas concorrentes.

euros. Mais 105 mil euros que o valor bruto recebido pela gestora. Mas sendo remuneração, para Luís Leon há a obrigação de pagamento pela TAP de TSU sobre os 12 meses de salário (330 mil euros), que se estende ao valor das férias não gozadas. Às empresas cabe uma taxa social única de 23,75%. Com a taxa à Segurança Social sobre estas prestações, o custo total para a empresa será de 605 mil

O fiscalista Rogério Fernandes Ferreira tem outra perspetiva e alinha com a obrigatoriedade de a TAP pagar tributação autónoma agravada de 45% porque a empresa terá prejuízos fiscais em 2022. E remete para a parte da norma já citada do código do IRC, segundo a qual esta tributação aplica-se a “gastos e encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor ou administrador”.

Para Rogério Fernandes Ferreira, esta norma não deixa dúvidas “quanto ao respetivo enquadramento da indemnização paga à ex-administradora e, consequentemente, aplicação da tributação autónoma”. O facto de ter existido uma renúncia por parte de Alexandra Reis após ter chegado a um acordo com a TAP “em nada altera esta conclusão na medida em que o pagamento daquela indemnização se deve à cessação de funções de administração e não a qualquer tipo de concretização de objetivos de produtividade”.

O Observador questionou a TAP sobre os custos totais da compensação, mas não obteve resposta.

TAP   EMPRESAS   ECONOMIA   IMPOSTOS

COMENTÁRIOS:

bento guerra; Não insinuem que a madame Medina soube destas coisas , nem mesmo entre amigas. Eles são o Estado e donos dos nossos impostos.

Tiago Maymone: Esta criatura sai da TAP para ir para o governo e ainda pede compensações. Mais todos os compadrios dos xuxas pelo meio. Mas, claro, daqui a três meses ninguém se lembra disto. E alegremente vamos passando por isto. De qualquer forma penso que posso afirmar isto: eu faço contas para saber se posso assinar um jornal, por exemplo o Observador, é que assinatura escolho. Esta tipa pode assinar todos os jornais do mundo, mas não creio que seja mais feliz que eu. And that goes for all their lot.

II- Do mesmo OBSERVADOR:

a) António Costa não afasta concorrer a novo mandato:

Numa conversa com Francisco Pinto Balsemão, gravada antes da crise política, o primeiro-ministro disse que logo verá o que fará quando terminar o mandato, não afastando uma recandidatura: Não é de estranhar:

 Não, de estranhar seria se dissesse que não sabia o que quer ou que queria.

b) PRESIDENTE DA REPÚBLICA

As pressões e os recuos de Marcelo no caso TAP

OBSERVADOR: “Presidente assumiu-se como protagonista de um caso polémico no Governo: desde que a notícia foi conhecida apenas esteve em silêncio um dia. Antes disso, assumiu várias posições sobre o mesmo tema.”

Não é só sobre os temas políticos que o Presidente Marcelo se debruça, está visto, mas no caso das selfies ele debruça-se em sentido contrário, com mais hipóteses de cair, coitado, Deus o ampare.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Um tema importante

 

Um tema importante

Em final de ano. Por Teresa de Sousa, sempre aprumada e perspicaz, nas suas buscas de respostas, desta vez em entrevista, às interrogações a respeito do posicionamento da Europa, num mundo de competições.

Balanço 2022

Susi Dennison: na competição EUA-China, “a Europa não vai querer escolher de que lado está”

Em 2022, a resposta da Europa à guerra foi mais rápida, mais coesa e mais forte do que se poderia prever. O seu maior desafio daqui para a frente é ter visão clara do mundo que emergirá desta guerra.

TERESA DE SOUSA

PÚBLICO, 27 de Dezembro de 2022, 21:00

Foto: Em relação à guerra na Ucrânia, “a resposta da União Europeia foi mais rápida, mais forte e mais coesa do que a maioria de nós poderia antecipar”, diz Susi Dennison DR

Susi Dennison dirige o European Power Programme do European Council on Foreign Relations, sendo a sua área de investigação preferencial a política externa e de segurança europeia. Na entrevista via Zoom que concedeu ao PÚBLICO, insiste em que a Europa não precisa de abdicar das suas particularidades próprias para ganhar influência à escala global.

A guerra na Ucrânia é, certamente, a maior crise que a União Europeia já teve de enfrentar. Até agora, os governos e as instituições europeias lidaram bastante bem com ela, talvez graças à liderança americana. Isto quer dizer que a Europa percebeu finalmente em que mundo vivia?

Sim. Se olharmos para este último ano, direi que a resposta da União Europeia foi mais rápida, mais forte e mais coesa do que a maioria de nós poderia antecipar. Na mudança sísmica que resultou na vontade de pôr de pé os sucessivos pacotes de sanções, na vontade de coordenar o apoio militar à Ucrânia ou de adoptar os mecanismos de protecção para os refugiados, vimo-la tomar decisões que nos pareceriam inconcebíveis há apenas dois ou três anos, na sua capacidade de funcionar como um actor político. Mas vamos enfrentar agora maiores dificuldades para continuarmos a manter-nos juntos. Há dificuldades na aplicação dos pacotes de sanções e, à medida que entramos no Inverno, há custos económicos e políticos que decorrem dessas decisões que podem fazer-se sentir em alguns Estados-membros. Há algum risco de que este consenso se quebre, até porque creio que nos devemos preparar para um cenário de guerra prolongada. Inicialmente, havia na maioria das capitais europeias a ideia de que estávamos perante uma mudança profunda, mas também continuava a prevalecer o entendimento de que, numa perspectiva de mais longo prazo, as relações com a Rússia poderiam ser retomadas. Agora, a realidade com que a Europa se confronta é a de um mundo que mudou para sempre, que estamos perante um longo conflito, que não voltaremos rapidamente a um estado de paz na Europa e que vão continuar a sentir-se fortes tensões no sistema internacional. Lidar com os efeitos de longo prazo da guerra acabará por expor divisões entre os Estados-membros: que papel a aliança transatlântica deve desempenhar; que papel para a própria Europa no mundo, etc.

Estamos a caminhar para uma realidade internacional em que a competição, para não dizer o confronto, entre grandes potências se pode tornar o factor dominante. A Europa não estava preparada para este mundo. Pensa que consegue adaptar-se?

 Temos algumas coisas de que precisamos, mas ainda não temos as estruturas de decisão, por exemplo, que nos permitam, em primeiro lugar, mover-nos com a rapidez necessária e, em segundo lugar, conseguir equilibrar os objectivos, muito diferentes, que a Europa tem globalmente. Por exemplo, a adopção pelos Estados Unidos do Inflation Reduction Act (IRA) obriga os líderes europeus a ter de lidar com uma decisão fundamental: saber se devem continuar a agir de acordo com as leis internacionais consagradas na Organização Mundial do Comércio sobre as ajudas de Estado ou se, pelo contrário, devem dar prioridade à competitividade das empresas europeias ao longo do período de transição verde. São escolhas muito difíceis, sobre as quais os Estados-membros divergem. Creio que as estruturas europeias ainda não possuem este tipo de mecanismos para decidir como equilibrar a liderança europeia com a realidade de cada país. No geral, há ainda várias questões sobre como articular o nível europeu e o nível nacional de forma a tornar o processo político mais fácil para podermos ir mais longe. A realidade com que a Europa se confronta é a de um mundo que mudou para sempre, que estamos perante um longo conflito, que não voltaremos rapidamente a um estado de paz na Europa.

Hoje, a competição entre os EUA e a China pela hegemonia mundial é já o factor estruturante da ordem internacional. Também vemos que, em Washington e em Pequim, a competição tecnológica dominará o futuro. Ora, a Europa está a ficar para trás nestes domínios fundamentais.

Onde é que a Europa se coloca nesta competição? Qual é o seu lugar no mundo? Concordo que esse é o principal factor determinante do ambiente internacional. Creio que o que a Europa conseguiu, em 2022, quanto à percepção da Rússia como uma ameaça estratégica comum terá agora de conseguir também para avaliar colectivamente a sua relação com a China. Mas creio que há ainda uma forte dissonância entre as capitais europeias sobre como lidar com essa relação, em virtude dos fortes laços económicos de alguns Estados-membros com a China. A Europa não vai querer escolher de que lado está, nesta competição determinante. Vai tentar ser um actor global independente, que consegue gerir a sua relação com estes dois grandes actores globais, fazendo escolha independentes. Não sabemos ainda quais vão ser as repercussões da guerra na Ucrânia no que respeita à nossa dependência dos EUA e, provavelmente, nunca seremos equidistantes entre os EUA e a China, e ser independente não implica necessariamente que o sejamos. Mas creio que há escolhas fundamentais que a Europa terá de fazer, se quiser ter um papel relevante no sistema internacional. Será certamente um dos grandes desafios que vai enfrentar no próximo ano.

Mas por quanto tempo a Europa pode manter-se dependente dos EUA no que respeita à sua própria segurança e, ao mesmo tempo, manter as vantagens das boas relações económicas com a China? Os Estados Unidos vão pedir-lhe —​ já estão a pedir —​ uma definição.

Já estamos a enfrentar vários problemas novos, como, por exemplo, a necessidade de garantir cadeias de abastecimento a partir de locais muito mais próximos e mais confiáveis. Isso implica, por exemplo, criar relações mais fortes com a nossa vizinhança. Mas também sabemos que, no essencial, a Europa tem dificuldade em influenciar a narrativa global, em comparação com os EUA ou a China. Creio que o impacto das sanções nos mercados energéticos à escala global e a forma como o Sul global olha para as suas consequências será um factor-chave. Claro que a Europa se queixa da estratégia económica da Administração Biden que visa, precisamente, responder a alguns dos problemas que já referimos. Mas ainda não estamos a ver que seja capaz de entender-se sobre uma estratégia para lidar com essa nova realidade, que foi criada, primeiro, pela pandemia e, agora, pelo impacto económico da guerra. Em Berlim ou em Bruxelas, considera-se que não é uma boa ideia abrir uma guerra económica com os EUA. Em Paris, pensa-se de forma diferente.

De que é que a União Europeia precisa para conseguir lidar com este tipo de situações?

Eu diria que, se olharmos para os acordos em torno do fornecimento de energia, compreendemos que a Europa aprendeu a lição sobre as consequências da sua dependência em relação à Rússia. Mas o que a Europa constatou também foi que os EUA se tornaram rapidamente num importante fornecedor de energia, sobretudo com o gás natural liquefeito, o que quer dizer que há um forte risco de poder substituir uma velha dependência por uma nova.

Mesmo assim há uma enorme diferença.  Sim, mas em termos de relações económicas e da resposta ao Inflation Reduction Act, o que vemos é uma tendência nas capitais europeias para assumir que a relação transatlântica se vai manter confiável e benéfica. Ora, como verificamos com os anos de Trump, também pode deixar de o ser. O que tenho observado mais recentemente é que há uma ligeira mudança, maior prudência, nesse pressuposto de que os EUA são a potência na qual podemos sempre confiar. Essa ingenuidade acabou por se virar contra nós. A Europa sobrestimou a boa vontade da nova Administração no sentido de levar em consideração os interesses e as necessidades europeias. O Presidente Emmanuel Macron foi a Washington discutir tudo isto e não voltou com nada de concreto.

Sobre a resposta europeia, tem havido um relativo consenso em torno da ideia de que a Europa deve ser um actor económico de tipo diferente. A nossa própria abordagem da transição verde é diferente da dos EUA, quando tentamos pôr de pé uma liderança pelo exemplo, em vez de uma estratégia de “Europa primeiro”. Isto é importante e é positivo. Do meu ponto de vista, a Europa devia manter esta estratégia e demonstrar aos outros grandes actores mundiais que ela é possível. É crucial para a Europa defender que a cooperação internacional continua a ser indispensável para enfrentar os desafios globais e que é preciso que o sistema internacional que venha a emergir depois deste choque preserve este princípio.

O problema é que o mundo caminha em sentido contrário. É verdade e é esse o maior desafio que a Europa enfrenta neste momento. Mas creio que a sua afirmação como um actor geopolítico não deve ser apenas emular o comportamento dos outros actores globais. O que a Europa pode trazer para o palco internacional é uma abordagem diferente, que vai no sentido de reforçar a cooperação internacional e o sistema que a sustenta.

Qual será o melhor caminho para que a Europa se torne mais forte e mais influente no mundo? O caminho é trabalhar na coesão entre os Estados-membros, é delegar mais autoridade para o nível europeu nas áreas políticas fundamentais. Já há domínios em que isso acontece, como na economia. Precisamos de fazer o mesmo noutras áreas. Por exemplo, no domínio da energia, já foram dados uma série de passos ao longo deste ano, mas, quando chegamos à compra conjunta ou à transparência entre Estados, ainda há relutância. Mas não penso que a resposta esteja na criação de novas estruturas, até porque há que reconhecer que há bastantes diferenças entre as capitais europeias sobre o melhor caminho a seguir. Creio que se trata, sobretudo, de desenvolver uma percepção estratégica comum, uma compreensão comum sobre o mundo com que temos de lidar. Foi esta, creio, uma das razões pelas quais fomos capazes de reagir aos acontecimentos em 2022 muito mais depressa do que nos anos precedentes. Tenho esperança de que haverá condições para algumas melhorias institucionais, mas a nossa fraqueza tem residido fundamentalmente na falta de coesão política com que encaramos os desafios colocados pelo mundo que nos rodeia.

O problema é que a crescente influência de partidos extremistas e populistas em quase todos os países da UE dificulta essa coesão política.

O que acho interessante é que, quando esses partidos mais extremistas chegam ao poder, a própria realidade ou, se quiser, a situação geopolítica, obriga-os à contenção e a restringir muitas das promessas que fizeram antes. Vimos recentemente a mudança gradual de Giorgia Meloni, a partir do momento em que chegou ao poder em Itália. Não tem havido oposição às sanções aplicadas à Rússia. O Governo sueco não tem feito oposição às políticas de imigração, como se previa. Onde penso que há um risco da influência desses governos ao nível europeu pode ser em áreas de natureza mais global e internacional: por exemplo, nas políticas de combate às alterações climáticas.

Como é que a Europa vai reagir às consequências da guerra ao longo do próximo ano? Infelizmente, a guerra vai continuar. Penso que a UE chegou a um momento em que vai ser difícil ir mais longe em matéria de sanções económicas e até que vai ser mais difícil aplicá-las a nível nacional. A Europa não vai querer fazer muito mais, nomeadamente em matéria de ajuda militar, para evitar que essa ajuda possa contribuir para uma escalada que leve ao confronto com a NATO. Mas também não vai querer fazer menos. A opinião pública europeia e as lideranças europeias compreendem que esta é uma guerra que se trava na Europa e que resulta de uma agressão militar. Vão continuar, espero eu, com níveis similares de ajuda à Ucrânia, incluindo a ajuda militar, que os ucranianos têm demonstrado saber utilizar incrivelmente bem contra os agressores russos. Mas temo que, no próximo ano, iremos assistir a uma espécie de impasse ou a um conflito mais ou menos congelado. Também não vejo que a Rússia tenha muito mais ao seu dispor para conseguir alterar a situação.

Isso pode querer dizer que os cidadãos europeus vão ter de aceitar algumas mudanças nas suas prioridades. A Europa vai precisar de gastar muito mais com a defesa e, provavelmente, menos no Estado social. Penso que os europeus não estão preparados para abdicar do seu modelo social. Se olharmos para as sondagens, vemos que estão extremamente preocupados com a situação económica. Mas também percebem que este modelo, assente no pagamento de impostos elevados como contrapartida para uma qualidade de vida cada vez melhor, está em grande medida posto em causa. É por isso, aliás, que estão mais disponíveis para votar em partidos que antes ocupavam os extremos — querem experimentar outra coisa. Creio que será extremamente perigosa uma mudança que valorize as despesas militares e de segurança e que abandone o financiamento do modelo social. Mas reconheço que são escolhas muito difíceis. É importante, também, que se compreenda o papel que a própria UE desempenha no que diz respeito à nossa segurança, entendida em termos mais globais. De facto, ela pode agir como uma potência de dimensão continental, quando são as grandes potências de dimensão continental que estão a ditar as regras do jogo. E isso também contribui de forma fundamental para a segurança europeia.

A nossa fraqueza tem residido fundamentalmente na falta de coesão política com que encaramos os desafios colocados pelo mundo que nos rodeia.

Falou da importância da dimensão continental. Como é que a Europa deve lidar com o alargamento à Ucrânia, Moldova ou aos Balcãs ocidentais? Penso que é um mau momento para isso, quando a Rússia está a travar uma guerra de agressão também contra a ideia do Estado de direito. Não creio que encontrar atalhos para facilitar novas adesões seja útil. Penso que é vital percorrer o caminho das reformas económicas e políticas necessárias aos países que querem entrar, ou seja, respeitar os Critérios de Copenhaga. Mas também considero que, num ambiente de segurança que é ameaçador para esses países, devemos assumir compromissos e reforçar a cooperação em domínios como a energia ou a segurança. Há imenso espaço de cooperação que podemos desenvolver com esses países. A ideia de Comunidade Política Europeia de Macron pode ser um bom modelo para desenvolver esta cooperação.

Como é que olha para o mundo em 2023? Está pessimista?  Sou optimista por natureza, mas penso que estamos a viver tempos muito ameaçadores. E penso que muito vai depender da capacidade dos líderes europeus para gerir bem as tensões políticas que têm mantido o processo de integração a funcionar até hoje. Precisamos que os nossos líderes sejam capazes de responder aos desafios que os nossos cidadãos encaram com maior receio. E penso, sobretudo, que a União Europeia não se pode dar ao luxo de não ter uma visão clara para enfrentar o novo ambiente internacional com que tem de lidar.

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