sábado, 3 de dezembro de 2022

Lembrando um provérbio


“In vino veritas”, para algumas pessoas, não para todas, é claro, embora por vezes pareça que sim. Eu diria antes, que na “toleima”, na pretensão do fazer diferente, com a sua verdade irracional ou puramente pedante. “De armar aos cucos”, como se dizia na minha infância despassarada, mas já entendida nas questões da prática mundana a respeito das verdades e seus artifícios, de que Paulo Tunhas magistralmente descobre a careca, nos dias de hoje, não diferentes dos passados, como lembra aquele, reportando-se aos clássicos… As contradições que a distância favorece!… Estivessem esses e essas mais perto do “sítio” e diverso seria o empolgamento, j’en suis sûre.…

Tempo de guerra e tempo de paz

As senhoras eurodeputadas do PS provavelmente não desejam nem o regresso da U.R.S.S. nem o fim da NATO (talvez…), mas estão, é mais do que lícito supor, preparadas para todas as cedências a Putin.

PAULO TUNHAS

OBSERVADOR, 01 dez 2022, 07:2130

Não há, de facto, nada de novo sob o sol. Vem no Eclesiastes: há para tudo uma altura e um tempo certo – um kairos, diz-nos a versão grega dos setenta, a Septuaginta, aquela que Frederico Lourenço se empenhou em traduzir – para cada coisa. Há um tempo certo para a guerra e há um tempo certo para a paz. E o erro e a tontice manifestam-se a todo o momento. Como, por exemplo, quando se confunde o tempo da guerra com o tempo da paz.

Foi esta confusão que fizeram quatro eurodeputadas do PS (Maria Manuel Leitão Marques, Margarida Marques, Isabel Santos e Isabel Carvalhais) a 23 de Novembro, quando, no Parlamento Europeu, se abstiveram da votação da resolução intituladaReconhecimento da Federação Russa como um estado patrocinador do terrorismo”. Quatro em nove eurodeputados do Partido Socialista. A resolução foi aprovada por 494 votos a favor, 58 contra e 44 abstenções. Entre as abstenções contam-se também as dos dois eurodeputados do Bloco. E entre os votos contra, infalivelmente, os dos dois eurodeputados do PC.

É interessante verificar a continuidade que existe entre certos argumentos das eurodeputadas do PS, os do Bloco e os do PCP. Um deles tocou-me particularmente. Segundo Isabel Santos, que exprime uma posição que suponho partilhada pelas suas três colegas de bancada, “a adopção desta classificação arrisca condicionar negativamente o futuro” e visa “inviabilizar qualquer solução diplomática”. Margarida Marques, de resto, também diz que a adopção da resolução implica iniciativas que “são bloqueadoras da manutenção de canais diplomáticos que serão essenciais para uma futura resolução do conflito”. O Bloco não diria melhor. Para este, com efeito, a resolução é “contraproducente do ponto de vista da luta por uma paz justa”. E o PC declara que ela “visa obstaculizar, ou mesmo impossibilitar, o necessário diálogo com vista à resolução pacífica do conflito”.

Esta coincidência é muito esclarecedora. Toda esta gente partilha uma idêntica convicção: a de que devemos, em tempo de guerra, viver imaginariamente, no presente, a paz. Sublinho: no presente. Porque não se trata apenas de pensar numa paz futura e de imaginar como poderá ela ser concebida. Trata-se mesmo de condicionar o presente pela antecipação neste do futuro. Dito de outra maneira, vive-se simultaneamente em dois tempos distintos: o tempo da guerra e o tempo da paz. E, como é bom de ver, o futuro, a paz, deverá ter a primazia sobre o presente, a guerra. O que significa que a batalha travada pelos ucranianos na defesa do seu país assaltado pela inominável barbárie russa que pretende criar um novo Holodomor através do frio e das privações da população civil deve ser limitada em benefício do futuro. Um futuro que acreditam negociável com uma tão fiável personalidade como a de Putin.

Claro que é necessário fazer distinções. O PCP praticamente não esconde o seu desejo da subjugação russa da Ucrânia. A sua posição é ditada por um duplo entusiasmo: negativo (contra os Estados Unidos e, mais genericamente, contra as democracias liberais) e positivo (a sua alucinação, na Rússia de Putin, do defunto império grande-russo da União Soviética). O Blococujo principal mentor, Francisco Louçã, ainda há pouco gozava, em esgares televisivos, com o Holodomor — vive numa contradição: reconhece à Ucrânia o direito de se defender, mas nega à Ucrânia o direito de recorrer ao auxílio da NATO, pela extinção da qual milita. Esta contradição, perceptível ao mais obtuso dos espíritos e que trai as origens ideológicas do Bloco, não o incomoda. Também é verdade que ninguém se dá ao trabalho de lha lembrar. As senhoras eurodeputadas do PS provavelmente não desejam nem o regresso da U.R.S.S. nem o fim da NATO (talvez…), mas estão, é mais do que lícito supor, preparadas para todas as cedências a Putin. A antecipação da paz na guerra, a confusão dos tempos certos para uma e para a outra, ocupa-lhes por inteiro o espírito. Ao ponto de não notarem o óbvio: o radical e ilimitado desejo de destruição do Kremlin. Apesar de tudo o que se vê e se sabe, escancarado em imagens e palavras. O erro e a tontice manifestam-se, de facto a todo o momento. E elas excedem-se em ambos.

É curioso como a palavra “paz” está em todas estas bocas. Tendo simultaneamente em conta a brutalidade da invasão russa e o sofrimento e a heroicidade da Ucrânia e os motivos que agitam aquelas cabeças, uma pessoa apanha-se a pensar que ela lhes devia queimar os lábios. Provavelmente, todas estas criaturas manifestam (e bem) o seu horror pelo encobrimento activo dos casos de pedofilia pela Igreja e pela vontade de olhar para o lado que para ela foi uma tentação maior. Pois bem, o que fazem ao confundir o tempo da guerra e o tempo da paz é um pecado – uso propositadamente, apesar de ateu, a palavra, que é a mais forte que me vem ao espírito – ainda mais grotesco na sua forma e na sua essência, já que o crime está a ser praticado em directo face ao seu olhar, como “um mal imenso para o homem”.

Não nos devemos irritar, já que “a irritação habita o coração dos insensatos”. O Eclesiastes faz muitas vezes pensar em Montaigne, que dirá isto mesmo sob outras palavras. Mas, neste mundo incerto e arriscado – Montaigne não dirá, mais uma vez, coisa diferente do autor do Eclesiastes, onde fazer longos planos é sinal de futilidade (vanitas), há também um tempo certo para denunciar o erro e a tontice.

“Há um tempo certo para abraçar e um tempo certo para evitar abraçar”. Deixem por favor, senhoras eurodeputadas, o abraço (e a promessa do abraço) para quando a Ucrânia for definitivamente liberta e as tropas russas voltarem para o lugar de onde nunca deviam ter saído. E evitem os acenos propiciatórios todos feitos de preocupações de “não condicionar negativamente o futuro”, como se Putin estivesse muito preocupado com isso – se não é pedir demais. Não há nada de novo sob o sol: já vimos isso muitas vezes. E, pelo menos, poupavam-se tristes manifestações de estultícia.

GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA…EUROPAMUNDO

COMENTÁRIOS: (de 30):

Pedro Fontes: 8 ou mais milhões de refugiados na UE (irão regressar?) 100 mil combatentes ucranianos mortos (segundo a sra. Ursula há 2 dias - que é capaz de ter razão) Número indeterminado de feridos (provavelmente um número 2 a 3 vezes superior ao de mortos) Número indeterminado de desaparecidos em combate (que continuam desaparecidos para não sobrecarregar as contas públicas) Mais de 6 milhões de residentes na Ucrânia em vias de passar frio em pleno inverno – alguns (muitos) irão morrer certamente Risco ainda possível de WWIII (mais uma “false flag”?) Risco ainda possível de tragédia com central nuclear Risco ainda possível de tragédia alimentar mundial O estado ucraniano vive do apoio financeiro exterior, uma vez que a economia colapsou pensar em paz ou resolução diplomática do conflito é realmente um absurdo completo                Vitor Batista > bento guerra: Sim comrade, e porque raio terá de haver um acordo, se ninguém convidou a Ruzzia a invadir a Ucrania?o mundo está cheio de hipócritas estéreis consigo à cabeça.                      Carlos Quartel: Quando um assaltante lhes entrar pela casa dentro, anunciando a propriedade da sua sala de estar, as deputadas apressam-se a negociar a sua deslocação para a cozinha. Lutar para quê, pois se o homem tem uma pistola?? O egoísmo e o comodismo desta sociedade do bem-estar não tem limites. Desde que sejam os outros a ser espoliados, devemos contemporizar com o ladrão. E, no entanto é uma manobra inútil, quando o assalto corre bem, o ladrão não abandona a profissão. Esperem por ele em Berlim, talvez aí percam o medo e reconheçam que Putin só compreende uma linguagem: a do míssil e da bomba .....                   João Floriano: As quatro eurodeputadas do PS fazem-me lembrar a grande verdade que não é possível estar de bem com Deus e o Diabo em simultâneo, o que é verdadeiramente aquilo que estão a tentar. Já nem falo no Bloco ou no PCP porque todos sabemos a carga brutal de hipocrisia do primeiro e a cegueira do segundo. Hoje a primeira notícia que vi aqui no Observador foi que o PCP reconhece a agressão russa contra a Ucrânia. Não ouvi ainda mas acredito que haja um grande «MAS» lá pelo meio. No caso do PS falar de guerra no contexto interno é perturbar o paraíso rosa em que o governo nos quer fazer acreditar. Pensemos que a guerra vai passar, que a inflação está controlada, que 2023 vai ser acima das perspectivas mais sombrias e a calma está garantida. Infelizmente parece-me que os tempos de guerra se vão agravar e que os tempos da paz estão bem longe. Uma paz ganha com a cedência à Rússia não passa de uma paz podre, um interregno em que o Kremlin se preparará para novas aventuras um pouco mais para oeste.                José Manuel Pereira: Excepcional artigo de novo, é claro. O Professor Paulo Tunhas sabe muito bem que tem de perdoar as deputadas socialistas, elas não fizeram por mal, aquilo é mesmo e só estultícia. Agora, já eu sou insensato porque me irrito cada vez mais e já não suporto toda esta total incapacidade intelectual e demasiada baixeza de valores destes novos socialistas da era Costa, incluindo o próprio e seus amigos de peito, revolucionários.                   José B. Dias > Pedro Fontes: Que bom é poder constatar que ainda vai havendo quem seja capaz de pensar pela sua cabeça e de forma racional e lógica com base em factos e na Realidade que estes revelam ... o meu obrigado!                  Madalena Sa: Muito bom! Os socialistas sempre no seu melhor! Gente medonha!                      Carlos Quartel > G C: Essa é a narrativa de Putin. Só que é uma história inventada, o receio dele e dos oligarcas não são as balas ucranianos, são a possível filtração de ideias de democracia, liberdade. direitos humanos, imprensa livre etc Em resumo , dignidade e justiça numa sociedade livre.              José Manuel Pereira: Já agora acrescento mais uma vez uma frase antiga: "Quem para obter segurança abdica parcialmente da liberdade, não merece nenhuma e vai perder as duas"

 

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