“In vino veritas”, para algumas pessoas,
não para todas, é claro, embora por vezes pareça que sim. Eu diria antes, que na
“toleima”, na pretensão do fazer diferente, com a sua verdade irracional ou
puramente pedante. “De armar aos cucos”, como se dizia na minha infância
despassarada, mas já entendida nas questões da prática mundana a respeito das
verdades e seus artifícios, de que Paulo
Tunhas magistralmente descobre a careca, nos dias de hoje, não diferentes dos
passados, como lembra aquele, reportando-se aos clássicos… As contradições que
a distância favorece!… Estivessem esses e essas mais perto do “sítio” e diverso
seria o empolgamento, j’en suis sûre.…
Tempo de guerra e tempo de paz
As senhoras eurodeputadas do PS
provavelmente não desejam nem o regresso da U.R.S.S. nem o fim da NATO
(talvez…), mas estão, é mais do que lícito supor, preparadas para todas as
cedências a Putin.
PAULO TUNHAS
OBSERVADOR, 01 dez 2022, 07:2130
Não há, de facto, nada de novo sob o sol. Vem no Eclesiastes: há para tudo uma altura e um tempo certo – um kairos, diz-nos a versão grega dos setenta, a Septuaginta,
aquela que Frederico Lourenço se empenhou em traduzir – para cada coisa. Há um
tempo certo para a guerra e há um tempo certo para a paz. E o erro e a tontice
manifestam-se a todo o momento. Como, por exemplo, quando se confunde o tempo
da guerra com o tempo da paz.
Foi
esta confusão que fizeram quatro eurodeputadas do PS (Maria Manuel
Leitão Marques, Margarida Marques, Isabel Santos e Isabel Carvalhais) a 23 de Novembro, quando, no Parlamento Europeu,
se abstiveram da votação da resolução intitulada ”Reconhecimento
da Federação Russa como um estado patrocinador do terrorismo”. Quatro em nove eurodeputados do Partido
Socialista. A resolução foi aprovada por 494 votos a favor, 58 contra e 44
abstenções. Entre as abstenções contam-se também as dos dois eurodeputados do
Bloco. E entre os votos contra, infalivelmente, os dos dois eurodeputados do
PC.
É interessante verificar a continuidade que existe entre certos
argumentos das eurodeputadas do PS, os do Bloco e os do PCP. Um deles tocou-me particularmente. Segundo
Isabel Santos, que exprime uma posição que suponho partilhada pelas suas três
colegas de bancada, “a adopção desta classificação arrisca condicionar
negativamente o futuro” e visa “inviabilizar qualquer solução diplomática”. Margarida Marques, de resto, também diz que a
adopção da resolução implica iniciativas que “são bloqueadoras da manutenção de
canais diplomáticos que serão essenciais para uma futura resolução do conflito”.
O Bloco não diria melhor. Para este, com efeito, a resolução é “contraproducente
do ponto de vista da luta por uma paz justa”.
E o PC declara que ela “visa obstaculizar, ou mesmo impossibilitar, o
necessário diálogo com vista à resolução pacífica do conflito”.
Esta
coincidência é muito esclarecedora. Toda esta gente partilha uma idêntica
convicção: a de que devemos, em tempo de guerra, viver imaginariamente, no
presente, a paz. Sublinho: no presente. Porque não se trata apenas de pensar
numa paz futura e de imaginar como poderá ela ser concebida. Trata-se
mesmo de condicionar o presente pela antecipação neste do futuro. Dito de outra maneira, vive-se
simultaneamente em dois tempos distintos: o tempo da guerra e o tempo da paz. E, como é bom de ver, o futuro, a paz,
deverá ter a primazia sobre o presente, a guerra. O que significa que a batalha travada pelos ucranianos
na defesa do seu país assaltado pela inominável barbárie russa que pretende
criar um novo Holodomor através do frio e das privações da população civil deve
ser limitada em benefício do futuro. Um futuro que acreditam negociável com uma
tão fiável personalidade como a de Putin.
Claro
que é necessário fazer distinções.
O PCP praticamente não esconde o seu desejo da subjugação russa da Ucrânia. A sua posição é ditada por um duplo entusiasmo:
negativo (contra
os Estados Unidos e, mais genericamente, contra as democracias liberais) e positivo (a sua alucinação, na Rússia de Putin, do defunto
império grande-russo da União Soviética). O Bloco –
cujo principal mentor, Francisco
Louçã, ainda há pouco gozava, em esgares televisivos, com o
Holodomor — vive numa contradição: reconhece à Ucrânia o direito de se
defender, mas nega à Ucrânia o direito de recorrer ao auxílio da NATO, pela
extinção da qual milita. Esta
contradição, perceptível ao mais obtuso dos espíritos e que trai as origens
ideológicas do Bloco, não o incomoda. Também
é verdade que ninguém se dá ao trabalho de lha lembrar. As
senhoras eurodeputadas do PS provavelmente não desejam nem o regresso da
U.R.S.S. nem o fim da NATO (talvez…), mas estão, é mais do que lícito supor,
preparadas para todas as cedências a Putin. A
antecipação da paz na guerra, a confusão dos tempos certos para uma e para a
outra, ocupa-lhes por inteiro o espírito. Ao ponto de não notarem o óbvio: o
radical e ilimitado desejo de destruição do Kremlin. Apesar
de tudo o que se vê e se sabe, escancarado em imagens e palavras. O erro e a
tontice manifestam-se, de facto a todo o momento. E elas excedem-se em ambos.
É
curioso como a palavra “paz” está em todas estas bocas. Tendo simultaneamente em conta a brutalidade da
invasão russa e o sofrimento e a heroicidade da Ucrânia e os motivos que agitam
aquelas cabeças, uma pessoa apanha-se a pensar que ela lhes devia queimar os
lábios. Provavelmente, todas estas criaturas manifestam (e
bem) o seu horror pelo encobrimento activo dos casos de pedofilia pela Igreja e
pela vontade de olhar para o lado que para ela foi uma tentação maior. Pois bem, o que fazem ao confundir o tempo da guerra e
o tempo da paz é um pecado – uso propositadamente, apesar de ateu, a palavra, que
é a mais forte que me vem ao espírito – ainda mais grotesco na sua forma e na
sua essência, já que o crime está a ser praticado em directo face ao seu olhar,
como “um mal imenso para o homem”.
Não
nos devemos irritar, já que “a irritação habita o coração dos insensatos”. O Eclesiastes faz
muitas vezes pensar em Montaigne, que dirá isto mesmo sob outras
palavras. Mas, neste
mundo incerto e arriscado – Montaigne não dirá, mais uma vez, coisa diferente
do autor do Eclesiastes, onde fazer longos planos é sinal de futilidade (vanitas), há também um tempo certo para denunciar o erro e a
tontice.
“Há
um tempo certo para abraçar e um tempo certo para evitar abraçar”. Deixem por favor, senhoras
eurodeputadas, o abraço (e a
promessa do abraço) para quando a Ucrânia for definitivamente liberta e as
tropas russas voltarem para o lugar de onde nunca deviam ter saído. E evitem os
acenos propiciatórios todos feitos de preocupações de “não condicionar
negativamente o futuro”, como se
Putin estivesse muito preocupado com isso – se não é pedir demais. Não há nada de novo sob o sol: já vimos isso muitas
vezes. E, pelo
menos, poupavam-se tristes manifestações de estultícia.
GUERRA NA UCRÂNIA UCRÂNIA…EUROPA…MUNDO
COMENTÁRIOS: (de 30):
Pedro Fontes: 8 ou mais milhões de refugiados na UE (irão regressar?) 100 mil combatentes ucranianos
mortos (segundo a sra. Ursula há 2 dias - que é capaz de ter razão) Número indeterminado de feridos
(provavelmente um número 2 a 3 vezes superior ao de mortos) Número indeterminado de
desaparecidos em combate (que continuam desaparecidos para não sobrecarregar as
contas públicas) Mais de 6 milhões de residentes na Ucrânia em vias de passar frio em pleno
inverno – alguns (muitos) irão morrer certamente Risco ainda possível de WWIII
(mais uma “false flag”?) Risco ainda possível de tragédia com central nuclear Risco
ainda possível de tragédia alimentar mundial O estado ucraniano vive do apoio
financeiro exterior, uma vez que a economia colapsou pensar em paz ou resolução
diplomática do conflito é realmente um absurdo completo Vitor Batista
> bento guerra: Sim comrade, e porque raio terá
de haver um acordo, se ninguém convidou a Ruzzia a invadir a Ucrania?o mundo
está cheio de hipócritas estéreis consigo à cabeça. Carlos
Quartel: Quando um assaltante lhes entrar pela casa dentro,
anunciando a propriedade da sua sala de estar, as deputadas apressam-se a
negociar a sua deslocação para a cozinha. Lutar para quê, pois se o homem tem
uma pistola?? O egoísmo e o comodismo desta sociedade do bem-estar não tem
limites. Desde que sejam os outros a ser espoliados, devemos contemporizar
com o ladrão. E, no entanto é uma manobra inútil, quando o assalto corre
bem, o ladrão não abandona a profissão. Esperem por ele em Berlim, talvez aí
percam o medo e reconheçam que Putin só compreende uma linguagem: a do míssil e
da bomba ..... João
Floriano: As quatro eurodeputadas do PS
fazem-me lembrar a grande verdade que não é possível estar de bem com Deus e o
Diabo em simultâneo, o que é verdadeiramente aquilo que estão a tentar. Já nem
falo no Bloco ou no PCP porque todos sabemos a carga brutal de hipocrisia do
primeiro e a cegueira do segundo. Hoje a primeira notícia que vi aqui no
Observador foi que o PCP reconhece a agressão russa contra a Ucrânia. Não ouvi
ainda mas acredito que haja um grande «MAS» lá pelo meio. No caso do PS
falar de guerra no contexto interno é perturbar o paraíso rosa em que o governo
nos quer fazer acreditar. Pensemos que a guerra vai passar, que a inflação
está controlada, que 2023 vai ser acima das perspectivas mais sombrias e a
calma está garantida. Infelizmente parece-me que os tempos de guerra se vão
agravar e que os tempos da paz estão bem longe. Uma paz ganha com a cedência à
Rússia não passa de uma paz podre, um interregno em que o Kremlin se preparará
para novas aventuras um pouco mais para oeste. José Manuel
Pereira: Excepcional
artigo de novo, é claro. O Professor Paulo Tunhas sabe muito bem que tem de
perdoar as deputadas socialistas, elas não fizeram por mal, aquilo é mesmo e só
estultícia. Agora, já eu sou insensato porque me irrito cada vez mais e já não
suporto toda esta total incapacidade intelectual e demasiada baixeza de valores
destes novos socialistas da era Costa, incluindo o próprio e seus amigos de
peito, revolucionários.
José B. Dias > Pedro Fontes: Que bom é poder constatar que
ainda vai havendo quem seja capaz de pensar pela sua cabeça e de forma racional
e lógica com base em factos e na Realidade que estes revelam ... o meu obrigado! Madalena Sa: Muito bom! Os socialistas
sempre no seu melhor! Gente medonha! Carlos
Quartel > G C: Essa é a narrativa de Putin. Só
que é uma história inventada, o receio dele e dos oligarcas não são as balas
ucranianos, são a possível filtração de ideias de democracia, liberdade. direitos
humanos, imprensa livre etc Em resumo , dignidade e justiça numa sociedade
livre. José
Manuel Pereira: Já agora acrescento mais uma vez uma frase antiga:
"Quem para obter segurança abdica parcialmente da liberdade, não merece
nenhuma e vai perder as duas"
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