sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

E tudo tem a ver com a Educação


Que se dá em Casa, que se deve exigir na Escola. Não é forçoso um rigor demasiado, mas um acompanhamento sadio, e uma disciplina q.b., além da necessária seriedade com que se encaram as reais exigências da vida, sem que o riso deixe de fazer parte dela. Mas a futilidade excessiva perverte, e os livros são um bom estímulo de aprendizagem, os livros de estudo que tanto nos ensinam, como os livros em si, excepto, é certo, os que pervertem, ou orientam mal. Digo isto a propósito de um livro infantil que foi premiado, em concurso do Pingo Doce, segundo li no Público de 19 de Novembro  - “O tempo encolheu o avô” -  sobre uma aparente boa relação entre um neto e um avô que começa por ser um sábio que a tudo responde ao menino inocente, mas que vai estreitando no tamanho, à medida que o menino cresce, mantendo-se, para o neto, todavia, sempre grande, ao longo da vida, apesar da ilustração com árvores de tamanhos sucessivamente mais diminutos, contrastando com a pretensa manutenção da admiração do neto pelo seu avô. Parece que a autora nunca viveu com os avós, mas quis criar uma bonita história de amor e respeito. Não condeno, apesar da pieguice, bem-intencionada, afinal, aparentemente pedagógica. Apenas cito a frase que me desgostou – direi mesmo repugnou – porque intencionalmente “à la page” para merecer o prémio de 250 mil euros, que muito invejo. É a respeito do Avô: “Respondia a tudo o que o neto lhe perguntava, excepto no dia em que evitou dizer-lhe o que tinha feito em África: “A essa pergunta o meu avô não respondeu logo. Guardou devagar o mapa por entre as páginas de um livro. Olhava para mim, ainda mais sério do que o costume, quando me disse que em África não tinham feito nada de bom.” Uma pura parolice, ofensiva e tola, pese embora a esperteza de a produzir, coisa comum por aqui.

Não, não é esse tipo de falsa informação que se aconselha na formação disciplinar, é claro, mas leitura é sempre leitura, e aconselho muita leitura, mesmo essa, para impedir a inércia e absorver as lições sobre a preguiça e a vacuidade sobre que expõe o Dr. Salles, coisa em que somos ases, já o temos visto muitas vezes, e peço perdão do exemplo que citei, bem expressivo da nossa castração mental.

E o meu apreço pelos dois comentadores seguintes do texto do Dr. SallesCarlos Traguelho e Adriano Lima.

SUPERFICIALIDADE E MÂNDRIA

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 14.12.22

Gosto de escrever curto porque também gosto de ler curto; prefiro a escrita enxuta, sem adjectivos e composta por frases curtas; procuro a síntese sem me preocupar que ela possa ser superlativa; evito excepções e particularidades.

Considero-me um generalista-superficialista e pasmo por haver quem diga que faço estudos profundos. Nada disso: limito-me a tocar pela rama em assuntos que podem ser considerados importantes.  Felizmente, há quem pegue nas minhas generalidades superficiais e as esmiúce produzindo, esses sim, textos de mérito. Refiro-me aos comentários aos meus textos publicados no “A bem da Nação” cuja leitura é imprescindível para um melhor entendimento das matérias tratadas.

E, a propósito de leitura, interpretação e entendimento…

* * *

… um conhecido meu que fora Prior de uma Paróquia numa quase extrema de Lisboa, dizia que tinha jovens paroquianos universitários com espírito de analfabetos pois as respectivas famílias eram compostas por avós analfabetos, pais e tios de letras muito rudes e, eventualmente, outros parentes entregues à delinquência. Nulos hábitos de leitura e limitada capacidade crítica para além das sugestões televisivas. E estas, como é sabido, são geradas em programas de entretenimento, ou seja, sem outro objectivo que não ultrapassa a ocupação dos profusos tempos livres de aposentados, ociosos e equiparados.

No cenário descrito por esse (já falecido) eclesiástico meu conhecido, os universitários eram a excepção à regra da mediocridade se não mesmo da delinquência.  Mas a excepção era prova de que, querendo, os membros daquele grupo social podiam progredir na escalada cultural, profissional e, daí, social. Os que o não faziam só se deixavam ficar a marinar em águas turvas devido à mândria.

* * *

Mândria é-o por si própria sem necessidade de grandes explicações: é não querer esforço físico ou intelectual, é sinónimo de indolência. Mas o indolente pode querer usufruir de regalias típicas dos esforçados e, daí, o recurso aos subterfúgios que podem chegar a extremos, à criminalidade.

A superficialidade pode significar apenas desconhecimento e vontade de apontar vias de aprofundamento dos conhecimentos. Muito provavelmente, trata-se de uma proposta de partilha de conhecimentos, uma postura de democracia intelectual.

CONCLUSÕES

A mândria corresponde a uma atitude negativa e potencialmente perigosa;

A superficialidade pode ser virtuosa e até democrática;

Pode haver mandriões que se refugiam nas superficialidades, mas dificilmente há superficialistas mandriões;

Há que temer miscigenações e excepções.

Dezembro de 2022

Henrique Salles da Fonseca

Tags: sociologia

 COMENTÁRIOS (2)

 Anónimo  15.12.2022  16:16: É exactamente por os teus textos, sempre muito bem escritos, tocarem vários assuntos em simultâneo, e para cada um deles haver uma biblioteca, que me leva, volta e meia, a queixar-me da dificuldade em os comentar. Desta vez, temos a superficialidade e a mândria, a preguiça, a ociosidade, o que, por associação de ideias, me leva à profundidade e ao trabalho. É minha intenção “não discutir a glória do trabalho e o seu dever”, nem a doutrina calvinista da exaltação do trabalho, o que não obsta a que não perfilhe a ideia de que existe, entre nós, demasiada superficialidade e mândria. Não estou seguro da correlação entre essas duas realidades e, empiricamente, estou mais orientado para encontrar explicação da superficialidade na educação e na postura comportamental, designadamente, no âmbito profissional. Quantas vezes, Henrique, assistimos a reuniões em que alguns dos participantes não se tinham preparado previamente, em que não havia uma condução firme das mesmas, permitindo que temas, alguns dos quais sem nenhuma relevância para o que estava em discussão, se entrecruzassem, e em que se passava para um tema sem esgotar e decidir o ponto prévio, enfim, para tudo terminar numa reunião inconclusiva e onde a superficialidade imperou?!
No ano passado, disse a uma profissional de saúde, que me acompanhou durante algum tempo, que ela tinha espírito alemão. Perguntou-me se era um elogio. Respondi-lhe afirmativamente, porquanto aprofundava os assuntos e não passava a outro sem que o anterior estivesse encerrado e resolvido. A este método chama-se, comumente, organização do trabalho, e invocamo-lo para justificar a diferença de produtividade (palavra maldita) dos portugueses quando trabalham em Portugal ou em certos outros países.
Admito, embora não saiba em que medida, que a falta de produtividade é consequência de deficientes métodos de trabalho. Quero crer que o pecado capital preguiça tenha um peso menor nessa explicação. Que pena não haver um campeonato europeu ou mundial do PIB per capita e da produtividade, com o mesmo entusiasmo, mobilização e empenho de certos outros campeonatos…
Quanto ao panorama dos jovens universitários descrito pelo Prior teu conhecido, talvez se corrigisse com uma acção muito próxima desses jovens, pese embora as múltiplas solicitações a que estão sujeitos, o que não facilita. É sempre com satisfação que se constata a existência de pessoas de mérito reconhecido, de origem de famílias modestas, assim como de reduzida literacia, e que trilharam o caminho do êxito. Por vezes, isso acontece por um impulso dado em tenra idade. Temos, entre nós, vários casos desses, felizmente. Não me esqueço, por exemplo, que Albert Camus dedicou o seu Prémio Nobel de Literatura ao seu professor argelino de instrução primária, escrevendo-lhe que “sem vós, sem essa mão afectuosa que o senhor estendeu à criança pobre que eu era, sem os seus ensinamentos e exemplo, nada disto poderia ter acontecido” (“Conferências e Discursos”, pág. 255). Aliás, no seu romance autobiográfico “O Primeiro Homem”, cujo manuscrito acompanhava-o quando do fatídico acidente de viação, ele descreve pormenorizadamente as diligências do professor junto da Família (mãe e avó materna) para que esta autorizasse o menino a prosseguir os seus estudos. Seguramente, que o Prémio Nobel sentiu, ao longo da sua vida, uma dívida de gratidão para com o seu Mestre e para com a sua Família, a qual só poderia ser saldada caso triunfasse. Aos jovens mencionados possivelmente faltou incutir alguma responsabilidade, para que eles saíssem da ociosidade, da preguiça e prosseguissem os seus estudos com sucesso. Abraço amigo.
Carlos Traguelho

 Anónimo  16.12.2022  16:51: Senhor Coronel Adriano Lima, com autorização do Dr. Salles da Fonseca, acrescento algo sobre a palavra “mândria”. Eu conheço-a desde a minha juventude, pois ouvi-a numa vila da zona Oeste da Estremadura, proferida por pessoas mais velhas do que eu, então. Sempre a entendi como uma espécie de “abreviatura” da palavra mandriice. “Estás na mândria”, como equivalente a “estás a mandriar”, ou a “estás na mandriice”. Enfim, uma expressão regional. Quando agora a li no post, estranhei, pois não estava a ver o meu Amigo a empregar uma palavra que fosse uma “abreviatura” de outra. Então, fui ao dicionário e aprendi que a palavra “mândria” tinha “existência legal” e valia por ela mesma. Tal como o Senhor Coronel, sempre a aprender com o Dr. Salles da Fonseca. Melhores cumprimentos. Carlos Traguelho  

Anónimo  16.12.2022  19:09 Os Senhores não conheciam a "mândria" porque ela não se vos aplica e pertence a galáxia diferente das vossas. Quanto a mim... Abraços de boa continuação. Henrique Salles da Fonseca


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