Que se dá em Casa, que se deve exigir na Escola. Não é forçoso um rigor
demasiado, mas um acompanhamento sadio, e uma disciplina q.b., além da
necessária seriedade com que se encaram as reais exigências da vida, sem que o
riso deixe de fazer parte dela. Mas a futilidade excessiva perverte, e os
livros são um bom estímulo de aprendizagem, os livros de estudo que tanto nos
ensinam, como os livros em si, excepto, é certo, os que pervertem, ou orientam
mal. Digo isto a propósito de um livro infantil que foi premiado, em concurso
do Pingo Doce, segundo li no Público de 19 de Novembro - “O
tempo encolheu o avô” - sobre uma
aparente boa relação entre um neto e um avô que começa por ser um sábio que a
tudo responde ao menino inocente, mas que vai estreitando no tamanho, à medida
que o menino cresce, mantendo-se, para o neto, todavia, sempre grande, ao longo
da vida, apesar da ilustração com árvores de tamanhos sucessivamente mais
diminutos, contrastando com a pretensa manutenção da admiração do neto pelo seu
avô. Parece que a autora nunca viveu com os avós, mas quis criar uma bonita
história de amor e respeito. Não condeno, apesar da pieguice, bem-intencionada,
afinal, aparentemente pedagógica. Apenas cito a frase que me desgostou – direi
mesmo repugnou – porque intencionalmente “à la page” para merecer o prémio de
250 mil euros, que muito invejo. É a respeito do Avô: “Respondia a tudo o que o neto lhe perguntava, excepto no dia em que
evitou dizer-lhe o que tinha feito em África: “A essa pergunta o meu avô não
respondeu logo. Guardou devagar o mapa por entre as páginas de um livro. Olhava
para mim, ainda mais sério do que o costume, quando me disse que em África não
tinham feito nada de bom.” Uma pura parolice, ofensiva e tola, pese embora
a esperteza de a produzir, coisa comum por aqui.
Não, não é esse tipo de falsa informação que se aconselha na formação
disciplinar, é claro, mas leitura é sempre leitura, e aconselho muita leitura,
mesmo essa, para impedir a inércia e absorver as lições sobre a preguiça e a
vacuidade sobre que expõe o Dr. Salles,
coisa em que somos ases, já o temos visto muitas vezes, e peço perdão do
exemplo que citei, bem expressivo da nossa castração mental.
E o meu apreço pelos dois comentadores seguintes do texto do Dr. Salles – Carlos
Traguelho e Adriano Lima.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 14.12.22
Gosto de escrever curto porque também
gosto de ler curto; prefiro a escrita enxuta, sem adjectivos e composta por
frases curtas; procuro a síntese sem me preocupar que ela possa ser
superlativa; evito excepções e particularidades.
Considero-me um generalista-superficialista
e pasmo por haver quem diga que faço estudos profundos. Nada disso: limito-me a
tocar pela rama em assuntos que podem ser considerados importantes.
Felizmente, há quem pegue nas minhas generalidades superficiais e as esmiúce
produzindo, esses sim, textos de mérito. Refiro-me aos comentários aos meus
textos publicados no “A bem da Nação” cuja leitura é imprescindível para um
melhor entendimento das matérias tratadas.
E, a propósito de leitura, interpretação
e entendimento…
* * *
… um conhecido meu que fora Prior de uma
Paróquia numa quase extrema de Lisboa, dizia que tinha jovens paroquianos
universitários com espírito de analfabetos pois as respectivas famílias eram
compostas por avós analfabetos, pais e tios de letras muito rudes e, eventualmente,
outros parentes entregues à delinquência. Nulos hábitos de leitura e
limitada capacidade crítica para além das sugestões televisivas. E estas, como
é sabido, são geradas em programas de entretenimento, ou seja, sem outro
objectivo que não ultrapassa a ocupação dos profusos tempos livres de
aposentados, ociosos e equiparados.
No cenário descrito por esse (já
falecido) eclesiástico meu conhecido, os universitários eram a excepção à
regra da mediocridade se não mesmo da delinquência. Mas a excepção era
prova de que, querendo, os membros daquele grupo social podiam progredir na
escalada cultural, profissional e, daí, social. Os que o não faziam só se
deixavam ficar a marinar em águas turvas devido à mândria.
* * *
Mândria é-o por si própria sem necessidade
de grandes explicações: é não querer esforço físico ou intelectual, é sinónimo
de indolência. Mas o indolente pode querer usufruir de regalias típicas dos
esforçados e, daí, o recurso aos subterfúgios que podem chegar a extremos, à
criminalidade.
A superficialidade pode significar
apenas desconhecimento e vontade de apontar vias de aprofundamento dos
conhecimentos. Muito provavelmente, trata-se de uma proposta de partilha de
conhecimentos, uma postura de democracia intelectual.
CONCLUSÕES
A
mândria corresponde a uma atitude negativa e potencialmente perigosa;
A
superficialidade pode ser virtuosa e até democrática;
Pode
haver mandriões que se refugiam nas superficialidades, mas dificilmente há
superficialistas mandriões;
Há
que temer miscigenações e excepções.
Dezembro de
2022
Henrique
Salles da Fonseca
Tags: sociologia
Anónimo 15.12.2022 16:16:
É exactamente por os teus textos, sempre
muito bem escritos, tocarem vários assuntos em simultâneo, e para cada um deles
haver uma biblioteca, que me leva, volta e meia, a queixar-me da dificuldade em
os comentar. Desta vez, temos a superficialidade e a mândria, a preguiça, a
ociosidade, o que, por associação de ideias, me leva à profundidade e ao
trabalho. É minha intenção “não discutir a glória do trabalho e o
seu dever”, nem a doutrina calvinista da
exaltação do trabalho, o que não obsta a que não perfilhe a ideia de que
existe, entre nós, demasiada superficialidade e mândria. Não estou seguro da correlação entre essas
duas realidades e, empiricamente, estou mais orientado para encontrar
explicação da superficialidade na educação e na postura comportamental,
designadamente, no âmbito profissional. Quantas vezes, Henrique, assistimos
a reuniões em que alguns dos participantes não se tinham preparado previamente,
em que não havia uma condução firme das mesmas, permitindo que temas, alguns
dos quais sem nenhuma relevância para o que estava em discussão, se
entrecruzassem, e em que se passava para um tema sem esgotar e decidir o ponto
prévio, enfim, para tudo terminar numa reunião inconclusiva e onde a
superficialidade imperou?!
No ano passado, disse a uma profissional de saúde, que me acompanhou durante
algum tempo, que ela tinha espírito alemão. Perguntou-me se era um elogio.
Respondi-lhe afirmativamente, porquanto aprofundava os assuntos e não passava a
outro sem que o anterior estivesse encerrado e resolvido. A este método
chama-se, comumente, organização do trabalho, e invocamo-lo para justificar
a diferença de produtividade (palavra maldita) dos portugueses quando trabalham
em Portugal ou em certos outros países. Admito, embora não saiba em
que medida, que a falta de produtividade é consequência de deficientes métodos
de trabalho. Quero crer que o pecado capital preguiça tenha um peso menor nessa
explicação. Que pena não haver um campeonato europeu ou mundial do PIB per
capita e da produtividade, com o mesmo entusiasmo, mobilização e empenho de
certos outros campeonatos…
Quanto ao panorama dos jovens
universitários descrito pelo Prior teu conhecido, talvez se corrigisse com
uma acção muito próxima desses jovens, pese embora as múltiplas solicitações a
que estão sujeitos, o que não facilita. É sempre com satisfação que se constata
a existência de pessoas de mérito reconhecido, de origem de famílias modestas,
assim como de reduzida literacia, e que trilharam o caminho do êxito. Por vezes,
isso acontece por um impulso dado em tenra idade. Temos, entre nós, vários
casos desses, felizmente. Não me esqueço, por exemplo, que Albert Camus
dedicou o seu Prémio Nobel de Literatura ao seu professor argelino de instrução
primária, escrevendo-lhe que “sem vós, sem essa mão afectuosa que o senhor
estendeu à criança pobre que eu era, sem os seus ensinamentos e exemplo, nada
disto poderia ter acontecido” (“Conferências e Discursos”, pág. 255).
Aliás, no seu romance autobiográfico “O Primeiro Homem”, cujo manuscrito
acompanhava-o quando do fatídico acidente de viação, ele descreve
pormenorizadamente as diligências do professor junto da Família (mãe e avó
materna) para que esta autorizasse o menino a prosseguir os seus estudos.
Seguramente, que o Prémio Nobel sentiu, ao longo da sua vida, uma dívida de
gratidão para com o seu Mestre e para com a sua Família, a qual só poderia ser
saldada caso triunfasse. Aos jovens mencionados possivelmente faltou incutir
alguma responsabilidade, para que eles saíssem da ociosidade, da preguiça e
prosseguissem os seus estudos com sucesso. Abraço amigo. Carlos Traguelho
Anónimo 16.12.2022 16:51: Senhor Coronel Adriano Lima, com
autorização do Dr. Salles da Fonseca, acrescento algo sobre a palavra
“mândria”. Eu conheço-a desde a minha juventude, pois ouvi-a numa vila da zona
Oeste da Estremadura, proferida por pessoas mais velhas do que eu, então.
Sempre a entendi como uma espécie de “abreviatura” da palavra mandriice. “Estás
na mândria”, como equivalente a “estás a mandriar”, ou a “estás na mandriice”.
Enfim, uma expressão regional. Quando agora a li no post, estranhei, pois não
estava a ver o meu Amigo a empregar uma palavra que fosse uma “abreviatura” de
outra. Então, fui ao dicionário e aprendi que a palavra “mândria” tinha
“existência legal” e valia por ela mesma. Tal como o Senhor Coronel, sempre a
aprender com o Dr. Salles da Fonseca. Melhores cumprimentos. Carlos
Traguelho
Anónimo 16.12.2022 19:09 Os Senhores não conheciam a "mândria" porque ela não se vos
aplica e pertence a galáxia diferente das vossas. Quanto a mim... Abraços de
boa continuação. Henrique Salles da Fonseca
Nenhum comentário:
Postar um comentário