sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Retrato bem estruturado


Sobre uma figura bem estratificada. A pedra e cal. E com grande orgulho de si, como tão bem traduz Paulo Tunhas.

António Costa não sabe o que é “estrutural”, nem quer saber

Costa é useiro e vezeiro em utilizar as palavras sem relação directa com o seu significado. É a versão portuguesa do Humpty-Dumpty da Alice: as palavras significam o que eu quero.

PAULO TUNHAS

OBSERVADOR, 22 dez. 2022, 24:1926

Confesso que hesitei em escrever este artigo. Primeiro, porque compreensivelmente receava a dura prova de ler nada menos do que as 11 páginas da entrevista de António Costa à Visão. Um confronto assim com a temível máquina de palavras que é António Costa ameaçava deixar-me derreado. Em segundo lugar, porque já tanta gente escreveu ou falou da entrevista em questão que a probabilidade de notar algo que tivesse passado previamente despercebido era remota.

E é verdade que os traços mais salientes da entrevista foram quase todos notados. Por exemplo, o seu desprezo manifesto pela oposição, expresso numa linguagem grosseira e primitiva. Assim, a IL é constituída por “queques” que “guincham”, o que os torna “ridículos”, sem conseguirem alçar-se ao “vozeirão popular que o Ventura consegue fazer”. O PSD, pelo seu lado, em estado de desespero, “faz números”. “Guinchos” e “números” são, naturalmente, amplificados pela “bolha mediática”, aliada à “central de produção de soundbites da direita”. Toda esta gente ignora por inteiro os verdadeiros problemas dos portugueses, que intimamente a desprezam e amam Costa. O único problema do Governo que não se reduz a “casos e casinhos” puramente imaginários foi o de Pedro Nuno Santos com o aeroporto, e esse foi resolvido em 24 horas.

Não é que Costa negue a necessidade de uma verdadeira oposição. Nobremente, reconhece que “não há nenhum bom governo que não precise de uma boa oposição”, acrescentando com uma generosidade única: “É muito útil para a democracia”. Grande verdade, grande sabedoria, grande lição. Infelizmente, a oposição, que tanto o deveria saber, ajudada pela “bolha mediática”, ignora-o abissalmente. E com essa atitude, Costa não tem paciência. Mas mesmo nenhuma. Enumera as suas profundas preocupações de estadista e desabafa: “se agora andasse a distrair-me com essas coisas que entretêm os comentadores, meu Deus!”. Tal a sua irritação que menciona o incómodo que a insistência nos “casos e casinhos” causa junto dos seus assessores de imprensa, “que podiam concentrar-se noutros trabalhos e são ocupados a distrair-se com esses assuntos”. Não está bem, de facto. Os assessores de imprensa a preocuparem-se com as histórias de Miguel Alves! Não é justo!

Mas o que o irrita verdadeiramente e provoca a sua indomável cólera é outra coisa: são as “mentiras vis” – “velhacarias”, diria o seu mestre Sócrates – de Carlos Costa no livro de Luís Rosa. Isso põe-no fora de si. E lembra o exemplo do pai e da mãe. Face à turpitude de “criaturas” que revelam em público conversas, “mantenho-me nas regras da educação que os meus pais me deram” – que comportam, sem dúvida, os imperativos de não “guinchar” nem “fazer números”. A família, de resto, ocupa uma elevada presença no pensamento de António Costa. Respondendo a uma pergunta sobre os novos dois irmãos no Governo, que aparentemente violariam a regra imposta desde o tempo do célebre caso das famílias no conselho de ministros, Costa responde (vale a pena citar a resposta por inteiro): “Disse tudo: são duas personalidades com competências reconhecidas. Tenho uma grande vantagem: vejo, pela minha própria família, que não é pelo facto de eu ser o primeiro-ministro e de o meu irmão ser quem é [Ricardo Costa, director de informação da SIC] que deixo de cumprir as minhas funções, e ele também”. Os entrevistadores, Mafalda Anjos e Filipe Luís, aparentemente não levaram a mal que Costa não lhes respondesse à questão que tinham colocado – a colisão com um princípio por ele próprio estabelecido –, já que não insistiram na pergunta, talvez embevecidos com tão notáveis exemplos familiares.

Tudo isto tem a sua importância, embora uma importância relativa. O que, pelo contrário, é verdadeiramente preocupante num primeiro-ministro é outra coisa: a sua manifesta ignorância do que significa “estrutural”. Em três colunas da entrevista, Costa usa a palavra pelo menos 11 vezes. O que significa, sem dúvida, que a aprecia – ou, pelo menos, que ela lhe lembra alguma coisa. Infelizmente, lembra-lhe qualquer coisa de errado, atendendo ao modo como a utiliza.

Senão, vejamos. António Costa começa por distinguir as reformas estruturais que a direita quer das que ele defende. As da direita, presume-se, são vãs e malignas (e, no que têm de bom, como as que permitiriam a melhoria da competitividade da nossa economia, ele fá-las melhor). As dele, pelo contrário, são magníficas e prosseguem, indomáveis, à velocidade da luz.

São elas: “ter reduzido para menos de metade o abandono escolar precoce no nosso País”, “a mudança mais estrutural do País, porque muda tudo”; a mudança estrutural – aliás, uma “revolução estrutural” – obtida, no seguimento “da paixão do engenheiro Guterres pela Educação” e “do programa tecnológico do engenheiro Sócrates”, nos níveis de qualificação do País; a mudança estrutural na “forma como temos finanças públicas sustentáveis e ao mesmo tempo conseguimos aumentar o investimento público”; a “mudança estrutural em curso” na redução da pobreza; o encerramento das centrais de carvão; o aumento de dotação para a Saúde; e a aprovação do estatuto do SNS. “Se isto não são mudanças estruturais, o que são mudanças estruturais?”, pergunta-se.

Ora, se entendermos por “estrutural” aquilo que normalmente se entende, isto é, no mínimo, problemático. “Estrutura” significa uma rede interconectada que serve de base a uma série de operações que a partir delas podem ser operadas. É, portanto, algo de que possui uma forte estabilidade que contrasta com a variabilidade relativa daquilo que a partir dela pode ser produzido através de um número indefinido de combinações. É uma versão simplificadora das coisas, é verdade, mas é aqui suficiente. A natureza, as sociedades, as línguas e um sem-número de outras realidades possuem estruturas: definem-se a partir delas. As mutações estruturais, possíveis em algumas dessas realidades – e as sociedades pertencem a esta categoria –, são transformações nessa base, a partir de reformas ou de revoluções, que modificam, em graus variáveis, as combinações possíveis na superfície da estrutura. Não são modificações na superfície: são modificações na base que determinam, mais ou menos univocamente, modificações na superfície.

Como é bom de ver, as “reformas estruturais”, ou “revoluções estruturais”, mencionadas por Costa não são, com a possível excepção do encerramento das centrais de carvão, nada de estrutural. São rearranjos, mais ou menos felizes, mais ou menos credíveis, da superfície. Não quero estar aqui a discutir a felicidade ou infelicidade desses arranjos, a sua credibilidade ou inverosimilhança. Apenas quero dizer que nada têm de estrutural.

Seria pretensioso da minha parte estar aqui a discutir a pertinência do vocabulário de Costa neste ponto particular, não fosse ele revelar a natureza – estrutural, de facto, essa – do modo de relação de António Costa com a linguagem. Como boa e bem rolada máquina de palavras que é, ele é useiro e vezeiro em utilizar as palavras sem relação directa (às vezes, nem sequer indirecta) com o seu significado. É a versão portuguesa do Humpty-Dumpty da Alice: as palavras significam o que eu quero. E não há nada a fazer: ele é assim. Para que deixasse de o ser, seria preciso uma verdadeira revolução estrutural. Suponho que com meras reformas ele não ia lá.

PS. Excelente discurso de Biden e excelente discurso de Zelensky ontem em Washington. As palavras certas e inequívocas. É o que mais importa. Dependemos dos Estados Unidos – já o sabíamos – e da Ucrânia – sabemo-lo agora – para vivermos livremente.

ANTÓNIO COSTA   POLÍTICA   LÍNGUA   CULTURA

COMENTÁRIOS (de 26)

 Maria Nunes: Brilhante artigo. Tenho vergonha do PM do meu país.                       Rosa Teixeira: Este primeiro ministro consegue a infame arte de enganar a população para atender os interesses próprios. Desprezo-o.                      João Eduardo Gata: António Costa é um Pateta Ignorante, um Nulo, um Demagogo Vendedor de Banha da Cobra.               Maria Clotilde Osório: Brilhante. Espero que quem leia este artigo, finalmente entenda a diferença entre "estrutura" e "conjuntura". Entre reforma estrutural e reforma conjuntural. Em Portugal há muito que não se fazem reformas na estrutura. Por isso a sensação que mudam as moscas mas ....                      Carlos Chaves: Caríssimo Paulo Tunhas, obrigado por mais uma excelente crónica sobre a nossa vidinha interna, governada por um estratega de uma inteligência superior que certamente nos ultrapassa. Permita-me destacar o seu post scriptum como uma verdade irrefutável, e onde até nisto, este senhor das revoluções estruturais nunca foi claro no apoio à Ucrânia, e no que ela e a brava resistência do seu povo representam para todos nós. Não são uns Kamov em sucata que nos ilibam de tão fraco apoio, certamente esta figura está com medo de ficar no fundo da fila para ir levantar os “cheques”.           Jorge Cardoso > Carlos Quartel: Desculpe, mas razão em quê? Em permitir que se chegue à situação de "fecharem as Maternidades" em Lisboa? Qual foi o PM ou Rei que permitiu que se chegasse a esta situação? Que se chegasse ao ponto de sermos o décimo país com o ordenado médio mais baixo dos países da UE (Grécia e dez países que, segundo alguns estupidamente, se libertaram da "maravilha" da URSS) ?                   Joaquim Lopes: Realmente estrutural a questão do abandono escolar, (saber como foram feitas as percentagens com as alterações demográficas de haver cada vez menos crianças, mesmo que assim seja, são fábricas de imbecis); A Lei de Bases da Saúde tem de estrutural a comparação com os prédios desenhados por Sócrates, a criação de estruturas  (ULSs) a sobrepor-se aos ACES e às USFs modelo B que  são as que restam e que se mantêm por motivos e por elementos que só lá estão pelos partidos a que pertencem, sem avaliações sérias, com dados aldrabados, má formação de internos o que é um problema muito sério e grave, o resto é cada vez mais gente sem médico de família que por uma questão estrutural e política as esquerdas não querem aceitar, continuando o desastre; o fecho das centrais a carvão uma reforma estrutural aí sim é o a anedota final, ficando Portugal numa situação de grave segurança nacional, dependente de Espanha como no caso do Rio Tejo. Este indivíduo Costa é boçal, mal formado e mal educado e ignorante, apenas esperto e manhoso decerto deve ter esquecido a educação dos pais, como a maioria do povo que nele vota porque dependem dos subsídios a que a maioria não deveria ter direito e não culpem Salazar a coisa tem pelo menos mais de 62 anos, antes disso já havia Previdência Social, sim, antes de 60, no tempo de Salazar, mas era preciso descontar. Vamos ver como corre o Inverno que já entrou, vamos ver desaparecendo a chuva, sem vaga de frio que escaparam á vaga de 2019/2020, sem Covid. Não precisamos de eutanásia aprovada por este estado da Geringonça 2, já é feita pelo Estado Socialista /comunista, no SNS a cair aos bocados, assim se acertam as contas da SS, na miséria daquilo que os parceiros do PS, BE e toda a Geringonça 2 dizem, ao afirmar que  2 000€ é suficiente para se ser um rico, deveriam ler Dostoievski mas isso é areia demais para aquelas cabeças que sem o lerem conhecem bem a natureza humana, no seu pior estado, entranhada nas suas cabeças ocas.                   João Floriano: Excelente a análise daquela ridícula entrevista onde nada se safa, desde o entrevistado, aos entrevistadores e sobretudo a foto à frente da cortina vermelha. Pergunto-me quem foi que teve a ideia de expor ao público as coxas roliças do primeiro ministro. A entrevista foi tão má que  recebeu críticas de todos os lados e houve motivo para pedir desculpas. Igualmente excelente a referência final à visita de Zelenski a Biden e à paz justa em oposição à paz podre que muitos advogam por essa Europa fora.                     AL MA: Excelente artigo, um retrato fiel do personagem que nos empobrece, e enriquece os seus                Cisca Impllit: Bom remate deste artigo. Deus nos livre dos exemplares pai e mãe  de Ant Costa que tão  malcriado e inepto filho espertalhaço deram ao mundo!!                               Pedro Ferreira: Triste sina a nossa!

 

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