quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

É nosso fado


Canção nacional que encobre muita da nossa inércia, que transpõe, para o choradinho, tanto da nossa vida aziaga, de preferência a assumir-se um posicionamento mais responsável perante a vida – independentemente de constituir, em tantos casos, “obra-prima” nacional, que uma “prima-dona” eternizou e tantas e tantos outros elevam, tendo-se tornadoPatrimónio Imaterial da Humanidade”. Helena de Matos, chama a tanto despautério nacional brilhantemente, “o azar dos Távoras”, que tem a ver com comportamentos governamentais e o carisma popular de uma espécie de mansidão cobarde e interesseira em face do poder, que vai permitindo arrastar o “status” pelo despenhadeiro, ao que parece, sem volte-face nunca. Mas leiamos, antes, um pouquinho da Marquesa de Alorna, que se pode encontrar na Internet, tanto na sua biografia dolorosa, por ser da família dos Távoras, como na sua obra literária, como primeira poetisa portuguesa (1750/1839), leiamos o seu conceito sobre a “imagem da vida”, que Ricardo Reis retomará, e justifica o deixar andar do nosso comodismo:  «Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.»

«Sozinha no bosque
com meus pensamentos.
calei as saudades,
fiz trégua aos tormentos.

Olhei para a Lua,
que as sombras rasgava,
nas trémulas águas
seus raios soltava.

Naquela torrente
que vai despedida,
encontro, assustada,
a imagem da vida.

Do peito, em que as dores
já iam cessar,
revoa a tristeza,
e torno a pensar.»

O azar dos Távoras

É esta a expressão que melhor representa a relação dos portugueses com o poder estatal: perante o abuso e a mentira de quem manda, olha-se para as vítimas e conclui-se que tiveram azar.

HELENA MATOS, Colunista do OBSERVADOR

OBSERVADOR, 18 dez. 2022, 03:5841

Porquê falar dos Távoras ou mais precisamente do seu azar quando há tanto para comentar? Por exemplo, comentar a maioria absoluta governamental que cada vez mais se assemelha àquele elevador-aquário de um hotel alemão que, atacado por uma inexplicável fadiga dos materiais, se desintegrou.

Ou, ainda mais urgente, para quê ir tratar dos Távora quando temos aí a pairar esse conceito de “famílias mais vulneráveis” usado agora para definir o grupo que vai receber o apoio de 240 euros anunciado pelo Governo. As “famílias mais vulneráveis” sucedem, nesta linguagem da solidariedadez, aos carenciados que por sua vez haviam sucedido aos desfavorecidos que já tinham eles mesmos sucedido aos mais necessitados que anteriormente eram os pobres e oprimidos ou apenas pobres. A variação dos termos distrai-nos do essencial: está a aumentar a percentagem de pessoas em risco de pobreza. Sem apoios sociais, 4,4 milhões de portugueses são pobres ou têm rendimentos abaixo do limiar da pobreza. Com apoios este número passa para 1,9 milhões, o que não deixa de ser imenso. Ou seja o país multiplica os apoios sociais para escamotear a principal questão: as “famílias mais vulneráveis” que já se chamaram carenciados, isto depois de terem sido desfavorecidos, mais necessitados, pobres e oprimidos ou apenas pobres não conseguem pelos seus meios quebrar o ciclo da pobreza. E o que fazem os Távoras assumidamente ricos aqui no meio deste texto? Os Távoras, eles mesmos, pouco ou nada, o que designamos como seu azar tudo ou quase. E que diz mais sobre o país do que sobre eles mesmos.

Mas o que é ou foi o azar dos Távoras?  Recuemos a 3 de Setembro de 1758, quando, pelas onze e meia da noite, uma pequena carruagem que seguia em direcção ao Alto da Ajuda é emboscada. Trocam-se tiros. Dentro da sege, o rei dom José fica com feridas abertas no braço direito. Donde vinha o rei de noite, sem escolta, numa sege modesta que não era sua, numa semana em que a corte observava luto rigoroso pela morte da irmã do rei e rainha de Espanha pelo casamento? Esse era muito provavelmente o segredo mais mal guardado da corte. Muito provavelmente D. José regressava de um encontro com dona Teresa, mulher do marquês “novo” de Távora. A pública recusa dos Távoras em aceitar esta situação, a par da sua contestação ao ministro, fragiliza-os.

Não é de imediato que se fala de atentado. Primeiro diz-se que o rei está doente. Na verdade, entre Setembro e Dezembro de 1758 aparentemente nada acontece, mas nos bastidores Sebastião José de Carvalho e Melo monta o cerco aos Távoras, A 9 de Dezembro assume-se oficialmente a existência de um atentado contra o rei e é criado o tribunal para investigar, julgar e executar os seus autores.

A 13 de Dezembro de 1758 são presos os marqueses de Távora, as suas filhas, filhos, genros, netos, alguns dos seus criados. Também são presos os duques de Aveiro. A acusação é alta traição e regicídio. O processo é uma formalidade atabalhoada a justificar as sentenças que já estavam decididas. (Um procedimento que Pombal já exercera um ano antes na repressão ao motim dos taberneiros do Porto.) As condenações não se fizeram esperar. As armas da família Távora foram picadas. Os seus bens confiscados. O palácio do Duque de Aveiro, em Belém, foi demolido e o terreno salgado.

Quando no dia 13 de Janeiro de 1759, num campo próximo da Torre de Belém, a marquesa dona Leonor, dom Francisco de Assis, marquês de Távora, os seus filhos … começaram a subir ao cadafalso que aí fora montado, para serem publicamente torturados e executados, entre os que assistiam àquela cena nem todos acreditariam nas culpas que eram imputadas aos Távoras (o caso do duque de Aveiro é diferente pois a arma que disparou contra dom José pertencia-lhe. Outra coisa é se a emboscada em que o duque de Aveiro pode ter tido um papel se destinava ao rei ou a um homem da confiança do rei e dono da sege onde dom José viajava incógnito). O passar do tempo acrescentou essas dúvidas. Os Távoras acabariam a ser inocentados no reinado de dona Maria.

Não recuperaram título nem bens mas deram essa expressão à linguagem comum: “azar dos Távoras” tornou-se sinónimo de alguém que sendo vítima inocente dos abusos por parte do poder não pode contar com justiça ou reparação. O que lhe aconteceu não foi uma prepotência mas sim um azar. Quase uma aselhice da sua parte que não soube fintar o  destino.

Os tempos mudaram mas não a forma como reagimos: aceitamos os abusos do poder. Quanto às vítimas desses abusos elas não são vítimas são pessoas azaradas. Pessoas que deram nas vistas, que foram longe de mais nas suas críticas. O azar dos Távoras somos nós ao espelho.

PS. Para a semana esta crónica vai levedar como as filhoses. Bom Natal.

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COMENTÁRIOS (de 41)

Américo Silva: Por isso não consigo sentir a mínima empatia por D.Carlos e D.Luís abatidos no Terreiro do Paço, cá se fazem, cá se pagam. Dar esmolas aos pobres é coisa do passado, agora dão-se esmolas aos ricos, Boris Johnson recebeu 247.474,81 euros da empresa que detém a TVI e a CNN Portugal, para participar num jantar-conferência, um de três eventos em que participou só no mês de novembro, a cobrar mais de 200.000 em cada um. Isto sim, é transparente, democrático, liberal, e mais tal.               Américo Silva > José Paulo C Castro: Boa tarde. Quero-lhe agradecer sinceramente o destaque que tem dado aos meus comentários com as suas observações, que talvez eles não mereçam. Claro que o dinheiro dado ao Boris ou ao Durão ou ao Obama não tem nada a ver com favores contra a democracia enquanto governantes, nem o dinheiro da grega vice-presidente do parlamento europeu Eva Kaili era meu.              Maria Tubucci: Azar, HM, têm todos os que não votaram no PS e andam a ser esmifrados por ele, os que votaram têm o que merecem, a miséria, outros ainda, emigram mandando o governo à fava. O socialismo é isto, um sistema de realimentação positivo, querem votos, dão esmolas, os pobres aceitam, votando neles, os socialistas em vez de governarem para criar riqueza vão criando cada vez mais pobres e desfavorecidos, que lhes darão cada vez mais votos, criando cada vez mais pobreza, isto até o dia que o sistema rebenta. O que suporta este sistema pedinte é a Europa, no dia que esta faltar, o sistema rebenta. No socialismo todos são enganados, o socialismo irá sacar as esmolas que deu, sob a forma de carga fiscal, sendo as esmolas cada vez menores. O socialismo cria a ilusão que dá, mas não dá nada, só saca. O socialismo é a perversão da democracia, ou melhor, “democracia” para eles porque o sistema é a voz do dono, só fala o que o dono manda.  Bom Natal.               Zé da Esquina: Excelente artigo! Tudo isso me faz lembrar a Venezuela. Hugo Chaves, um suposto homem de bem, que tirava aos ricos para dar aos pobres, conseguiu que um povo pouco esclarecido (?!) fosse no canto do ditador. Seguiu-se Nicolás Maduro, mas o princípio manteve-se: a distribuição de migalhas pelo povo cada vez mais empobrecido. Entretanto, muitos acordaram, certamente, mas agora é tarde. Com um país na miséria, a fome e a emigração em massa são uma realidade. Acredito que muitos que tiveram ‘azar’ foram votantes e acérrimos defensores dos governantes que os levaram a este estado. Troquemos a palavra Venezuela por Portugal e Hugo Chaves (e sucessor) por António Costa e encontraremos muitas afinidades, certamente. O que ainda nos salva é a Europa. Mesmo assim, o ‘azar’ não nos larga.                  Censurado sem razão > Zé da Esquina: O azar chama-se socialismo. E é a única alergia que tenho. Como é possível que ao fim de 36 anos de entrada  na Europa dos ricos, depois de milhares de milhões entrados, tenhamos 4,4 milhões de pobres. Quase 50% da população. A restante é remediada. Se isto não consegue encher o povo de vergonha é porque temos exactamente aquilo que merecemos. Pobre povo, nação demente.                  Nuno Borges: Votando no populismo marxista os portugueses são os autores da sua desgraça.               joaquim zacarias: O socialismo é uma máquina de fabricar pobres.             manuel rodrigues: Muito acertada aquela comparação entre este a maioria absoluta socialista e o elevador-aquário alemão. Este, explodiu há dias, em Berlim, inesperadamente. Um pouco à maneira do colapso da ponte de Entre- os-Rios. Um dia vai acontecer. Quando, a seu tempo, iremos saber.            Alexandre Barreira: Pois. Cara Helena. O Sócrates diz o mesmo Mas o Carlos Alexandre é teimoso!           Fernando Cascais: Os Távoras de hoje.  O Marquês de Pombal está representado no poderosíssimo primeiro-ministro António Costa com a sua maioria absoluta. Já Dom José encaixa perfeitamente no pinga-amor Marcelo, grande beijoqueiro e amante fora da sua família política. Teresa, a belíssima Teresa de glúteos avantajados é a nossa República representado pela efígie com os seios à mostra e bandeira ao ombro, e, que é obrigada, tal como Teresa, a assistir à matança da família na primeira fila.              José Paulo C Castro: É sabido que o Marquês de Pombal foi iniciado na Maçonaria, em crescendo inicial pela Europa, ainda antes de ascender ao poder. A Baixa que ele reconstruiu é um autêntico referencial a simbologia maçónica.  O caso dos Távoras foi uma oportunidade para ele se ver livre de uma fonte de poder desalinhado com esses princípios, usando uma justiça já subvertida por gente do aperto de mão secreto. Ainda hoje, o azar dos Távoras é esse: o azar de não conseguirmos perceber quem apertou a mão a quem para que a vítima fosse condenada ou outros deixados impunes a prescrever.             Amigo do Camolas: O viciado em drogas procura o estado irreal porque o deixa feliz. É o mundo real que o deprime. E tal como o viciado, muitos portugueses escolheram dar maioria a Costa... não porque ele os tirou da pobreza extrema ou porque lhes deu mais poder de compra mas porque ele os mantém na pobreza e isso os faz felizes. E enganá-los deixa Costa feliz também. E subsídios são como sabemos o melhor sinal de que estamos no caminho certo.               José Paulo C Castro > Américo Silva: O dinheiro dado ao Boris é seu? Do Estado? Ou está a condenar que se dêem subsídios estatais a meios de comunicação? Vá à origem do problema ou deixe de ter inveja do Boris.                 João A: Obrigado pela crónica. Lentamente o estado socialista vai controlando a vidinha de cada um de nós. Não se pode ter iniciativa de coisa nenhuma, que é só entraves. Exigências absurdas (e custos) feitas por incompetentes… que é qualquer coisa que deixa qualquer um com o mínimo de inteligência, ou dignidade,  sem vontade de fazer nada neste país.... Já somos 4 milhões de pobres, amansados,  e a viver de subsídios. Como deve ser, segundo a corja socialite. Estamos em pleno socialismo, a bombar!             klaus muller > Américo Silva: A inveja é uma coisa tão feia, Silva...

 

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