sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Pura ficção


Isso dos livros, que pouco contam na questão. Trata-se antes de seguidismo do preceito bíblico da dádiva cristã por interesse próprio na conquista do Céu, de antemão conhecendo, a esquerda virtuosa, que empresta a Deus quem dá aos pobres. Pese embora a excelente análise que disso faz Rui Ramos, pérolas perdidas no nosso contexto cultural, esse sim, a regredir, tirando os que se esforçam em fazer progredir, coitados, (falo dos professores), ou mesmo em progredir, valentes, (falo dos alunos)…

Dar a ricos para não dar a pobres

Ao discriminar os alunos em função da tipologia pública ou privada da escola, o governo oferece manuais escolares a ricos (da rede pública) e rejeita-os a pobres (da rede privada). A ideologia é assim

RUI RAMOS

OBSERVADOR, 08 dez. 2022

A gratuitidade dos manuais escolares está consagrada para os alunos da rede pública. O seu alargamento aos alunos do ensino privado foi proposto na Assembleia da República (por iniciativas de PSD, IL e CH) e foi chumbado com os votos contra dos partidos à esquerda (PS, PCP, BE, Livre). Não sendo surpresa, a circunstância é exemplar acerca de dois vícios do debate político, que vale a pena destacar e que talvez ajudem a explicar o nosso atraso. Por um lado, a cegueira ideológica com que se olha para o sistema educativo, escolhendo o ângulo morto que coloca a oferta pública e a oferta privada num braço-de-ferro. Por outro lado, a ignorância de quem imagina as ofertas pública e privada segmentadas por classe social — acreditando mesmo que o privado está recheado de meninos ricos. O que têm em comum a cegueira ideológica e a ignorância? Não conhecem ou percebem a realidade.

Primeiro: a regra que vigora sobre os manuais escolares contém um erro de princípio. Porquê? Porque a gratuitidade exclusiva para quem frequenta escolas da rede pública rompe com o modelo vigente de apoios na Educação. Tendo em conta a relação entre contexto social e probabilidade de sucesso escolar, os apoios do Estado na Educação estão por definição associados ao perfil socioeconómico do aluno, destinando-se obviamente aos mais carenciados e podendo ser alargados a partir deste critério. Se for essa a opção política, os apoios do Estado podem ser alargados até se tornarem universais e chegarem a todos os alunos. Contudo, o que vigora é uma terceira via: a opção de definir apoios em função da natureza institucional da escola. Ora, isto corresponde a seguir um critério incoerente, de raiz ideológica e com efeitos perversos, pois deixa famílias carenciadas sem acesso a este apoio, só porque os filhos não frequentam uma escola da rede pública — como, em 2020, a Provedora de Justiça alertou.

Segundo: a ideia de que as escolas privadas são para alunos ricos é uma fantasia. Por um lado, é evidente que os alunos da Acção Social Escolar estão esmagadoramente a frequentar escolas da rede pública — apenas 1% da dotação orçamental da Acção Social Escolar se destina a alunos da rede privada. Por outro lado, em 2021, 21% dos alunos (pré-escolar ao ensino secundário) frequentou a rede privada. Se olharmos apenas para o ensino secundário, constatamos que 1 em cada 4 alunos (24%) estava matriculado na rede privada (já agora, uma percentagem superior ao ano 2019). Ora, Portugal não é um país rico. E, por isso, a menos que se acredite numa espécie de milagre que enriqueceu um quarto dos agregados familiares com filhos, fica-se perante a evidência de que inúmeras famílias portuguesas fazem um enorme esforço económico para ter os seus filhos na rede privada — umas vezes por opção educativa, outras vezes por necessidades de natureza pessoal ou profissional (horários, serviços extra-escolares, proximidade geográfica, apoios a necessidades educativas especiais).

Terceiro: a composição social das escolas da rede pública é muito diversa. Em 2022, 358 mil alunos foram beneficiários da Acção Social Escolar, o que (simplificando) corresponde a cerca de um terço dos alunos matriculados na rede pública do básico e secundário. Dito ao contrário, tal significa que dois terços dos alunos não estão sinalizados por carências sociais e económicas. Ninguém achará que, por isso, estas são todas famílias de contextos favorecidos ou mesmo ricas. Mas algumas até o são. E frequentam escolas da rede pública que mais parecem colégios.

Acha que não? Olhe que sim. Devido às regras das matrículas, a composição social das escolas da rede pública espelha a segregação residencial existente, o que significa que, nos bairros onde a habitação é mais cara, as escolas da rede pública assemelham-se aos colégios privados mais elitistas — quase sem alunos de contextos desfavorecidos. E vice-versa: nos bairros mais desfavorecidos, a população escolar está quase toda na Acção Social Escolar (ASE). Ilustro com exemplos, a partir deste estudo da DGEEC. No distrito de Setúbal, há uma escola com 83% de alunos com apoio ASE e outra escola com apenas 17% de alunos nessa condição. No concelho de Lisboa, há uma escola com 8% de alunos com apoio ASE e outra com 78%. No concelho do Porto, mesma coisa: escolas com 16% e escolas com 87%. A rede pública única e homogénea que aparece nas caricaturas dos discursos parlamentares não existe: no seu lugar, há uma rede amplamente diversa, que também toca nos extremos — dos mais pobres aos mais ricos.

Resultado: ao discriminar os alunos em função da tipologia pública ou privada da escola que frequentam, o governo (com o apoio de toda a esquerda) aceitou o ónus de oferecer manuais escolares a ricos (da rede pública) e de os rejeitar a pobres (da rede privada). A ideologia é assim: pinta realidades complexas em tons estupidificantes de preto e branco. O preço maior será pago por alguns — aquelas famílias que se desdobram e contam os cêntimos para manter os filhos na rede privada. Mas o cinismo da esquerda parlamentar, tão disponível para sacrificar os mais desfavorecidos que não encaixam nos seus ideais, esse fica mesmo à vista de todos.

MANUAIS ESCOLARES   EDUCAÇÃO

COMENTÁRIOS (de 23):

Alexandre Barreira: Pois. Ter "figos" sem figueira. Não é fácil !                   Mapns Santos: Não é só cegueira ideológica,  é mesmo fanatismo irracional.                  Carlos Chaves: Caríssimo Alexandre Homem Cristo, enquanto continuarmos a achar que isto é ideologia, cegueira, ignorância, incompetência etc… esta esquerda destruidora vai fazendo o seu caminho. Tudo isto é estratégico e tem que ser tratado como tal. Isto são crimes contra o nosso Estado de Direito, as nossas liberdades individuais a justiça social e o direito a uma educação despolitizada. Neste caso visa o sistema educativo, mas esta estratégia está em marcha há sete anos! A esquerda “moderna” já não faz revoluções para controlar e se manter no poder, toma-o de assalto por dentro. Que melhor área do que a educação, para garantirem novos afiliados, e já agora, acríticos e “burrinhos” para não questionarem os futuros lideres? Temos que estar com mais atenção ao que se passa aqui ao lado em Espanha e com os correligionários do Costa, pode ser que aprendamos alguma coisa! Isto são movimentos muito perigosos, e se estamos à espera que a “Europa” nos salve e nos proteja de novas ditaduras pode ser que nos saia o tiro pela culatra.                  Carlos Almeida: Bem visto. Boa análise.             Afonso Soares: Porque é que as famílias que se sentem pesadas não recorrem para o tribunal constitucional? PORQUE é que os partidos que votaram contra esta lei não recorrem para o constitucional? A constituição não é igual para todos independentemente da condição financeira?                      Antonio Alvim: Na Saúde é igual. Só se tem acesso a meios complementares de diagnóstico comparticipados pelo SNS se for a uma consulta no SNS. Se for pobre e for a uma consulta privada (até porque o Estado não tem como lha fornecer -existem 1 450 000 utentes sem Médico de Família) tem que pagar do seu bolso.                    Madalena Sa: Muito boa análise! É triste mas os Portugueses não percebem! Ficaram completamente estupidificados depois do 25 de Abril! Em vez de evoluírem estupidificaram! É isto o socialismo!                 Lápis Afiado: Isto sim é discriminação e racismo económico ......uma das maravilhas da esquerda.

 

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