Quando, em alturas depressivas, ou porque nos julgamos injustiçados na
vida, nos choramos intimamente, de repente pensamos que somos abençoados,
porque não nos falta saúde nem aos nossos filhos e ficamos gratos por tal, a um
deus desconhecido, mas que amamos - também pelo universo e beleza que nos
rodeiam – a par, é certo, das tais monstruosidades a que o mundo assiste, mais
ou menos impotente, mas colaborando, por vezes, para sanar esse Mal – e a isso
também ficamos gratos. O budismo, muito sábio… Mas não será que menos altruísta,
nessa preocupação-mor de libertação pessoal, desligada do mundo? Para mim, é
esta também a lição da bela história pessoal de Luís
Soares de Oliveira.
FACEBOOK, 19 de
Dezembro de 2020 ·
CONVERSA COM
DEUS
Era em Macau, num pequeno templo Budista que tinha a
porta aberta ao público. Minha mulher e eu entrámos e deparámo-nos com um monge
sentado em pose Lotus com as costas para a entrada. O monge emitia um longo
gemido nasalado e, de quando em quando, fazia soar um gongo que produzia
vibrações cordiais, calmantes que se silenciavam gradualmente. Chamava Deus,
pensei eu. Não resisti. Rapei da câmara de bolso e preparei-me para
fotografar a chegada de Deus. O monge interrompeu imediatamente a sua
cantilena e, sem se virar, disse em inglês "no photos". Repetiu o
aviso, após o que retomou o seu cântico monocórdico. Interrompi uma conversa
com Deus, pensei eu. Na realidade, não interrompi
porque os Budistas não acreditam em Deus. Entendem os budistas que
acalmando a mente e libertando-a de todo o cuidado e preocupação terrenos
encontram a sabedoria. Esta está lá, instalada não se sabe por quem. Ao homem
compete descobri-la.
Tudo se resolveu O monge sentado continuou o seu auto
alheamento e eu retirei-me privado de registo fotográfico. Intrigou-me,
contudo, o facto de o monge, mesmo de costas para mim, ter dado conta do meu
gesto, mas atribui isso a efeito da meditação que o libertava de cuidados e
preocupações para o tornar consciente de si e de tudo o que o cercava.
Mais para
Ocidente, a coisa não é assim tão simples - aqui, o homem procura falar com
Deus e não com a sua própria consciência. Talvez por isso, na maior
parte dos casos não dá conta da presença de Deus quando O encontra. Eu - por exemplo - só muito
mais tarde me apercebi de ocasiões da minha vida em que Deus estava lá. A mais
remota, teria eu os meus sete anos, deu-se quando, em encontro ocasional
de rua e conversa despreocupada com um vizinho de meus pais - um abastado
engenheiro da construção civil -, confessei que a coisa mais desejava era
uma bicicleta. Estávamos no Verão, em São João do Estoril. Por alturas do
Natal, o vizinho convidou-me a entrar na sua garagem, apontou para a bicicleta
do seu filho, três anos mais velho do que eu, e disse-me :- O meu filho cresceu
muito e já não cabe nesta bicicleta. Vou dar-lhe uma maior no Natal e, se tu
quiseres, esta fica para ti. Eu não cabia em mim de alegria. Nunca mais
larguei a bicicleta. Por vezes até me esqueci da escola. Só mais tarde percebi que ali
houvera mão de Deus - só Ele me poderia ter dado uma bicicleta de boa marca
inglesa e simultaneamente vacinado para o resto da vida contra a raiva aos
ricos, insanidade mental que viria a afligir a grande maioria das gentes da
minha geração.
2 COMENTÁRIOS
Francisco Velez: Realmente é uma história que dava quase uma novela, gostei da partilha eu que acho que sou crente.
Francisco G.
de Amorim: Sempre
me fazem bem as suas memórias. Obrigado
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