domingo, 4 de dezembro de 2022

“Amar perdidamente”

 

“E não amar ninguém”. É falsa a idolatria, ditada pela conveniência e a hipocrisia.

Neymar e o ódio que nasce do amor

Pelos vistos, milhões de agressões (verbais) a Neymar, que votou em quem não devia, não equivalem a uma única agressão (verbal) ao sr. Gil, que votou em quem era imperativo votar.

ALBERTO GONÇALVES, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 03 dez. 2022, 12:2139

Quando, há dias, li que o músico Gilberto Gil fora agredido no Qatar, imaginei logo tabefes, sangue, hospitais, perigo de vida. Por sorte, o vídeo que registou o episódio mostrou que a coisa não chegou a tanto: tratou-se apenas de alguém que, à passagem do ex-ministro da Cultura, repetia o nome de Bolsonaro enquanto agradecia, presume-se que ironicamente, as preferências eleitorais do sr. Gil. O sr. Gil nunca reagiu à interacção. Aos 57 segundos do vídeo, o “agressor” lançou o velho insulto que tecnicamente ofende a mãe do visado. O sr. Gil, de costas, saiu de cena. E foi assim. Desagradável? Com certeza. Uma tragédia inconcebível, com direito a indignação dos “media” brasileiros em peso, incluindo notícias televisivas e capa de um dos principais jornais do Rio? É capaz de ter sido excessivo.

Principalmente se os excessos padecem de viés político. Recuperado da inominável agressão, o sr. Gil pediu “um Brasil sem ódio”. Não foram palavras fortuitas. O ódio, todos nos garantem, é exclusivo dos apoiantes de Bolsonaro, um boçal que para início – e fim – de discussão nos asseguram ser um genocida. Do lado oposto, Lula, um boçal que nos asseguram não ser um ladrão, era o candidato da “paz” e do “amor”, os combustíveis dos respectivos admiradores. O coração destes transborda bondade, circunstância que torna peculiar a atitude tomada para com o principal futebolista da selecção local, desde que esse futebolista subscreveu a candidatura do referido genocida. É grave? Também não acho. As pessoas, mesmo aquelas que correram às urnas para combater o ódio, têm o direito de odiar.

E, conforme se nota, odeiam sem parança. Há dois meses que Neymar é alvo de uma quantidade incomensurável e diária de ofensas e ameaças, as quais subiram de intensidade e volume a partir do instante em que se lesionou, já durante o Mundial da bola. Num ápice, a metade pacífica, amorosa e ecuménica do Brasil desatou a festejar o infortúnio do homem e a desejar ruidosamente que o infortúnio se prolongue até ao fim do campeonato. Os mais bondosos chegam a desejar-lhe a morte. Isto na internet. Os “media” tradicionais concordam discretamente com a internet ou ignoram o assunto. Não houve manchetes, caça aos agressores, comoção nacional. Tirando a crítica de meia dúzia de comentadores desportivos e a solidariedade de alguns ex-colegas de profissão, com Ronaldo à cabeça, não houve nada. Pelos vistos, milhões de agressões (verbais) a Neymar, que votou em quem não devia, não equivalem a uma única agressão (verbal) ao sr. Gil, que votou em quem era imperativo votar.

Confesso escasso interesse por Neymar, que mal vi jogar, pelo sr. Gil, de que recordo duas ou três músicas decentes da década de 1960 e inúmeras figuras tristes nas décadas seguintes, e pela realidade brasileira em geral. Aqui, o que me interessa é o carácter universal, ou no mínimo ocidental, da discrepância de critérios, da manipulação informativa e da opressão tão discreta quanto eficaz. Não é somente a liberdade de informação que está evidentemente condicionada, nem a liberdade de expressão que está provavelmente em risco: o ar dos tempos vai erguendo muros altos, feios e sólidos à própria liberdade de pensamento.

Por toda a parte, crescem os muros, ou “cercas sanitárias”, em redor do que é tolerável dizer e, por arrastamento, pensar. Uma cartilha tácita, crescentemente estreita, delimita o espaço disponível à opinião individual. No fundo, podemos pensar e dizer o que quisermos – logo que o que pensamos e dizemos observe a cartilha, ou seja, logo que a opinião individual não ouse ser opinião e ser individual. Já não há duas, ou três, ou trinta perspectivas possíveis na saúde, na doença, no clima, no sexo, nas minorias, nas maiorias, nos negócios, nos regimes, na História, nos transportes, nos regimes, nos costumes e no que afinal determina tudo o resto, incluindo o respeito pela dignidade do sr. Gil e a repulsa pela indignidade de Neymar, a ideologia. Há uma perspectiva. Uma. E mil cognomes para os dissidentes com ou sem razão: “negacionistas”, “fascistas”, “racistas”, “colonialistas”, “supremacistas”, etc. Nem sempre os dissidentes têm razão, mas a razão perdeu relevância num mundo em que a obediência prevalece sobre os factos. O conformismo é a regra, e a regra é o conformismo.

Em prol de um “bem comum” de origem sombria e pertinência nula, a vida democrática deixou de ser um lugar onde se permite escolhas para se transformar num acanhado reformatório de doutrinação e castigo. Ou é de mim, ou a vida democrática começa a parecer-se pouco com a democracia, e a parecer-se demasiado com uma ditadura. A legitimação pelo voto? Não serve de muito se só o voto “deles” e “neles” é legítimo, e os demais uma blasfémia a punir e calar. Neymar que o diga, se ainda lhe permitirem falar.

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COMENTÁRIOS:

Alexandre Barreira: Pois. É como o CR7. Ontem era bestial. Hoje é uma grande besta. E amanhã é das "arábias" !                   Meio Vazio: A coisa chegou a tal ponto que o verbo "gostar de", se conjugado na negativa, se tornou caduco em vastos domínios. Desapareceu o poder "não gostar" de tatuagens, de hip hop, de samba, de paradas lgbti+++++, de Lula, de alguns costumes de ciganos, dos virtuosos e vigilantes SOSs, da democracia palestiniana. Claro que se continua a poder "não gostar" de tourada, de Trump, do Ventura, de Israel, dos alemães, da sra. Lagarde, de votantes no Bolsonaro, de futebol, de Marco Paulo e de caracóis, mas apenas porque, nestes casos, não se tratará de "odiar" (o verbo glutão).              Cupid Stunt: A hipocrisia, dos do costume, no seu esplendor. Muito bem notado, com enorme sagacidade e ironia, como é habitual. Obrigado AG. João Floriano: AG não está de modo algum enganado. Isto em que vivemos está muito longe de ser democracia e a caminhar a passos rápidos para ser uma ditadura. Ainda gozamos de uma relativa liberdade de expressão porque as redes sociais são de dificil controle e porque a esquerda dominante que decide o que é aceitável ou não, quais as linhas vermelhas a desenhar e os cancelamentos a efectuar, precisa de bodes expiatórios onde possa expor as suas muitas virtudes. Qual a importância da Inquisição se não pudesse organizar autos de fé e queimar hereges na praça pública? Outros tempos outras Inquisições e inquisidores, outros autos de fé e outros hereges para a fogueira, mas o princípio básico é o mesmo: Ou pensas como eu ou mereces o fim.

Maria Silva: O que se está a passar (e não é de hoje) é muito grave e parece-me que ainda nem sabemos bem no que tudo isto vai dar. Mas penso que até 2026 será tudo mais claro.              Maria Tubucci: Excelente AG, isto é o que qualquer pessoa sensata, que não usa óculos de Penafiel, consegue enxergar. A esquerda que capturou os meios de comunicação social agora é dona da palavra, decidindo qual é o discurso e acusando quem não segue o seu pensamento, de discurso do ódio. Surpresa? Não, a esquerda segue a máxima acusa os outros daquilo que tu és e daquilo que tu fazes, mandamento de Lenine. Toda acção tem uma reacção, 3ª Lei de Newton. As pessoas tolerantes e sensatas do centro começaram a ver que a comunicação social só promove: a mentira como uma verdade, a corrupção como uma virtude, a insanidade como normal, o mal como bem, a injustiça como uma verdadeira justiça, a discriminação e a criminalidade como justiça social, a burrice climática como inteligência, começaram a ver que o mundo da CS é contrário aos seus princípios morais. Como tal, as pessoas deixaram de acreditar e de confiar na CS. A maré está a mudar, a onda de revolta da maioria silenciosa que está a ver os seus princípios morais, sociais e económicos, a serem destruídos, está a crescer. O centro está a deslocar-se para a extrema, se a onda continuar a ser alimentada, pela intolerância da esquerda e do politicamente correcto, rebentará e levará tudo à frente, colocando um freio na esquerda. Lembrem-se a paciência tem limites.

A esquerda diz que vivemos em democracia? Será? Não sentem um ataque à propriedade privada através dos impostos e à propriedade intelectual, com a autocensura da CS?              Amigo do Camolas: A democracia voltou ao Brasil e o amor também. Por isso, desejar a morte Neymar só pode ser amor e chatear o Gil só pode ser ódio. Tal como Pessoas comuns, jornalistas, senadores e redes sociais foram e estão a ser censuradas, empresários estão a ver suas contas bancárias bloqueadas é tudo por amor. Mas cada País tem o que quer. O lodo de corrupção em que o Lula e o PT nadaram já tinha sido esfregado na cara dos Brasileiros pelos mesmos juízes do STF que agora censuram quem diz o que eles disseram, mas assim mesmo eles elegeram o santo dos pobres, Lula, ungido também por toda a nossa imprensa como o salvador da democracia brasileira. Contando ninguém acredita. A imprensa já teve momento bem mais saudável que o actual - agora, depois de já estar mais que confirmado que toda ela está engajada com a panfletagem da esquerda, parece que toda ela caiu (estupidamente) também na tentação da panfletagem da extrema-esquerda. O que se passou no Brasil com Lula e todas as almas honestas associadas ao PT foi de uma roubalheira de fazer corar até um morto. Mas a forma como a esquerda embeleza o ódio da esquerda e a desunião de um ex-presidiário é de fazer corar até o Lula. E mais uma vez as almas honestas da esquerda atravessaram incólumes todos os capítulos de escândalo de outro ex-presidiário de esquerda, seu lodo de corrupção e seu ódio amoroso. A loucura mansa da esquerda faz de qualquer ladrão um herói. Não é para amadores.             José B. Dias: Concordo em absoluto! Esta "democracia" anda a ficar cada vez menos democrática ...         Eduardo L: Tendo presenciado o que se passou nos últimos quase 3 anos com a saga covid, com o dogma do aquecimento global e com as 'sanções' à Rússia quem ouse sequer questionar algum destes tópicos fora da narrativa oficial é logo apelidado de inúmeros nomes mais ou menos obscenos! Este artigo é uma maneira muito subtil de dizer que na prática já não vivemos (no ocidente) em regimes democráticos mas sim totalitários. Estipula-se uma narrativa, que convirá a algumas elites, faz-se o brainswash das massas com a ajuda imprescindível dos media sempre coniventes e dos social media e, a partir daí, passa a haver uma só verdade! Porque sim. Totalitarismo moderno.                 Maria Emília Ranhada Santos: Todos sabemos perfeitamente, e sem sombras de dúvidas que o Ódio é o maior trunfo das esquerdas, a quem foi ordenado virar o bico ao prego e acusar a direita e todos os que se oponham às ideologias de morte deles, dessa "qualidade"! Desmantelar tudo até a linguagem e o significado dos termos, para imporem a nova ordem mundial, que é uma terrível ditadura que ninguém nunca aceitaria, senão por uma fortíssima repressão! Formataram muitas cabeças para os ajudarem na desconstrução da civilização cristã, a melhor das democracias existentes na história da humanidade, mas...esta democracia, não agrada mesmo nada a Satanás e aos seus capangas, que desejam ódio com todas S suas forças, em vez do Amor Cristão! Tudo assenta na mentira! Todas as estratégias do inimigo se baseiam na covardia, na hipocrisia, no ódio, na corrupção, na morte, na guerra, na fome e no caus! É para isso que o mundo e Portugal também, está a ser conduzido! Rezemos, porque Deus ainda está no comando e quando eles menos pensarem Ele, o Senhor mostra-lhes quem manda neste mundo!                  Lily Lx: O ocidente e o ridículo. Para nos salvar do ridículo, a comissão de ética para as ciências da vida veio dizer que as casas de banho nas escolas devem ser neutras. E convidam o ps e o be a ir mais longe nas suas propostas. Que abençoados somos por ter tal gentinha no país.              mais um: Realmente achei estranho cada vez que Neymar aparecia no ecrã do estádio a quantidade de assobios. Eram claramente pessoas pobres, activistas e defensores da igualdade, os famosos esquerda caviar a berrar contra o homem.            TIM DO Ó: É a "democracia" da esquerda. Nem 4 anos depois ...16 h: Imparável AG. A democracia precisa de colunistas de coragem.          I G: Bravo, Alberto Gonçalves! Parabéns pelo eloquente artigo onde tocou no cerne da questão.

 

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