Que abandonou as suas funções, Alexandra Simões Silva, texto que a Paula me entregou, no café familiar domingueiro da manhã, último deste ano,
pois o café só reabre depois do dia 1 de 2023. Só alterei a ortografia, não
adepta que sou do AO 90, que os professores são forçados a adoptar. Sim, já
várias vezes temos aqui exposto sobre o difícil papel da docência, hoje, neste
país donde o respeito pelas normas clássicas desapareceu, superado pelo
igualitarismo parolo dos conceitos democráticos que supervalorizaram, todavia,
por falsa fraternidade e exibicionismo grosseiro, os poderes dos mais fracos -
em idade, estatuto social, deformações (aparentes ou reais) da personalidade:
no fundo desinteressados, os defensores das actualizações ideológicas, daqueles
valores sólidos da formação educativa, apoiada em conceitos clássicos de rigor
moral e intelectual. E um governo que permite o boicote dos números
estatísticos, para apresentar resultados favoráveis, adulterando assim uma
realidade menos benigna no que toca a confrontos com outros povos, como a
autora do texto informa, na sua exposição biográfica, é bem digno de repúdio por
tal libertinagem moral. O “Ser e o Nada”, o “Ser e o Não ser” aplicados não à
problemática da Vida e da Morte, mas à de uma realidade de falcatrua, que é a
que nos descreve Alexandra Simões Silva no seu excelente relato autobiográfico,
de uma mente moldada nos princípios do rigor, este, hoje, uma muralha gradualmente
a desabar, se desaparecerem as Alexandras Simões Silva do nosso espaço cultural,
capazes de denunciar. Para além disso, todo um processo de risco físico, em
certos casos de ensino, que a sua experiência colheu. Ou apenas de desgaste físico
e psicológico, pela generalização de uma escola que fraternalmente abarca todas
as categorias mentais, retirando credibilidade ao ensino e manipulando as consciências,
ou reduzindo a auto-estima de quem estudou para se afirmar através do estudo e
da competência progressiva, pesem embora os desvios da fraternidade, mais apelativos
de um trabalho de sensibilidade, conquanto meritório, mas apelativo de outros espaços de acolhimento.
«Hoje os professores manifestam-se uma
vez mais. De todos os impropérios que lhes podem chamar, a opinião pública
tende a centrar-se nos preguiçosos, nos parasitas, nos intelectualmente
deficitários, enfim, tudo o que uma horda de pais, incapazes de reconhecer o
quão tendenciosas e manipuladoras são as opiniões dos seus filhos, propensos à
preguiça académica, advoga. A culpa é sempre do professor.
A verdade é que ser professor é uma das
mais nobres profissões. A evolução de um país baseia-se na forma como os seus
professores, profissionais de saúde e justiça são tratados. Escusado será dizer
que muitos dos dois últimos foram e ainda são formados na escola pública que é,
actualmente, tão negligenciada.
Deixei a profissão docente, com grande
pena minha, há uns anos. Fi-lo, não porque não adorasse ensinar, fomentar o
espírito crítico, partilhar da efervescência da juventude que ensinava. Fi-lo
porque me sentia maltratada. Porque passar alunos seria prioritário. Mesmo que
não viessem às aulas. Mesmo que agredissem os professores. Governos, ministros,
ministérios e alguns directores empurram os professores para uma
obrigatoriedade que obedece ao número e não à qualidade. E os professores
cedem. Perante a pressão, perante os processos, perante os votos patéticos para
passar o menino (não raras vezes intelectualmente incapaz, arrogante e
indisciplinado. Preguiçoso, já nasceu assim). Os professores cedem, saudosos da
qualidade que prometeram exigir. E depois pressionam-nos os pais, que exigem
resultados, com o esforço unilateral do docente, já que ao discente basta
existir. Afinal, será influencer, o seu grande sonho. E depois, tudo o resto.
Um salário mau. A ausência de subsídios de deslocação para os que vivem nos cus
de judas. A ausência dos subsídios de risco para aqueles que estão enfiados num
contentor com alunos armados (sei do que falo). O desgaste de quem trata,
ensina, educa e acarinha os autistas, os hiperactivos, os ansiosos, os
deprimidos, e mais 300 alunos ditos normais, o que, nos tempos que correm, é
alvo de grande discussão. Muitos a necessitarem de apoio de psicólogos
escolares, que escasseiam, em vez de colocarem mais esse peso nos ombros dos
professores. Também muitos deles a precisar de ajuda para lidar com tanta
pressão e diversidade.
Estou muito solidária com os meus
antigos colegas. Acima de tudo porque a escola pública merece o reconhecimento
devido. Porque os pais com menos possibilidades financeiras nunca poderão
recorrer aos colégios onde os herdeiros dos paizinhos políticos se refugiam
longe do bombardeamento da escola pública. E porque os alunos bons, como eu
fui, merecem subir mais do que a geração anterior. E merecem ter essa hipótese.
Abandonei o ensino para ter qualidade de
vida, porque reconheci que apesar dos meus esforços e potenciais qualidades no
exercício da profissão (os meus alunos o dirão) isso não me garantiria casa,
carro e o prazer de poder fazer coisas que me fazem feliz. Porque dar aulas, no
contexto actual, já não chega. Tenho muitas saudades mas, infelizmente, não me
vejo a regressar. Os professores são, infelizmente, muito mal-amados e
tratados. Merecem muito mais respeito. Merecem reconhecimento. Merecem uma vida
tão nobre quanto a sua tarefa. Caso contrário, abandonaremos os alunos à sua
sorte. À imagem do que os governantes fazem com a escola pública.
Se os jovens e os pais tiverem essa
consciência, juntam-se à luta dos professores. Pelo Bem comum.
Alexandra Simões Silva
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