Pelo menos, aparentemente. Porque objectivamente
pendente de uma personalidade que se distingue por valores de inteireza moral,
que estão na base de uma orientação política feita de equilíbrio, no seu
sentido de pesquisa dos factos objectivos, sem concessões a uma subjectividade
de natureza clamorosamente crítica, como a têm outros nossos analistas
satíricos, de uma displicência nem sempre aceite, que nos educam e juntamente
divertem.
Teresa de Sousa não faz
humor. E todavia, é sempre com extremo prazer que a lemos, no rigor e seriedade
das suas pesquisas com que, decididamente, alinhamos, ressalvadas as suas
orientações políticas - nem sempre presentes, todavia - amantes que somos de
orientação, neste caso, do foro histórico, a respeito do Oriente e de Putin, da
Ucrânia que lhe merece todos os galardões, dos Estados Unidos, que
decididamente são credores de toda a gratidão deste Ocidente que com eles forma
tenaz barreira, desde o século passado bem demonstrada, contra os ventos do
Oriente, e que rezamos para que seja frutífera neste nosso século,
inesperadamente apanhado por um cataclismo de ferocidade e loucura que um Pacto
sensato tornara impossível, mas que serve, contudo, de ameaça assustadora
contra a integridade terrena global.
Opinião
Não é possível negociar com Moscovo
Estamos muito longe de qualquer
possibilidade de negociações que sirvam os interesses da Ucrânia e os
interesses das democracias ocidentais. Que são basicamente os mesmos.
PÚBLICO, 4 de
Dezembro de 2022, 6:29
1. “Temos de fazer tudo o que for necessário
para que a Ucrânia possa ganhar a guerra.” As palavras são da primeira-ministra
finlandesa. Foram ditas na
semana passada, em Sidney. Fazem parte da sua intervenção num think-tank
australiano, na qual Sanna Marin teve a capacidade de dizer quase tudo o que é
preciso dizer sobre a guerra neste momento. “Haverá, um dia, um tempo para a
paz. Mas a paz só pode chegar nos termos em que a Ucrânia a definir. É preciso
aumentar os nossos esforços para levar a liderança russa a perceber que só pode
perder esta guerra – e que a perderá.”
As palavras de Sanna Marin, que lidera um
país com uma fronteira de mais de 1600 quilómetros com a Rússia e cuja história
lhe ensinou o que significa viver ao lado de um império expansionista e
agressivo, resumem bem o que está em causa, quando a guerra entra no seu décimo
mês e quando se volta a falar de negociações de paz.
O ponto de partida foram as palavras
de Joe Biden, durante a conferência de imprensa conjunta com o seu
homólogo francês, na quinta-feira passada, durante a qual disse estar
disponível para falar com Putin desde que o Presidente russo ponha fim à
guerra. O que disse Biden exactamente? “Existe uma forma de esta guerra acabar,
uma forma racional: é Putin sair da Ucrânia. Parece que ele não o fará.” As
suas palavras não deixam lugar para dúvidas. Foram ditas, de acordo com
analistas em Paris e em Washington, para mostrar que não há divergências com
Paris (e Berlim) sobre a melhor maneira de lidar com Putin. A França e a
Alemanha quiseram manter, desde o início da invasão, uma linha aberta
com Moscovo, para não fechar as portas a uma solução diplomática, na
qual já acreditaram bastante mais. Na mesma conferência de imprensa, Macron não
quis, por seu lado, deixar qualquer dívida sobre o que pensa hoje: eventuais
negociações de paz só podem ser feitas nos termos e nas condições que a Ucrânia
decidir.
Mesmo assim, a Casa Branca fez questão de
clarificar o significado das palavras do Presidente, que “não tem qualquer
intenção de falar com o senhor Putin neste momento”. “Como também [Biden]
disse, Putin não demonstrou absolutamente nenhum interesse em qualquer espécie
de diálogo”, esclareceu o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John
Kirby.
2. Pouco depois desta conferência de
imprensa, o chanceler Olaf Scholz tomou a iniciativa de telefonar ao Presidente
russo. O telefonema durou uma hora. Segundo o Governo alemão, o chanceler
transmitiu a sua condenação dos ataques russos a infra-estruturas civis e
reafirmou “a determinação alemã em apoiar a Ucrânia, assegurando a sua
capacidade de defesa contra a agressão russa”. Putin terá acusado o Ocidente de
seguir uma “linha destrutiva” ao fornecer armas à Ucrânia, levando a que Kiev
“rejeite completamente qualquer ideia de negociação”.
Coube ainda a Serguei Lavrov, o chefe da
diplomacia russa, esclarecer numa conferência de imprensa em Moscovo as
condições para uma negociação, que incluem a integração na Federação Russa dos
territórios anexados em 2014 (Crimeia), mais as quatro regiões que Putin
“anexou” em Setembro passado, algumas dos quais continuam sob controlo
ucraniano, como Kherson. Lavrov também não se esqueceu de renovar a ameaça
nuclear.
3. Putin não mudou de posição, nem quer
negociar seja o que for. Face à derrota no campo de batalha, mudou de
estratégia – espalhar o terror na população ucraniana, continuando a bombardear
bairros inteiros e destruindo sistematicamente todas as infra-estruturas civis
que lhe permitem sobreviver. Desde Setembro, os mísseis russos e os drones comprados
ao Irão têm como único alvo as redes de abastecimento eléctrico e as
infra-estruturas de distribuição dos bens de primeira necessidade, incluindo a
água. Destruir a Ucrânia pelo frio e pela penúria passou a ser o objectivo. Até
agora, sem resultados visíveis. Entre o frio e a Rússia, os ucranianos
continuam a preferir o frio. Entre a escuridão e a Rússia, continuam a preferir
a escuridão. Entre o medo dos mísseis e a Rússia, os ucranianos provam todos os
dias uma capacidade inabalável para vencer o medo.
Com a guerra a entrar numa nova fase,
determinada pelas condições
muito duras do Inverno, Putin vai querer tirar proveito da situação
para multiplicar os bombardeamentos às infra-estruturas e à população civil
(enquanto tiver munições) e para tentar fortificar posições no terreno. Já
percebeu que não pode ganhar a guerra. Não consegue “desmoralizar” o Ocidente.
Vai apostar, provavelmente, num “conflito congelado” que lhe permita, mais
tarde, apresentar aos russos uma “vitória” sobre o Ocidente e sobre os
“neonazis” ou, na versão mais recente, os “adoradores de Satã” que moram em
Kiev. Precisa de satisfazer os extremistas do regime, que surgem diariamente
nas televisões a criticar abertamente a inépcia dos generais e a exigir a
destruição completa dos ucranianos. As probabilidades não lhe são favoráveis,
pelo contrário. As tropas ucranianas estão mais bem preparadas para enfrentar o
frio. Sabem exactamente o que têm de fazer. Podem continuar a contar com o
apoio militar ocidental. Enquanto tiveram o apoio americano, a guerra corre a
seu favor.
4. Há ainda alguns aspectos da estratégia
americana que a Administração decidiu não clarificar publicamente. Destruir o
regime de Putin ou enfraquecê-lo ao ponto de deixar de ser uma ameaça, pelo
menos num futuro previsível? Não é uma decisão fácil de tomar. Até onde ir no
fornecimento de armas à Ucrânia para evitar qualquer risco de escalada do
conflito sem, contudo, a impedir de manter a ofensiva militar? Que condições
devem existir no terreno para que haja margem para abrir negociações? Onde está
a linha vermelha que convém não ultrapassar, na derrota das tropas russas? Na
Crimeia, como defendem alguns analistas?
Não são decisões fáceis de tomar. São
decisões que só os Estados Unidos estão em condições de tomar, mesmo que levem
em conta os pontos de vista e os interesses dos seus aliados europeus. Como
também disse Sanna Marin, em Sidney, é preciso dizer “francamente” que a Europa
continua a depender quase totalmente dos Estados Unidos para garantir a sua
segurança. “Entre os nossos parceiros e aliados, os Estados Unidos continuam a
ser o nosso parceiro vital e permanente.”
5. O que não quer dizer que os europeus não
tenham até agora desempenhado o seu papel. Mantiveram-se unidos. Garantem uma
parte, não despicienda, da ajuda militar e económica à Ucrânia. Tomam posições
políticas que clarificam sem margem para dúvida o que pensam hoje da Rússia de
Putin. O Parlamento Europeu aprovou por grande maioria uma resolução que
condena a Rússia como “Estado que patrocina o terrorismo”. A Comissão defendeu
a criação de um tribunal internacional especial para julgar os crimes de guerra
e contra a humanidade cometidos pelas tropas russas. O Conselho de Ministros da
União está prestes a aprovar o nono pacote de sanções. Os governos europeus
entenderam-se sobre um tecto máximo de 60 dólares para a compra do petróleo
russo, de forma a continuar a atingir a principal fonte de financiamento da
guerra.
6. Subsiste a questão: ainda ninguém sabe
quando e exactamente como é que a guerra vai terminar. Por enquanto, a única
conclusão possível é a de que estamos muito longe de qualquer possibilidade de
negociações que sirvam os interesses da Ucrânia e os interesses das democracias
ocidentais. Que são basicamente os mesmos.
Podemos voltar às palavras da
primeira-ministra finlandesa. “Quando a Rússia, que é um membro permanente do
Conselho de Segurança da ONU, viola a Carta das Nações Unidas com total
impunidade, ignora e viola a lei internacional e comete crimes de guerra, todos
nós temos muito a perder – na Europa, na região do Indo-Pacífico e em qualquer
outro lugar do mundo.”
Timothy Garton Ash vai um pouco mais
longe. Num artigo publicado no Guardian a 23 de Novembro, defende que “não
haverá paz duradoura na Europa enquanto Putin se mantiver no Kremlin”. Não o
podemos remover, mas podemos contribuir para criar as condições nas quais os
próprios russos queiram finalmente abandonar o caminho de autodestruição em que
ele lançou o país deles”.
Também a Rússia beneficiará de uma
derrota na Ucrânia. Não estamos, definitivamente, no momento de negociar com o
ditador de Moscovo.
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