Aí há zanga que baste, como verifico de
passagem, nos esgares enfurecidos dos debatedores e nas vozes exaltadas, que logo largo, acobardada.
O coro dos directores
O horror provinciano à diversidade e à discussão é uma das causas pelas quais vamos ver a Roménia à nossa frente.
RUI RAMOS, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 02 dez
2022, 00:2210
Quem um dia quiser fazer a história deste tempo português não
encontrará documento mais surpreendente do que a entrevista colectiva que os
directores de informação dos três principais canais televisivos deram a Maria
João Avillez, aqui no Observador. Sim,
surpreendente. Primeiro, porque são directores em televisões
supostamente concorrentes, mas aceitaram ser entrevistados em conjunto, como se
formassem uma mesma equipa. Segundo, porque aproveitaram a ocasião, não para se
demarcarem e explicarem o que os distingue uns dos outros, mas para falarem em
coro, concordando entre si e discordando apenas da entrevistadora. O
historiador do futuro talvez não compreenda: para que se dava o país ao
trabalho de sustentar três canais de televisão, quando de facto, como os dois
polícias de Tintin, funcionavam como um só?
Analisemos
assim a entrevista dos directores do ponto de vista da sua unidade.
Que aprendemos na entrevista? Em
primeiro lugar, que a informação
em Portugal não é como em outros países. Nos outros países, há pluralidade,
televisões e jornais de esquerda e de direita, isto é, os órgãos de informação
assumem pontos de vista variados, e dão ao público perspectivas diferentes
sobre a actualidade. Em
Portugal, não. Em Portugal, cada órgão de informação pretende ser completo,
aspirando a cobrir todas as “facetas”, em versões devidamente domesticadas e
alinhadas. Como as
“uniões nacionais” de antigamente. Em
segundo lugar, ficámos a
saber que as coisas são assim, porque o país também não é politicamente como
os outros. Nos outros países, há direita e esquerda, há divisão, há discórdia,
há debate. Por isso é que nos EUA, existe a CNN e existe a Fox News. Em
Portugal, não. Em Portugal somos todos igualmente “moderados”, homogeneamente
sensatos, e universalmente comedidos. Com uma excepção,
profundamente lamentada na entrevista: os “colunistas do Observador” (assim
referidos, à maneira de sociedade anónima). Estes
constituem uma organização “paranóica” que, imaginem, insiste em discutir a
cultura woke, coisa de que, como toda a gente sabe, não há o mais pequeno
vestígio em Portugal.
Ficou assim implicitamente definida a
missão que se deve atribuir a si próprio um director de informação televisiva
neste país: defender uma informação homogeneamente “moderada”, de modo a
impedir os “paranóicos” de contaminar a opinião nacional. Na entrevista não se disse, mas o resultado destas
teorias é que estes canais
de informação televisiva só poderiam ser, como são, iguais uns aos outros,
abordando o noticiário pelo mesmo ângulo. O papel da comunicação social passa
assim a ser o de uma espécie de igreja oficial, convidando toda a população a
rezar a mesma oração à mesma hora. Para o clero deste sistema, discordar e
criticar é necessariamente sintoma de “paranóia” ou outra perturbação mental.
Não,
não é por acaso que vamos ser ultrapassados pela Roménia na tabela da riqueza
da UE. Há muitas razões para ficarmos para trás, mas uma delas é sem dúvida
esta imensa vontade de reduzir o debate público em Portugal a uma
conversa entre Dupond e Dupont. Reparem: a
tendência subjacente nesta entrevista não é simplesmente para esconder
problemas. É para algo de mais profundo: deslegitimar a diversidade e conter a
concorrência, negando que a sociedade portuguesa existe no mesmo espaço público
internacional em que existem as outras sociedades. Não, ao contrário da velha
lenda, o amor não é diferente em Portugal, nem a inflação ou a cultura woke.
Faz sentido discutir todos os temas, e discuti-los a partir do mesmo leque de
pontos de vista e de opções com que são discutidos noutros países. Se o
objectivo é recuperarmos a posição perdida na cauda da Europa, este horror provinciano
ao pluralismo e à discussão é obviamente o caminho.
TELEVISÃO ECONOMIA DIVERSIDADE SOCIEDADE
COMENTÁRIOS:
Henrique Mota: Para que
meditem - ainda recentemente os presidentes dos principais bancos portugueses
também disseram, em uníssono, que não iam ler o livro do Luís Rosa “ O
governador”. Mais uma demonstração que o Partido Socialista é na prática quem
manda em Portugal. “ E o senhor seja convosco, amen.”
Filipe F: O triunfo da cobardia e do porreirismo nacionais. Eles
conhecem bem os portugueses.
Ausenda Rodrigues: Gostei!
É exactamente como diz. Não percebo como não acham que caem no ridículo e será
que acreditam mesmo no que dizem? E será que acham que somos todos estúpidos?
São todos canais do estado. Tipo ... a televisão/ imprensa russas ou
venezuelanas. Senti até um pouco de vergonha alheia. Enfim, é o que
temos.
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