António Barreto põe o dedo
nas nossas feridas velhas de ignorância pretensiosa e atrevida – neste caso específico
das colonizações que, afinal, contribuíram para o desenvolvimento a vários níveis
do mundo e da humanidade. Mas Adão e Silva e outros da sua igualha, ou talvez
por instigação do seu primeiro-ministro, esgrimem a autoridade actual em lambebotismo
permanente, na mansidão do rebaixamento traiçoeiro e vil por conveniência
própria. Aguardemos.
Opinião
Devolver e reescrever a História
Na questão da
devolução de património, proceder a uma lavagem da história e a uma reescrita
da mesma é do domínio do mais baixo oportunismo.
OBSERVADOR, 10 de Dezembro de 2022, 0:10
Há
vários anos que se discute o tema da devolução de
bens patrimoniais aos países de origem. Muito se disse, muito se
discutiu. Ainda nos lembramos de Melina
Mercouri, ministra
grega da Cultura, que, há mais de 30 anos, exigiu a devolução dos mármores
ditos Elgin, com origem no Pártenon e levados para Londres há mais
de dois séculos.
De vez em quando, um “activista” africano ou europeu, um ministro
mais atrevido ou até um presidente mais decidido (Macron, por exemplo) voltam a levantar o problema. Assim pretendem dar nas vistas, seduzir governos
africanos, dar contrapartidas para negócios de matérias-primas ou mesmo
contribuir para o que entendem ser as novas relações de cooperação. Estamos
agora num desses momentos em que políticos e activistas decidiram renovar a
polémica.
Mais:
já houve vários museus, públicos ou privados, europeus ou americanos, que
decidiram devolver umas peças com origens mais controversas ou mesmo
escandalosas. Em Portugal, a polémica chegou tarde, mas chegou.
Ou antes, está a chegar. O ministro da Cultura, Adão e Silva, referiu-se ao
problema. Ainda há poucas reacções públicas, mas já conhecemos o ponto de vista
crítico e muito certeiro de um conhecedor destes problemas, o historiador João Pedro Marques
(Observador de 7 de Dezembro).
Ao
tornar públicas as suas intenções de estudar a questão da eventual restituição,
o ministro da Cultura acertou. Esteve bem igualmente ao garantir que qualquer
decisão seria precedida de investigação cuidadosa sobre a origem e o modo de
aquisição desses bens. Também não esteve mal ao iniciar o envolvimento oficial
neste processo que está na moda há dezenas de anos.
O
ministro errou ao anunciar, não que mandava estudar, sem
preconceitos, mas que iria analisar o problema tendo em vista a devolução. Quer
isto dizer que a intenção está manifesta e que já se está a preconceber as
conclusões. Pior ainda, que se está a condicionar os “investigadores”. O
ministro não pretende apenas conhecer a situação, quer restituir e devolver, só
que não sabe o quê, a quem e como.
Esteve
mal ainda quando veio a público anunciar que não haveria debate prévio ou
simultâneo. Não faz
sentido, em democracia, que um assunto de interesse geral, público, nacional e
cultural, não seja livremente debatido na praça pública.
O
ministro da Cultura errou ao garantir que a missão seria reservada, séria e
discreta. Não disse a palavra “confidencial”, mas deixou bem claro que era disso que se tratava. Enganou-se absolutamente ao afirmar que o debate sobre
uma matéria como esta, por ser polémico e delicado, deveria ser precedido de
estudos reservados. Ora, tudo leva a crer que é exactamente o contrário:
por ser controverso e difícil, o problema deve ser objecto de discussão aberta
e ampla, para a qual toda a gente possa contribuir, sejam académicos,
activistas, coleccionadores, comerciantes, profissionais e amadores. O assunto
interessa não só a pessoas com ligações directas aos bens, mas a qualquer
pessoa preocupada com a cultura, a identidade, a política e as relações
internacionais.
O
ministro da Cultura foi desastrado ao
dar a entender que o Estado deverá ter uma visão de conjunto, que é como quem
diz um plano de restituição, antes de ouvir toda a gente interessada e de
conhecer as opiniões fundamentadas. O ministro mostrou a
intenção de devolver bens patrimoniais às antigas colónias, como se não
houvesse bens de outros países, adquiridos noutras comunidades, de outros
Estados ou através de intermediários de países independentes.
É possível, provável mesmo, que se tenham cometido roubos e actos
violentos para obter objectos de arte. É certo que alguns desses bens foram
objecto de massacres, assassinatos e saques (no Benim, por exemplo). Mas também é certo
que tal se fez em todos os tempos, em todos os países, em todos os continentes
e relativamente a toda a espécie de bens. Como é verdade que alguns países
foram autores desses actos (Portugal, por exemplo), ou vítimas (Portugal, por
exemplo), ou intermediários (Portugal, por exemplo). Como ainda é certo que
muitos desses bens vieram de países já independentes, colonizados ou não. Quer
dizer: saqueados, roubados, oferecidos ou comprados. Que fazer com esta
variedade de situações?
De que estaríamos a falar? De
elenco público e privado? Feito por quem e com que poderes? E o património
português que ficou em África? E os bens de portugueses apropriados por
africanos?
Como agir com os bens em mãos privadas, adquiridos no mercado ou
recebidos em herança? Deverá fazer-se uma lista de pessoas? Um exame às casas privadas?
Uma exigência de declaração? Só os bens públicos é que serão objecto de
investigação e eventual devolução? E os bens privados, tão ou mais valiosos?
De
que bens e de que culturas estamos realmente a falar? África, Ásia, América
Latina, Pérsia, Índia, Egipto… E
os bens com origem em Portugal? E os bens portugueses em mãos europeias? Que
fazer com bens transaccionados dezenas de vezes entre europeus, asiáticos e
africanos? Que fazer com milhares de bens, muitos de grande valor e raridade,
transaccionados todos os anos nos mercados e nos leilões de todo o mundo, com
origem em países africanos e asiáticos já independentes? E se os vendedores são
comerciantes conhecidos?
Não
custa imaginar que, caso a caso, um país ou uma instituição
decida devolver um bem a um outro Estado. Sobretudo se pensarmos, por exemplo,
em bens que fazem parte do meio construído, como sejam pirâmides,
esculturas, baixos-relevos, obeliscos, edifícios, muralhas e outros bens
“pesados” que foram literalmente arrancados. É
também admissível que certos saques tenham sido particularmente ilegítimos e
violentos. Há casos conhecidos que poderiam ser analisados com o espírito
aberto. Há ainda lugar para devolução de bens reclamados por legítimos
proprietários. Mas,
proceder a uma lavagem da história e a uma reescrita da
mesma é do domínio do mais baixo oportunismo.
Até a ideia de inventário deve ser
eliminada. De que estaríamos a falar? De elenco público e privado? Feito por
quem e com que poderes? E o património português que ficou em África? E os bens
de portugueses apropriados por africanos? E o património português que se
encontra em países europeus? E o património africano em mãos de portugueses de
origem africana? E o património chinês, tailandês, indonésio, colombiano,
mexicano, persa, egípcio e árabe vindo de países que nunca foram colónias
portuguesas? A mera ideia de inventário pressupõe logo roubo, ilicitude,
apropriação indevida, desconfiança e suspeita. Ora, não se pode só suspeitar de
uns e não de outros. Não se pode suspeitar de brancos e não de negros, nem de
mestiços, chineses, indianos ou árabes.
Sociólogo
COMENTÁRIOS:
Casagrande Iniciante: Onde, quando, é que Costa foi mandatado para devolver
património português a África? Onde é que isso — questão magna para a memória
histórica de um povo — consta do programa eleitoral sufragado pelo partido de
Costa? Como é que este país deixa passar em claro este ultraje? 10.12.2022 19: 16 L. Mauger Experiente : Um conhecido que durante toda
a vida trabalhou por conta de outrem numa ex-colónia Portuguesa, porque não
tinha direito a nenhuma pensão de reforma decidiu investir o que conseguiu
amealhar em quatro humildes apartamentos na cidade onde morava. O plano era ter
um lugar onde viver e garantir algum rendimento quando não pudesse mais
trabalhar, no seu cantinho do mundo no Portugal ultramarino. Após a
independência deste país africano, os seus apartamentos foram nacionalizados
sem qualquer indemnização, perdidos a favor de um estado africano ladrão. Até o
apartamento onde residia foi perdido quando já como “estrangeiro“ teve de
ausentar-se por mais de três meses desse país por razões de saúde. Pergunto
ao ministro que está tão preocupado com os direitos de propriedade, porque não
se empenha antes na restituição ou pagamento da propriedade roubada nos últimos
50 anos aos portugueses e seus descendentes? 10.12.2022 17:42 nuno Experiente : Sejamos realistas. O ministro
da Cultura actual é um comentador político e desportivo que se afirmou ao colo
do companheirismo partidário e de um servilismo académico pouco conhecido. Fala
bem, mas não diz quase nunca nada. Não se espere densidade daquela gente.
Quanto aos objectos, deixem-nos a ganhar pó até a subida das águas os submergir. 10.12.2022 17:39 Imperador Núbio Experiente: Entre a negação e a raiva. São
as duas primeiras etapas. Virão outras. 10.12.2022 17 Maria-Ceratioidei Moderador: Excelente texto, questões
importantíssimas, a razão deve prevalecer sempre, uma discussão séria impõe-se.
Há de facto casos que são suficientemente conhecidos para uma avaliação e
decisão imediatas. Faz sentido devolver bens cuja aquisição foi inequivocamente
danosa sem discussões infrutíferas. Outros casos há em que não se sabe o
suficiente para tomar decisões. Considero importante distinguir entre
aquisições em nome do Estado e aquelas feitas por pessoas privadas. Não se
comparam bens patrimoniais pessoais com o bem patrimonial do Estado. Em nome da
Nação e do Povo Português (neste caso). E nunca em nome de fortunas privadas,
para isso já existem tribunais. Aquisição lícita é quando se paga pela compra.
A ilícita é um roubo. Se o ladrão é privado, prisão. Se o ladrão é o Estado,
ui! 10.12.2022 14:28 João Silva.544792 Iniciante Acho muito bem que o Presidente Macron, que
levantou esta questão, faça um inventário de todos os bens preciosos que
foram levados para França na sequência das invasões francesas. Como se
sabe, os soldados de Napoleão, embora derrotados das três vezes que invadiram
Portugal, puderam levar livremente para o seu país, todos as peças preciosas
que puderam arrebatar. Provavelmente, vamos todos puxar de uma cadeira à espera
que cheguem os bens roubados... 10.12.2022 11:47 pintosa Experiente: Excelente complemento ao artigo
de João Pedro Marques num jornal concorrente (porque
neste raramente o deixam escrever coisas destas). Velha_do_Restelo Iniciante : Precisamente! Mascarenhas Iniciante: É de uma estupidez inacreditável esta intenção do actual responsável pela
pasta da Cultura. Devolver objectos acumulados legitimamente ao longo de um
processo civilizacional onde se preservaram essas heranças e se evitou a sua
destruição — como aconteceu em África — é mesmo de ignorância atrevida. Basta
ver como a Civilização Europeia resgatou e salvou patrimónios culturais por
esse mundo que estariam hoje totalmente perdidos, por incúria, ignorância,
instinto destruidor desses povos...Este problema não será responsabilidade
apenas do Ministro, o Costa é claramente o mentor da ideia e por diversas vezes
demonstrou desprezo pela história portuguesa ( p.ex Casa do Bicos ). Como é que
um país assim quer ter lugar no futuro com gente desta? Como é que esta gente
não é responsabilizada? 10.12.2022 09:55 Jorge Manuel da Rocha Barreira Experiente :
A sua análise é
própria de um colonialista que não sabe o que foi a colonização, mas há muitos
como você. Durante o período da colonização foram roubadas obras de arte
indígena, que obviamente são propriedade dos países saqueados. Imagine que o
sr. toma conhecimento que obras de arte ou outros bens de estimação, foram
roubados aos seus avós ou bisavós e que estão em poder de descendentes desses
larápios. O senhor não ansiava que esses bens lhe fossem devolvidos? E não
seria uma atitude digna que os descendentes desses usurpadores devolverem
aquilo que não fazia parte do seu património, até serem roubados? Este é o
grande drama da colonização, é que pensamos que aquilo que ficou em nosso
poder, não sendo nosso de origem,, nos pertence para sempre. O seu comentário é
de parvo. 10.12.2022 12:16 Experiente : Ah, a Culpa, a eterna Culpa dos
europeus, colonialistas, e em negócios de escravatura com os poderes (negros)
africanos. Culpa nunca expiada e que exige a eterna reparação de tudo! Como bem diz AB, pelo meio reescreve-se a
história! Que pena não sermos africanos, e ainda melhor negros, pois teríamos pelo
menos a esperança de os franceses, que nos invadiram e roubaram em princípios
de oitocentos, nos devolverem as carradas de tesouros artísticos que levaram
para França. E, aí teríamos a oportunidade de devolver aos brasileiros, algo do
que lá tirámos. Creio que os africanos deveriam ficar orgulhosos por exibirmos
nos nossos museus a cultura deles! Alguma dela, são gritos contra o
colonialismo! Mas não! Enviemos de volta e escondamos tudo isso dos olhos
europeus, ... para expiar a Culpa!
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