sábado, 31 de dezembro de 2022

Mas faz parte da nossa engrenagem identitária


De batatinhas, couvinhas, do pãozinho… não o que o diabo amassou, mas que amassaram os comunicadores destes nossos lados atlânticos, em diminutivos moldados num espaço soalheiro e amolecedor, propício à reverência e à inércia justificativas de todas essas histórias que por nós passam, e que Alberto Gonçalves descreve, condenando, ao seu modo mordaz… E escusamos de acusar o tal de povo. Todos fazemos parte da engrenagem, apesar das padeiras ou dos conquistadores dos primórdios…

O respeitinho é muito feio

Uma burla com a dimensão da TAP não cabe numa democracia: ou há democracia ou há burla.

ALBERTO GONÇALVES , Colunista do OBSERVADOR

OBSERVADOR, 31 dez. 2022, 00:2169

Na terça-feira, em Murça, dois homens abeiraram-se do prof. Marcelo e, em vez de pedirem “selfies”, retribuíram-lhe um milésimo do desprezo que Sua Excelência nos dedica. Para uns, entre os quais me incluo, a cena serviu de consolo, ainda que singular e escasso, pelos vastos enxovalhos presidenciais. Para outros, aquilo foi uma brutal insolência, que não devia ter acontecido e, li algures, no limite não devia ter sido transmitida. Esta escola de pensamento defende, sem assumir que defende, que os poderosos – logo que não sejam de “direita” – merecem a total reverência da ralé. Em tempos, houve uma polícia especialmente empenhada em zelar por isso. Tais cautelas garantem a polidez das massas e, ao filtrar as críticas, permitem aos senhores que mandam continuar a mandar com a desejável impunidade. E incompetência. E arrogância. Em suma, é preciso que os responsáveis pela ruína do país não sejam responsabilizados. Em nome da paz social, é preciso que sejam louvados.

Vem isto a propósito do bonito coro de encómios que, um par de dias decorridos, acompanhou a demissão do ministro Pedro Nuno Santos. Assim sim, é que os grandes estadistas devem ser tratados: o “Pedro Nuno” tem dinamismo, o “Pedro Nuno” tem visão, o “Pedro Nuno” tem iniciativa, o “Pedro Nuno” tem coragem, o “Pedro Nuno” tem o futuro à sua frente. O que fez o “Pedro Nuno” para suscitar tamanha enxurrada de salamaleques? Fora uns desvarios com sucata ferroviária, usou 3.200 milhões do nosso bolso para brincar com a TAP e, quando se aborreceu, devolvê-la ao ponto de partida. Não parece uma proeza formidável. Na verdade, parece configurar uma coisa digna de julgamento, em praça pública ou cave privada. Mas, conforme recomenda o protocolo, o “Pedro Nuno”, que do alto das suas aptidões espera reentrar primeiro-ministro, saiu sob aplausos.

E o patrão do “Pedro Nuno”, que patrocinou com dinheiro alheio a brincadeira da TAP, ficou. Em nações com menor civismo, ou maior quantidade de cidadãos de Murça, o dr. Costa e o governo (desculpem) não ficariam. A TAP poderia ser apenas um pretexto no meio de inúmeros abusos de igual ou superior dimensão, como os 500 mil euros daquela dona Alexandra foram um pretexto no meio do criminoso processo da “companhia de bandeira”, idealmente a meia haste. O certo é que, em qualquer sociedade onde a maioria das pessoas tivesse a vergonha na cara que falta aos políticos, o dr. Costa estaria a esta hora num voo “low cost”, disfarçado e rumo a destino desconhecido. Ou agachado num esgoto, estilo Kadhafi.

Por sorte, os portugueses são parcos em vergonha e ricos em obséquio, natureza que possibilita ao dr. Costa anunciar com doce cinismo que continuará a afundar-nos gloriosamente até 2026, quiçá, confessou ao dr. Balsemão (!), 2030. Francamente, não será necessário tanto. Os avanços em matéria de nepotismo, compadrio, autoritarismo e corrupção, e os recuos na economia, na saúde, no ensino e na justiça já se encontram razoavelmente adiantados. Mais um ano disto e não sobrarão muitos empregos e verbas para distribuir, nem muitas vidas para arrasar. Se o dr. Costa permanecer por aí, movido pelo sentido de Estado que não possui e amparado por um chefe de Estado que não saberia chefiar uma claque de dominó, o único motivo imaginável é o vício do poder, por parte dele, e o vício da submissão, por parte dos súbditos.

Reparem que não falo exclusivamente dos fiéis do PS, ou do PS e das agremiações leninistas, que hoje na AR chegam a três. Vi gente que nunca votaria em nenhum dos partidos acima apresentar o episódio de Murça enquanto um exemplo de inadmissível má-criação. E não, não se referiam à atitude do prof. Marcelo, tipicamente medrosa durante o confronto e insultuosa depois. Com ou sem a ajuda dos “media”, quase todos convertidos à difusão da propaganda oficial, há uma espantosa percentagem da população que continua a defender – e, por pressão, a impor – a cortesia na abordagem a criaturas que inequívoca e drasticamente lhes são prejudiciais. Ninguém pode acusar os portugueses de morder a mão que lhes dá de comer: aqui beija-se a mão que nos rouba a comida.

Além de não se esgotar em personagens menores nem em análises às fascinantes guerrilhas no Rato, uma burla com a dimensão da TAP não cabe numa democracia: ou há democracia ou há burla. À semelhança do que aconteceu com o BES, a EDP e centenas de casos e casinhos, o povo cala-se e calando-se opta por ser burlado. O povo não se pode queixar. Ou melhor: o povo poderia e deveria queixar-se, queixar-se imenso e com proporcional estrondo, queixar-se de modo a criar dez, cem, mil Murças, queixar-se a ponto de fazer tremer as pernas em fuga dos espécimes que o desgraçam.

Mas, por razões diversas ou pura irracionalidade, o povo não se queixa. E os espécimes continuam à solta. E não só à solta: alguns mantêm-se em cargos de decisão. E não só em cargos de decisão: estão prontos para, com pausa para férias e tirocínio no Brasil do sr. Lula, acabar de espremer uma nação apática. O sr. Feliz pede “confiança”. O sr. Contente recomenda “estabilidade”. Eu traduzo: ambos exigem respeitinho. O respeitinho é muito feio. Se não o perdermos com urgência, vai deixar-nos num lugar medonho.

GOVERNO   POLÍTICA   TAP   EMPRESAS   ECONOMIA   PRESIDENTE MARCELO

COMENTÁRIOS: De 71

F. Mendes: Mais um excelente artigo do AG, que ficará para memória futura, caso mais tarde, ou tarde de mais, alguém se venha a importar em perceber como chegámos ao fundo do buraco. Em instituições públicas a sério, hierarquias e decisores, políticos ou outros, podem ser responsabilizados pecuniariamente por consequências das suas acções, mesmo legais, desde que se considerem lesivas do interesse público. Ou seja, para além de despedimento certo, há uma penalização financeira e/ou patrimonial dos infractores. Num país como o nosso, isto é quase inacreditável. Mas é assim. No caso do Pedro Nuno, o personagem sai em ombros, pois claro. É um herói à portuguesa, com certeza. Tudo isto vai agravar a luta interna no PS, que correrá em paralelo com o desgoverno actual  e futuro, com a crise abjecta do país, com o colapso mental e comportamental do prof. Marcelo e o desânimo moral generalizado. Quanto à subserviência do povo, e à sua capacidade para aguentar tiranias e desprezo, é o que temos. Mudar de povo, não podemos, nem queremos. Que este jornal possa contribuir para abrir algumas consciências, ajudaria um pouco. Já seria um contributo para amortecer a queda, cada vez menos evitável. Mas sinto medo do que nos trará 2023.             Maria Silva: "O povo cala-se e calando-se, opta por ser burlado". Andam drogados? Não se percebe. Nunca vi tanta apatia na minha vida. *Abençoados* sejam os senhores de Murça! O resto é um chinfrim desgraçado sabe-se lá para encobrir o quê! Quantos casos e casinhos nunca vieram ou virão a público? Hedonismo e impunidade de um polvo maçónico totalmente corrupto. Vai ser difícil cortar-lhe os tentáculos. Mas, como nada na vida é eterno.... resta-nos a esperança. *BOAS ENTRADAS* e que 2023 seja melhor, mais transparente e sobretudo Harmonioso! Obrigada por não desistir.               Fernando Correia: Completamente de acordo com Alberto Gonçalves. Nesse aspecto do beija-mão e de prestar vassalagem aos “donos”… o povo não mudou muito, do “antigamente” para a “modernidade” pós 25 de abril. Mudaram foi as moscas, ou sejam, os novos donos. Fico muito triste pensar que não merecemos mais que isto. Mas pode ser que estes dois senhores, de Murça, despertem e acordem do “medo” colectivo outras consciências… livres e inconformadas.          Joaquim Almeida: Até vão ao Brasil  vitoriar, em nosso nome e da democracia, um dos maiores expoentes e produtos  da vigarice totalitária em marcha. Nojentos cínicos sem vergonha               Maria Melo: Bravo, Alberto Gonçalves! Eu também me incluo no grupo que gostou que alguém enfrentasse o “Badameco” e lhe dissesse algumas verdades. Ele só gosta é de ser bajulado. Julga que é rei de Portugal e, infelizmente, há quem o trate como se fosse. Mas se olharmos para o país vizinho, Espanha, veremos que Felipe VI tem dignidade, não envergonha o país fazendo as figuras de MRS. O problema de não existir contestação é que grande parte do povo está à espera do “pão com chouriço” gratuito…  E alguns até querem censurar as notícias…  Que raio de “democracia” esta! Espero que haja mais gente como os homens corajosos de Murça.              Djata Malinké: É de louvar aquilo que você faz para alertar os portugueses da situação do país e da desgraça que ai vem mas, a grande maioria dos portugueses (talvez uma herança da ditadura) não tem espírito de revolta! Vão aguentar tudo até uma nova bancarrota…             João Floriano: Excelente e demolidor artigo a encerrar 2022 que não deixa qualquer saudade. Também 2023 não augura nada de bom, com a situação nacional e internacional em acelerada degradação. Muito triste quando em vez de respeito genuíno e confiança nos nossos governantes, eles nos suscitam apenas respeitinho e mais triste ainda quando para além das tímidas intervenções de Murça, não somos capazes de manifestar a nossa indignação. A explicação talvez possa ser dada pelo número cada vez menor de indignados substituídos pelos conformados. Em 2019, durante a campanha para as legislativas, António Costa perdeu a cabeça e o pouco verniz que cobre a sua má educação e impaciência e enfureceu-se com um idoso que o confrontou. Foi um momento de indignação semelhante ao de Murça mas que acabou por ser inconsequente. Hoje falamos dele como um momento de folclore político, tal e qual como Murça em que Marcelo acabou por insultar os descontentes não só os de Murça como os do resto do país chamando-lhes ressabiados com o resultado eleitoral e por que não ingratos perante a excelência da governação PS e da actuação do PR? Junto-me a AG na incompreensão das qualidades de Pedro Nuno dos Santos. Meteu-nos a corda no pescoço com a questão da TAP, coadjuvado pelos partidos da esquerda, não compreendo os sucessos na ferrovia para além do tal passe ferroviário, a questão doTGV continua na mesma e sinceramente não consigo encontrar resoluções sobre a questão habitacional. Deixa também  por resolver a questão da localização do NAL, mas aí as culpas podem ser facilmente transferidas para o partido principal (???) da oposição ( não estou a falar do CHEGA) que não se decide. No entanto o ex ministro PNS suscita os mais rasgados elogios por parte da ala mais esquerda do PS, com Ana Gomes à cabeça, desejosa de retribuir o apoio que lhe foi dado quando concorreu a PR (consolemo-nos com a ideia de que em vez de um entertainer  bocanudo poderíamos ter hoje uma lunática vingativa em Belém). Quando retomar a sua vida política na AR, esperamos ver PNS sentado junto ao Bloco trocando sorrisos cúmplices e bilhetinhos com Catarina e Mortágua. Uma coisa já sabemos: PNS não tem poderes para prever o futuro porque já saiu do governo e Ventura ainda continua no seu lugar. Se estivermos cá todos daqui a um ano esperando 2024, prevejo que o artigo de encerramento de 2023 não será muito diferente do de hoje. Por isso aconselho AG a arquivar este texto porque a 31 de dezembro de 2023 bastará fazer copy paste e mudar uns nomes e uns escândalos e está feito. Boas entradas e não se engasguem com as passas porque engasgados já andamos todos nós com toda esta gente a apertar-nos o gasganete.             Maria da Assunção Gaivão: Excelente artigo. Portugal afunda- se , por muito que me custe dizer, por causa duma Assembleia da Rebública completamente “ fora de prazo”, basta ver o que por lá é aprovado e ou chumbado…O polvo deste partido socialista, no dia em que perdeu eleições para Passos Coelho aliou se de forma cobarde aos stalinistas do PCP e restantes partidinhos dos grafitti - a geringonça veio engordar as ambições de Costa e do PS e tomaram de assalto todas as instituições do Estado perante a conivência do PR e a total ausência dum PSD q não é oposição . Só a dissolução do Parlamento evitará um caos maior. O PR “acha” q o resultado “pode” não ser esclarecedor? Uma coisa é certa : tem medo da voz do povo ! A História não lhe vai perdoar.      Amigo do Camolas: Por trás das cestas de presentes (240 euros) de fim de ano, dos políticos sóbrios que enterraram mais de 4 mil milhões na TAP e agora agem como bêbados dizendo que não fazem a minima ideia do que lá se passa, - e de toda a conversa sobre como roubar empresas que obtiveram lucros excessivos -, há uma bolha de gestores públicos gordos que nada mais são do que o crime organizado. E pelo Rei de São Bento e pelo seu bobo da corte de Belém eles tinham o tempo todo do mundo para continuar a roubar todo mundo cego. O crime organizado tornou-se o respeitinho.               Alfaiate Tuga: A única preocupação deste governo é que não se acabe o dinheiro para pagar salários e pensões, está farto de saber que no panorama actual uma banca rota seria a única forma de ser corrido do poder, entre pensionistas e funcionários públicos são mais de três milhões e meio, o governo sabe que enquanto mantiver estes contentes pode empregar a família toda no governo e empresas públicas e indemnizá-los a todos sempre que mudem de tacho que não passa nada. As contas certas são o alfa e o omega do governo, a inflação que empobrece a maioria dos portugueses trouxe receita extraordinária que permitiu ao governo distribuir algum guito pela população para animar o circo e fingir que está preocupado com a miséria a que tem conduzido Portugal.  A carga fiscal que alimenta os dependentes do estado e desmandos do governo também asfixia a economia e espanta o investimento, já repararam há quantos anos não vêem um grande investimento privado em Portugal, por toda a Europa estão a ser construídas novas fábricas de automóveis e baterias, por cá nem uma, desconfio até que alguns vão é descontruir….a última vez que ouvi falar na unidade de produção de hidrogénio em Sines, foi para ouvir da boca dos potenciais investidores que nas condições atuais não era viável…Como saímos disto sem ser com um banca rota? Pois não é fácil mas não é impossível, primeiro o PSD tem que se construir como uma verdadeira alternativa ao governo, não consigo perceber como é que não tem ainda um governo sombra constituído por gente credível que ocupe o espaço mediático explicando o que faria diferente no sentido de melhorar a vida da maioria dos portugueses,  não é a espalhar cartazes a fazer queixinhas do actual governo que lá vai, apresente alternativas sérias e credíveis, pois caso contrário verá mais votos a fugir para o chega contribuindo mais ainda para aumentar o circo em que já se transformou Portugal.             Censurado sem razão: Alberto Gonçalves, obrigado! Aqui beija-se a mão que nos rouba a comida. A melhor descrição do povo português alguma vez escrita. É esta a razão da nossa miséria moral e económica. Tenham um bom ano, mesmo sob o jugo deste socialismo autoritário. São sinónimos não é?            Jorge Tavares: Para o drama de um país em uma maioria relativa do eleitorado votante insiste em eleger e reeleger um bando de parasitas, os artigos de Alberto Gonçalves servem pelo menos um consolo. Estão a acumular um conjunto de denúncias e acusações a dirigir a esse contingente do eleitorado. Para já, é só ele a acumular o portfólio. Quando a altura chegar, será a vez da parte restante do eleitorado de recorrer ao repositório e lançá-lo à primeira parte, parte essa que muito fez pela decadência de Portugal.         José Ramos: Tremendo e justo artigo, Alberto Gonçalves. Um bom ano de 2023 para si e para as pessoas que ainda pensam em Portugal.            Tomás Nunes: Uma análise brilhante! Parabéns AG!          Rui PJoao R: A Lufthansa já devolveu toda a ajuda que recebeu com juros ao estado alemão. No nosso Burgo nem 1 euro vamos receber!!!!! ……………………

 

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