38, os mais votados, 150 a totalidade. Uma parte grande apoia Alberto Gonçalves, alguns há que dele discordam, com bastante indignação. Deve-se ser
discreto, sim, porque se trata de uma figura de relevo na Nação que não convém
salpicar de lama, mas o retrato que dele traça Alberto Gonçalves é de uma tal
acuidade crítica, visto o rigor dos traços de uma inteligência assertiva
certeira, que constitui lição para quem a queira aceitar como tal, excepto naturalmente
o visado, que passa indiferente, cada vez mais afoito nas suas aberrações
imbecilmente – friamente – ostentatórias, apenas inclinado sobre o seu espelho
de odalisca convicta. Respondendo a um dos comentários, direi que MRS não eleva o seu povo quando afirma que este é o melhor do mundo (ao
contrário de AG que o destrói mais, nos descritivos humilhantes desse mesmo
povo de alvoroço fútil. Eu diria que, pelo contrário, as afirmações aparentemente
elogiosas do presidente sobre esse povo, ainda o rebaixam mais, ao contrário
dos doestos de AG que apelam a uma consciência valorativa.
O emplastro de Belém
Nos momentos que carecem de um chefe
de Estado, é garantido que o prof. Marcelo não comparece. Os detractores que
lhe questionam o discernimento não explicam esta habilidade para evitar
chatices.
ALBERTO GONÇALVES Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 10 dez. 2022, 24:19150
Vocês conhecem-no. Toda a gente o
conhece. É aquele sujeito que aparece sempre que há uma câmara de televisão
plantada algures. E que diz coisas sem nexo e sem parança. E que em geral
ostenta um sorriso esquisito. E que se agarra a quem estiver nas imediações. E
que adora tirar retratos. E que se despe à primeira oportunidade. E que suscita
a alguns um sentimento entre a compaixão e o embaraço, o divertimento e a
impaciência. Falo, deveria ser escusado notar, do popular Emplastro. Não me
refiro ao sr. Nando, que é de Vila Nova de Gaia, costuma andar vestido, fala
pouquíssimo e, que se saiba, não custa muito ao erário público. O Emplastro em
questão mora em Belém, acode pelo nome de “prof. Marcelo” e, acreditem, é
presidente da República. Vocês acreditam. A maioria de vocês votou nele. E por
duas vezes.
Como é que nós – “nós” a nação,
“nós” a sociedade, “nós” o colectivo raio que nos parta – descemos a isto? Como
podemos achar isto relativamente “normal”, ou saudavelmente “normal”? Como é
que isto é tolerável? Como é que o “presidente implausível”, na definição do
Vasco Pulido Valente, é possível? Como é que não estranhamos o Emplastro de
Belém, como estranharíamos, suponho, se víssemos o Emplastro de Gaia ser
agraciado com o Nobel da Física? Como é que conseguimos desenvolver tamanha
apatia? Como é que a realidade mais desvairada nos parece corriqueira e
“habitual”? Como é que, repito, descemos a isto?
Dei por mim a marinar estes
pensamentos pela enésima ocasião quando, após o jogo Portugal – Suíça, o prof.
Marcelo surgiu imediatamente nos diversos canais a comentá-lo. À medida que o
campeonato avança, o prof. Marcelo avança igualmente na frequência dos
comentários, que entretanto já acontecem no fim, no início e no intervalo das
partidas (caso a “selecção” atinja a final da competição, imagino que o homem
se encarregue do relato completo para a RTP). E não são meras generalizações,
estilo “Estou contente porque a equipa jogou bem”. Não senhor: são disparates
detalhados, jogador a jogador, táctica a táctica, “incidência” a “incidência”.
No pedaço que vi, terça-feira, terminou a esclarecer que iria enviar uma
mensagem ao treinador e telefonar-lhe “às tantas da noite”. Depois sorriu.
Depois inclinou-se para o centro da imagem até quase abalroar a repórter,
talvez mortificado por ter de abandonar momentaneamente as objectivas. Na
quinta-feira, regressou, especado ao pé do autarca lisboeta nas cheias da
cidade.
O Emplastro de Belém
materializa-se na bola, na praia, nas cheias se as cheias forem atribuídas às
“alterações climáticas” e, afinal, no que não seja propício a criar polémica e
onde a sua intervenção é insultuosamente inútil. Nos lugares e nos momentos que
carecem de um chefe de Estado, é garantido que o prof. Marcelo não comparece.
Os detractores que lhe questionam o discernimento não explicam esta curiosa
habilidade para evitar chatices.
As chatices ficam a nosso cargo.
Um sistema de saúde que falece sem dignidade à vista desarmada. Uma corrupção
fulgurante. Uma Justiça aleijada. Um ensino em cacos. Uma liberdade
condicional. Uma economia de rastos. Uma fiscalidade voraz. Uma miséria
imparável. Um destino negro. E, atrás e à frente de tudo, um partido que tomou
conta do Estado e um Estado que tomou conta do país. E um governo cuja
incompetência, arrogância e endémica desonestidade o prof. Marcelo desculpa,
protege e acarinha com apreciável zelo. Esta época de gangsters exigia
um líder: saiu-nos uma caricatura, que reduziu o cargo a pó. O prof. Marcelo
não preside a Portugal: por omissão preside à ruína de Portugal, ou no mínimo
da frágil democracia que andámos meio século a tentar amanhar. Podia fazê-lo
com gravidade trágica, mas prefere o destrambelhamento cómico. E continuamos
sem perceber se o destrambelhamento é opção ou fatalidade.
O que se percebe é que antes de
2016, carregadinho de livros por abrir e de honras por demonstrar, o prof.
Marcelo não passava da típica “sumidade” nacional, um alegado portento que
se esvazia ao primeiro alfinete ou contacto com a realidade, e que, num deserto
de alternativas, os cidadãos elegeram. Desde então, tem sido uma coisa
diferente. O quê? Descontadas as evidências e as suspeitas, o que em suma o
prof. Marcelo mostra ser é alguém com um profundo desprezo pela totalidade das
pessoas, excepto por uma pessoa em particular: ele próprio. Não há ali
frase, gesto ou acção que não padeça de um narcisismo desmesurado. O exagerado
fascínio que ele simula sentir pelo mundo não esconde, aliás revela, a clausura
daquela cabeça.
Vocês conhecem a cabeça, de resto
omnipresente em “selfies”, noticiários e variedades. Mas não querem conhecer o
que vai lá dentro.
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