Passeio no Reno
Que bom poder passear ao som da música, com os olhos bem abertos às
muitas realidades, banais ou menos, e encontrar um rochedo de nome tão poético,
conhecendo-lhe a lenda e a canção! E tendo autoridade para impor regras de
civilidade aos menos atentos. E lá, no Reno, os desatentos calaram-se...
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA A BEM DA NAÇÃO, 05.01.20
FOTO DO BARCO: MS
Beethoven
Foi pelas 6 da tarde de 29 de Dezembro que embarcámos, fizemos o
check-in e nos instalámos num camarote de bombordo; janelão escancarado para o
cais, vá de correr as cortinas. Cocktail de recepção a bordo seguido de jantar
e piano-bar para os noctívagos. Bem… noctívagos a fingir, pois a música
calar-se-ia impreterivelmente à meia noite. Todas as «cerimónias» presididas
pelo 2º Comandante; o Comandante estava a descansar porque entraria de quarto à
meia noite. Nunca apareceu, limitámo-nos a saber que se tratava de um Oficial
austríaco. Ao contrário da ópera de Wagner, este era o «Comandante fantasma»
do barco real. Mas tudo isto foram prolegómenos. O que interessa é saber ao
que vínhamos.
Pois bem, o objectivo era – e foi – o de conhecermos o chamado «Reno
romântico», não no sentido lamecha do romance da menina pobre com o príncipe
encantado, mas sim o do período romântico da cultura europeia e, mais
concretamente, do período romântico da cultura alemã. Ah! E se pelo caminho
escorregasse um riesling ou outro, os empresários locais não se amofinariam.
Diz quem sabe que a uva riesling ficou famosa pela sua versatilidade pois que
se pode transformar no que o enólogo quiser, desde o tradicional vinho branco,
passando por variedades de rosé e tinto. E, pasme-se, até se pode transformar
em água. Foi com esta informação que me lembrei de um grande comerciante de
vinhos português que, no leito de morte, chamou os filhos e lhes disse que «o
vinho também se fabrica a partir das uvas»
Mapa: O «romantisch Rein»
Ignoro ao que iam os outros passageiros mas eu tinha
como grande objectivo ver o Lorelei. Tudo o mais, muito interessante,
era o embrulho do meu motivo principal. E porquê esta fixação? Porque na
juventude, a minha professora de alemão me fez empinar a poesia de Heinrich
Heine
Ich weiss nicht, was soll es bedeuten,
dass ich so traurig bin;
Ein Märchen aus alten Zeiten,
dass kommt mir nicht aus dem Sinn.
dass ich so traurig bin;
Ein Märchen aus alten Zeiten,
dass kommt mir nicht aus dem Sinn.
Die Luft
ist kühl und es dunkelt,
Und ruhig fließt der Rhein;
Der Gipfel des Berges funkelt
Im Abendsonnenschein.
Und ruhig fließt der Rhein;
Der Gipfel des Berges funkelt
Im Abendsonnenschein.
Die
schönste Jungfrau sitzet
Dort oben wunderbar;
Ihr goldnes Geschmeide blitzet,
Sie kämmt ihr goldenes Haar.
Dort oben wunderbar;
Ihr goldnes Geschmeide blitzet,
Sie kämmt ihr goldenes Haar.
Sie kämmt
es mit goldenem Kamme
Und singt ein Lied dabei;
Das hat eine wundersame,
Gewaltige Melodei.
Und singt ein Lied dabei;
Das hat eine wundersame,
Gewaltige Melodei.
Den
Schiffer im kleinen Schiffe
Ergreift es mit wildem Weh;
Er schaut nicht die Felsenriffe,
Er schaut nur hinauf in die Höh'.
Ergreift es mit wildem Weh;
Er schaut nicht die Felsenriffe,
Er schaut nur hinauf in die Höh'.
Ich glaube, die Wellen verschlingen
Am Ende Schiffer und Kahn;
Und das hat mit ihrem Singen
Die Lore-Ley getan.
Am Ende Schiffer und Kahn;
Und das hat mit ihrem Singen
Die Lore-Ley getan.
O mais
curioso é que eu já não sou capaz de ler esta poesia sem, no silêncio,
cantarolar o que dela ficou como o lied mais conhecido.
Loreley (Tradução alheia e de que não gosto muito)
Não sei como explicar isto,
Por estar assim tão triste...
Uma lenda dos velhos tempos
Não me sai da cabeça
Loreley (Tradução alheia e de que não gosto muito)
Não sei como explicar isto,
Por estar assim tão triste...
Uma lenda dos velhos tempos
Não me sai da cabeça
O ar está
frio e já escurece,
E calmo flui o Reno.
O pico da montanha brilha
No crepúsculo vespertino.
E calmo flui o Reno.
O pico da montanha brilha
No crepúsculo vespertino.
A bela
virgem se assenta
Lá em cima, admirável.
Suas douradas jóias cintilam
E ela penteia os seus cabelos louros.
Lá em cima, admirável.
Suas douradas jóias cintilam
E ela penteia os seus cabelos louros.
Ela
penteia-se com um pente de ouro
Enquanto canta uma canção.
E o canto maravilhoso,
Tem uma fascinante melodia.
Enquanto canta uma canção.
E o canto maravilhoso,
Tem uma fascinante melodia.
O
barqueiro em pequeno barco
Supera uma frenética ventania
E não percebe à frente o recife,
Ele olha só para cima, no alto.
Supera uma frenética ventania
E não percebe à frente o recife,
Ele olha só para cima, no alto.
Creio que as ondas vão
devorar
Afinal, barqueiro e barco.
E assim se deu com seu cantar
A saga de Lore-Ley.
Afinal, barqueiro e barco.
E assim se deu com seu cantar
A saga de Lore-Ley.
É claro que tudo isto não passa duma patetice e eu espero que Heine
tenha ficado famoso por via de outros escritos. Este, contudo, foi celebrizado
porque foi musicado por muitos compositores, alguns famosos, outros nem tanto. https://www.youtube.com/watch?v=3DX_aykzT9Q
Para saber mais sobre o Lorelei, sugiro ao leitor que procure na
Internet.por exemplo em https://pt.wikipedia.org/wiki/Lorelei
Nas duas vezes que passámos pelo penhasco, puseram a música numa interpretação muito boa. Na primeira passagem, fui para o tombadilho ver o rochedo em tiro tenso mas na segunda poupei-me do frio e fiquei no salão da proa onde, estando eu em pleno êxtase de vistas e música, um grupo catalão se pôs a falar de trivialidades como se passeassem numa rambla. Chegou-me a mostarda ao bigode e pedi silêncio explicando que aquele era o momento mais sublime de todo o cruzeiro. Não sei se perceberam se não, mas calaram-se e eu – e muitos outros passageiros – vimos, ouvimos e gostámos.
Nas duas vezes que passámos pelo penhasco, puseram a música numa interpretação muito boa. Na primeira passagem, fui para o tombadilho ver o rochedo em tiro tenso mas na segunda poupei-me do frio e fiquei no salão da proa onde, estando eu em pleno êxtase de vistas e música, um grupo catalão se pôs a falar de trivialidades como se passeassem numa rambla. Chegou-me a mostarda ao bigode e pedi silêncio explicando que aquele era o momento mais sublime de todo o cruzeiro. Não sei se perceberam se não, mas calaram-se e eu – e muitos outros passageiros – vimos, ouvimos e gostámos.
(continua) Janeiro de 2020 Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Adriano Miranda Lima 05.01.2020
20:11: É um regalo ler estes
relatos de viagem do Dr. Salles da Fonseca. Têm tudo para justificar como muito
bem empregues os poucos minutos da leitura, mas sobretudo a forma como a
cultura se entrelaça com os aspectos lúdicos e informativos.
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