segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Lições de um saber esmerado



António Barreto parece ser, dos cidadãos que escrevem sobre políticas, dos que melhor interiorizou características e que melhor explora conceitos e a sua evolução, a que não falta nunca o travo decidido de uma argumentação onde a ironia vai mordendo, com elegância serena e séria. E a eito.
OPINIÃO
Partidos contra a democracia
As eleições directas dos chefes partidários são contrárias à democracia representativa e constituem uma das mais perigosas ameaças à democracia parlamentar.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 19 de Janeiro de 2020
É normal a agitação que reina actualmente na maior parte dos partidos. As derrotas estrondosas do PSD, do CDS e do PCP reclamam exame e avaliação, quem sabe, se reformas. A estagnação do BE, com menor sentido de urgência, faz pressão no mesmo sentido. O aparecimento de novos partidos, mesmo se minúsculos, obriga a reflexão. Só o PS, vencedor, parece calmo e sem apetite aparente por reformas. Se o silêncio gélido do PCP for considerado uma variante da calma, então teremos de incluir este partido na curta lista dos que não exibem problemas.
A inquietação quase moribunda do CDS, as trapalhadas eleitorais do PSD e os patéticos sketches do Livre e do Chega são sintomas da desordem política que, depois das últimas eleições, vai por esse país fora. Assim é que temos congressos em preparação em quase todos os partidos, tanto os que estão em crise, como os que navegam mais serenamente. Todos se preparam para eleições internas (e o PCP para nomeações). Em vários, trata-se de eleições directas dos seus líderes.
Esta última é apenas mais uma solução entre outras para reformar os partidos e a democracia. “Aproximar os partidos do povo”, “abrir os partidos à sociedade” e decretar a “transparência” como virtude absoluta e maior, eis alguns dos expedientes utilizados, na esperança de trazer para os partidos e mobilizar para as eleições os cidadãos indiferentes e abstencionistas. Ao fim de dez ou vinte anos de tentativas de aproximação e de profissões de fé de transparência, não consta que esses novos métodos tenham produzido quaisquer efeitos. Pelo contrário. Proliferam os movimentos ditos inorgânicos e as manifestações sociais de insatisfeitos, aliás de esquerda e direita, como se pode ver na Europa e na América Latina.
Em certo sentido, a crise dos partidos é também a crise da democracia. Pelo menos da democracia representativa, tal como a conhecemos. Muitos são os factores que ajudaram a desenvolver esta crise. A abstenção crescente e o desinteresse dos cidadãos estão entre os principais, ainda que seja necessário perceber as respectivas razões e causas. A demagogia política crescente em eleitorados cada vez mais diversificados e erráticos criou uma nova política. A sociedade de consumo e a publicidade, com os seus mais famigerados predadores, as agências de comunicação, têm a sua quota-parte de responsabilidade.
Esta crise tem inúmeras versões. E múltiplas interpretações. Digamos, para simplificar com alguns lugares-comuns, que “a distância entre a política e os cidadãos” é uma das suas características. Tal como a demagogia crescente, com partidos a prometerem, a não cumprirem ou a mudarem de política logo a seguir à eleição. Convém ainda não esquecer a corrupção, o nepotismo e a porta giratória, fenómenos pelos quais os políticos ficam ricos, os seus familiares têm empregos, os seus amigos conquistam posições na economia e nas instituições, além de serem também os mecanismos com os quais se obtêm licenças, encomendas, contratos e autorizações. Há ainda causas mais sérias, isto é, menos moralmente condenáveis. Por exemplo, o facto de as decisões políticas estarem condicionadas pelo poder económico, pelas grandes potências e pela União Europeia, contribui para a desilusão com a democracia.
Finalmente, demagogia política e sociedade de consumo estão na origem da criação de um fenómeno verdadeiramente revolucionário: as aspirações ilimitadas e as ambições desmesuradas. Toda a gente quer tudo, já. Nada de mal nisso, com certeza, só que é impossível. Por isso, há cada vez menos estabilidade política e eleitoral. Por isso, as sondagens instantâneas e os estudos de mercado quotidianos substituíram os mandatos eleitorais. Mais do que nunca, faz-se política com horizontes de dias ou semanas.
Neste universo crítico, nasceram ou desenvolveram-se duas ideias nefastas: a da proximidade da política e a da transparência. Os partidos e os políticos, com receio de serem eliminados pela força centrífuga da crise, deram a estes dois conceitos um valor de receita. Com transparência, o povo fica a saber tudo e a perceber quão honestos são os políticos do dia. Os eleitores passam a conhecer os modos como se tomam decisões. Toda a gente vê quem faz pressão, quem luta pelos seus interesses e quem tem ligações com a economia. Com a transparência, todos sabemos tudo!
A proximidade é o outro conceito chave. Reza a doutrina, se doutrina se trata, que a política, o governo, as instituições e os partidos devem estar próximos dos cidadãos, perceber os seus anseios e conhecer as suas dificuldades. As decisões devem ser tomadas no campanário, na cidade ou na região. Quem toma decisões deve ir ver e falar com as pessoas, conhecer os eleitores e tratar com os interessados. Contra o Terreiro do Paço, a democracia ou é de proximidade ou não é!
Interessante e preocupante é a fé que muitos depositam na eleição directa do líder. Este método, a arrepio do congresso e das estruturas representativas, é a importação de tecnologia populista para dentro dos partidos, onde também se fazem eleições primárias para candidatos a eleições nacionais. Além disso, já se nota um movimento favorável a que se dê o direito de voto a meros simpatizantes. E também já é possível, em certos casos, um não militante ou não sócio apresentar a sua candidatura. São estas fórmulas demagógicas que os partidos adoptam para tentar agarrar os cidadãos e os eleitores que lhes escapavam.
Com estes mecanismos, os partidos estão a destruir alguns pilares da democracia representativa e a retirar ao partido político o seu carácter orgânico. Assim se estabeleceu o primado do carisma individual, por cima da função doutrinária do partido e do seu papel de racionalidade no sistema político.
Separou-se a eleição do chefe da eleição dos órgãos partidários e da aprovação de um programa. É possível eleger um líder e uma direcção e aprovar programas contraditórios. É possível, como já aconteceu tantas vezes, que os chefes dos partidos não sejam sequer deputados e tenham sérios problemas com os seus grupos parlamentares. As eleições directas dos chefes partidários são contrárias à democracia representativa e constituem uma das mais perigosas ameaças à democracia parlamentar. Apetece dizer que “com a democracia se destrói a democracia”.
Sociólogo
COMENTÁRIOS:
Jose, 19.01.2020: A democracia é um método de delegação do poder individual de muitos em poucos que se obrigam a atingir objectivos anunciados. A democracia portuguesa comprometeu-se com a paz, liberdade, saúde, educação, habitação a cominho do socialismo. Meteu o socialismo na gaveta, condicionou a liberdade às Directivas dos tecnocratas de Bruxelas, fez-se cúmplice das guerras contra a vizinhança, Jugoslávia, Iraque, Líbia, Síria, Ucrânia... estimulou o terrorismo por dentro e o êxodo de refugiados de guerra. Hipotecou a soberania alfandegária, monetária, financeira, orçamental, bancária, vendeu o essencial da economia a estrangeiros remotos, cortou rendimentos ao trabalho (os salários já valeram 59% da riqueza e são agora apenas 34%.). Os portugueses férteis emigram. O objectivo da democracia foi traído.
O objectivo legitimado pelo sobressalto social de Abril foi traído pelos partidos PS,PSD,CDS que governam há mais de 43 anos e dominam todo o poder do topo das empresas e instituições privadas e públicas e também o topo do Estado. Actualmente o voto é inútil. Votar ou não votar dá o mesmo resultado. Vote-se em quem se votar será o poder fático da UE/BCE a decidir o que quiser como fez na Grécia em 2015. O OE é decidido na UE/BCE só migalhas ficam para, rindo, verem o que fazem com elas. A recuperação dos objectivos de Abril exige a restauração da soberania nacional. A recuperação da democracia na Europa capturada pelo poder fático da UE/BCE implica desmontar esse poder o mais pacífica e planeadamente possível. Ficar a ver o que acontece dá no que deu à nêspera, vem a velha e come.
PRO, 19.01.2020: Na Itália a fórmula M5S que promovia uma Democracia Directa e mais próxima dos cidadãos foi um falhanço descomunal. O partido sofreu uma derrota histórica nas eleições Europeias. As sondagens colocam no mesmo abaixo do PD. Vários deputados já mudaram quer para a Liga quer para a Esquerda. E o partido está em risco de implosão e isto porque não tem experiência nem política nem partidária. Além disso para haver Democracia Directa é preciso que haja mais cidadania, menos corrupção, mais informação e experiência que se constrói ao longo de muitos anos como na Suíça. Se os partidos mantiverem a sua ideologia, manterem instituições funcionais e sem corrupção, a Democracia funciona na perfeição.
Fowler Fowler, 19.01.2020: Sabe-se que não lhe foi fácil ver Costa a puxar pelas hostes para derrotar Seguro. Agora, ver a derrota e humilhação da legião passista levada a cabo por um pimpão do norte, passou-se.
Receando, como sempre, os incómodos da plebe, este sr. quer fazer acreditar que, em vez da democracia representativa, temos uma oclocracia.
Há muito que o sr. Barreto deseja uma alteração profunda da Constituição da República Portuguesa. Na angular de hoje, o paladim das liberdades parece querer subverter os direitos, liberdades e garantias de participação política dos cidadãos portugueses, consagrados na Lei fundamental.
P Galvao, 19.01.2020:.continuar a aspirar a ter acesso ao elevador social, algo que as classes médias já desistiram de fazer por razão das evidências com que são confrontadas todos os dias, seja na sua vida profissional, seja na sua vivência pessoal. A solução? Alguns politólogos e sociólogos defendem democracias directas, ou pelo menos mais participativas, enquanto as "elites" dominantes continuam a apresentar as suas "competências" como sendo bastantes para ultrapassar este impasse ideológico (ou será que como o outro argumentava, já chegámos ao fim da história?). Daqui a uma década já saberemos qual foi ponto sem retorno que decidimos ignorar.
Não há nenhuma fórmula científica, ou poção mágica que altere o tempo, as sociedades, e as ideologias (?) nas quais nos movemos. A cultura de massas foi explorada com inteligência pelo capitalismo da contemporaneidade (dito selvagem) construído por neoliberais e libertários, que oportunisticamente foram alimentando a deriva identitária dos grandes problemas societários, por contraste com as lutas de classes que marcaram os séculos XIX e XX. Se anteriormente se aspirava ao interclassismo, agora a palavra de ordem é dividir para reinar. As "elites" já não existem, salvo aquela que assenta na fortuna, o que infelizmente já não garante competências, conhecimento ou elevação ética e moral. Por essa razão as forças políticas limitam - se a jogar o jogo da governação exclusivamente para...


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