António Barreto parece ser,
dos cidadãos que escrevem sobre políticas, dos que melhor interiorizou características
e que melhor explora conceitos e a sua evolução, a que não falta nunca o travo decidido
de uma argumentação onde a ironia vai mordendo, com elegância serena e séria. E a eito.
OPINIÃO
Partidos contra a democracia
As eleições directas dos chefes
partidários são contrárias à democracia representativa e constituem uma das
mais perigosas ameaças à democracia parlamentar.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 19 de Janeiro de 2020
É
normal a agitação que reina actualmente na maior parte dos partidos. As
derrotas estrondosas do PSD, do CDS e
do PCP reclamam
exame e avaliação, quem sabe, se reformas. A
estagnação do BE,
com menor sentido de urgência, faz pressão no mesmo sentido. O aparecimento
de novos partidos, mesmo se minúsculos, obriga a reflexão. Só o PS,
vencedor, parece calmo e sem apetite aparente por reformas. Se o silêncio
gélido do PCP for considerado uma variante da calma, então teremos de incluir
este partido na curta lista dos que não exibem problemas.
A
inquietação quase moribunda do CDS, as trapalhadas eleitorais do PSD e os
patéticos sketches do Livre e do Chega são sintomas da desordem
política que, depois das últimas eleições, vai por esse país fora. Assim é que temos congressos em preparação em
quase todos os partidos, tanto os que estão em crise, como os que navegam mais serenamente.
Todos se preparam para eleições internas (e o PCP para nomeações). Em
vários, trata-se de eleições directas dos seus líderes.
Esta
última é apenas mais uma solução entre outras para reformar os partidos e a
democracia. “Aproximar
os partidos do povo”, “abrir os partidos à sociedade” e decretar a
“transparência” como virtude absoluta e maior, eis alguns dos expedientes
utilizados, na esperança de trazer para os partidos e mobilizar para as
eleições os cidadãos indiferentes e abstencionistas. Ao fim de dez ou
vinte anos de tentativas de aproximação e de profissões de fé de transparência,
não consta que esses novos métodos tenham produzido quaisquer efeitos. Pelo
contrário. Proliferam os movimentos ditos inorgânicos e as manifestações
sociais de insatisfeitos, aliás de esquerda e direita, como se pode ver na
Europa e na América Latina.
Em certo sentido, a crise dos
partidos é também a crise da democracia. Pelo
menos da democracia representativa, tal como a conhecemos. Muitos
são os factores que ajudaram a desenvolver esta crise. A abstenção crescente e
o desinteresse dos cidadãos estão entre os principais, ainda que seja necessário perceber as respectivas razões e causas. A
demagogia política crescente em eleitorados cada vez mais diversificados e
erráticos criou uma nova política. A sociedade de consumo e a publicidade, com
os seus mais famigerados predadores, as agências de comunicação, têm a sua
quota-parte de responsabilidade.
Esta crise tem inúmeras versões. E múltiplas interpretações. Digamos, para
simplificar com alguns lugares-comuns, que “a distância entre a política e
os cidadãos” é uma das suas características. Tal como a demagogia
crescente, com partidos a prometerem, a não cumprirem ou a mudarem de política
logo a seguir à eleição. Convém ainda não esquecer a corrupção, o
nepotismo e a porta giratória, fenómenos
pelos quais os políticos ficam ricos, os seus familiares têm empregos, os seus
amigos conquistam posições na economia e nas instituições, além de serem também
os mecanismos com os quais se obtêm licenças, encomendas, contratos e
autorizações. Há ainda causas
mais sérias, isto é, menos moralmente condenáveis. Por exemplo, o facto de as decisões políticas
estarem condicionadas pelo poder económico, pelas grandes potências e pela
União Europeia, contribui para a desilusão com a democracia.
Finalmente,
demagogia política e sociedade de consumo estão na origem da criação
de um fenómeno verdadeiramente revolucionário: as aspirações ilimitadas e as
ambições desmesuradas. Toda a
gente quer tudo, já. Nada de mal nisso, com certeza, só que é impossível. Por
isso, há cada vez menos estabilidade política e eleitoral. Por isso, as
sondagens instantâneas e os estudos de mercado quotidianos substituíram os
mandatos eleitorais. Mais do que nunca, faz-se política com horizontes de dias
ou semanas.
Neste
universo crítico, nasceram ou desenvolveram-se duas ideias nefastas: a da proximidade da política e a da transparência. Os
partidos e os políticos, com receio de serem eliminados pela força centrífuga
da crise, deram a estes dois conceitos um valor de receita. Com
transparência, o povo fica a saber tudo e a perceber quão honestos são os
políticos do dia. Os eleitores passam a conhecer os modos como se tomam
decisões. Toda a gente vê quem faz pressão, quem luta pelos seus interesses e
quem tem ligações com a economia. Com a transparência, todos sabemos tudo!
A proximidade é o outro conceito chave. Reza
a doutrina, se doutrina se trata, que a política, o governo, as instituições e
os partidos devem estar próximos dos cidadãos, perceber os seus anseios e
conhecer as suas dificuldades. As decisões devem ser tomadas no campanário, na
cidade ou na região. Quem toma decisões deve ir ver e falar com as pessoas,
conhecer os eleitores e tratar com os interessados. Contra o Terreiro do Paço,
a democracia ou é de proximidade ou não é!
Interessante
e preocupante é a fé que muitos depositam na eleição directa do líder. Este
método, a arrepio do congresso e das estruturas representativas, é a importação
de tecnologia populista para dentro dos partidos, onde também se fazem eleições
primárias para candidatos a eleições nacionais. Além disso, já se nota um
movimento favorável a que se dê o direito de voto a meros simpatizantes. E
também já é possível, em certos casos, um não militante ou não sócio apresentar
a sua candidatura. São estas fórmulas demagógicas que os partidos adoptam para
tentar agarrar os cidadãos e os eleitores que lhes escapavam.
Com
estes mecanismos, os partidos estão a destruir alguns pilares da democracia
representativa e a retirar ao partido político o seu carácter orgânico. Assim se estabeleceu o primado do
carisma individual, por cima da função doutrinária do partido e do seu papel de
racionalidade no sistema político.
Separou-se
a eleição do chefe da eleição dos órgãos partidários e da aprovação de um
programa. É possível eleger um líder e uma direcção e aprovar programas
contraditórios. É possível, como já aconteceu tantas vezes, que os chefes dos
partidos não sejam sequer deputados e tenham sérios problemas com os seus
grupos parlamentares. As eleições directas dos chefes partidários são
contrárias à democracia representativa e constituem uma das mais perigosas
ameaças à democracia parlamentar. Apetece dizer que “com a democracia
se destrói a democracia”.
Sociólogo
COMENTÁRIOS:
Jose, 19.01.2020: A democracia é um método de delegação do poder
individual de muitos em poucos que se obrigam a atingir objectivos anunciados. A democracia portuguesa comprometeu-se com a paz,
liberdade, saúde, educação, habitação a cominho do socialismo. Meteu o
socialismo na gaveta, condicionou a liberdade às Directivas dos tecnocratas de
Bruxelas, fez-se cúmplice das guerras contra a vizinhança, Jugoslávia, Iraque,
Líbia, Síria, Ucrânia... estimulou o terrorismo por dentro e o êxodo de
refugiados de guerra. Hipotecou a soberania alfandegária, monetária,
financeira, orçamental, bancária, vendeu o essencial da economia a estrangeiros
remotos, cortou rendimentos ao trabalho (os salários já valeram 59% da riqueza
e são agora apenas 34%.). Os portugueses férteis emigram. O objectivo da
democracia foi traído.
O
objectivo legitimado pelo sobressalto social de Abril foi traído pelos partidos
PS,PSD,CDS que governam há mais de 43 anos e dominam todo o poder do topo das
empresas e instituições privadas e públicas e também o topo do Estado. Actualmente
o voto é inútil. Votar ou não votar dá o mesmo resultado. Vote-se em quem
se votar será o poder fático da UE/BCE a decidir o que quiser como fez na
Grécia em 2015. O OE é decidido na UE/BCE só migalhas ficam para, rindo,
verem o que fazem com elas. A recuperação dos objectivos de Abril exige a
restauração da soberania nacional. A recuperação da democracia na Europa
capturada pelo poder fático da UE/BCE implica desmontar esse poder o mais pacífica
e planeadamente possível. Ficar a ver o que acontece dá no que deu à nêspera,
vem a velha e come.
PRO, 19.01.2020: Na Itália a fórmula M5S que promovia uma Democracia
Directa e mais próxima dos cidadãos foi um falhanço descomunal. O partido
sofreu uma derrota histórica nas eleições Europeias. As sondagens colocam no
mesmo abaixo do PD. Vários deputados já mudaram quer para a Liga quer para a
Esquerda. E o partido está em risco de implosão e isto porque não tem
experiência nem política nem partidária. Além disso para haver Democracia Directa
é preciso que haja mais cidadania, menos corrupção, mais informação e
experiência que se constrói ao longo de muitos anos como na Suíça. Se os
partidos mantiverem a sua ideologia, manterem instituições funcionais e sem
corrupção, a Democracia funciona na perfeição.
Fowler Fowler, 19.01.2020: Sabe-se que não lhe foi fácil ver Costa a puxar pelas
hostes para derrotar Seguro. Agora, ver a derrota e humilhação da legião
passista levada a cabo por um pimpão do norte, passou-se.
Receando,
como sempre, os incómodos da plebe, este sr. quer fazer acreditar que, em vez
da democracia representativa, temos uma oclocracia.
Há
muito que o sr. Barreto deseja uma alteração profunda da Constituição da
República Portuguesa. Na angular de hoje, o paladim das liberdades parece
querer subverter os direitos, liberdades e garantias de participação política
dos cidadãos portugueses, consagrados na Lei fundamental.
P Galvao, 19.01.2020:.continuar a aspirar a ter acesso ao elevador social,
algo que as classes médias já desistiram de fazer por razão das evidências com
que são confrontadas todos os dias, seja na sua vida profissional, seja na sua
vivência pessoal. A solução? Alguns politólogos e sociólogos defendem
democracias directas, ou pelo menos mais participativas, enquanto as
"elites" dominantes continuam a apresentar as suas
"competências" como sendo bastantes para ultrapassar este impasse
ideológico (ou será que como o outro argumentava, já chegámos ao fim da
história?). Daqui a uma década já saberemos qual foi ponto sem retorno que
decidimos ignorar.
Não
há nenhuma fórmula científica, ou poção mágica que altere o tempo, as
sociedades, e as ideologias (?) nas quais nos movemos. A cultura de massas foi
explorada com inteligência pelo capitalismo da contemporaneidade (dito
selvagem) construído por neoliberais e libertários, que oportunisticamente
foram alimentando a deriva identitária dos grandes problemas societários, por
contraste com as lutas de classes que marcaram os séculos XIX e XX. Se
anteriormente se aspirava ao interclassismo, agora a palavra de ordem é dividir
para reinar. As "elites" já não existem, salvo aquela que
assenta na fortuna, o que infelizmente já não garante competências,
conhecimento ou elevação ética e moral. Por essa razão as forças políticas
limitam - se a jogar o jogo da governação exclusivamente para...
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