António Barreto bem se esforça, na sua prosa límpida que nos penetra
a alma, pela sabedoria que contém aliada à impecabilidade do discurso que a
reproduz. Terá sempre os que o abominam, pertencendo a outra falange que não
admite que lhes descubram a careca. A mim, o seu saber parece de grande
argúcia, penetrando em todos os interstícios dos jeitos governativos que vão destruindo
o país, numa ilusão de avanço que vai manietando uma população onde a abulia pesa
definitivamente.
OPINIÃO
Mais Governo, mais Estado
Apesar das contas certas e do possível excedente público, a verdade é
que a principal característica deste orçamento é o do aumento do Estado e do
Governo. Como há muitos anos acontece. Aliás, as negociações entre partidos
têm apenas esse objectivo: gastar mais!
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 5 de Janeiro de 2020
Orçamento! É a discussão dos dias presentes e das próximas semanas. É natural que assim seja. Trata-se do documento
mais importante que a nossa assembleia legislativa aprova anualmente.
Explícitas ou implícitas, estão ali as escolhas do Governo, do Parlamento, dos
partidos e, em certa medida, da população. As prioridades e as estratégias
estão ali desenhadas, assim como as verdadeiras opções. Mesmo se os
deputados e os jornalistas vão perder muito tempo com debates inúteis. Quem
tiver tempo para ler, perceberá quem fica a ganhar e a perder. Poderá detectar
os castigos e os favores. Conseguirá sentir a justiça e a injustiça das
políticas públicas. Tudo está ali, para o melhor e o pior. O problema é que se vê mal. E nem sempre se percebe.
Com tudo cortado às fatias e às rubricas, é difícil compreender o principal.
Pena é que a intriga seja o tema essencial. Há aliança ou não? À esquerda ou à direita?
Cede-se um pouco aos pobres, para agradar ao Bloco, ou aos funcionários
públicos, para contentar o PCP? Vamos ter estridência bloquista quanto
baste, acidez comunista com fartura. Assim como a presunção dos pequenos
partidos que vão falar como se tivessem 30% dos votos! Muito vai ser dito a
propósito da desinteligência entre Costa e Centeno, tema relevante, mas não decisivo.
Apesar das contas certas e do possível excedente público, a verdade é
que a principal característica deste orçamento é o do aumento do
Estado e do Governo. Como há
muitos anos acontece. Aliás, as negociações entre partidos têm apenas esse
objectivo: gastar mais! Tanto a esquerda como a direita querem gastar mais.
Na educação, na saúde, na função pública, nos vencimentos, nas pensões e na
justiça: aumentar a despesa e o número de funcionários é a reivindicação.
Sem que se perceba,
neste orçamento continua indigitado o caminho para a regionalização. Com as invenções de Costa e Cabrita, não se chama
regionalização, chamar-se-á outra coisa qualquer. Talvez descentralização. Não se criarão regiões,
mas entidades. Não se farão eleições, mas serão eleitos uns representantes para
fazer companhia a uns nomeados: não serão uma coisa nem outra. Tudo será feito
para evitar o veto do Presidente da República e para afastar a hipótese de
referendo. Mas é este o mais intenso programa com o qual o PS pretende criar um
Estado à sua imagem.
Com um palavreado
onírico sobre a democracia de proximidade e a sustentabilidade autárquica, o
que o Governo e o PS propõem é simples. Aumentar o Estado. Aumentar os
orçamentos públicos. Criar novas competências para a administração. Duplicar
competências e confundir funções entre o local, o autárquico, o regional e o
nacional. Aumentar a despesa. Aumentar a dependência dos concelhos, das
freguesias e das comunidades locais. Aumentar a dependência da sociedade civil
e dos cidadãos. Na verdade, trata-se de dar mais um passo no alargamento da
administração pública e do Estado e no enfraquecimento da sociedade civil.
A associação entre representantes com legitimidades
diferentes, nomeados pelo governo, designados pela administração,
representantes de instituições públicas e privadas e finalmente eleitos, cria
uma espécie de câmara corporativa na qual os cidadãos, as instituições livres,
as organizações privadas e as associações ficam tuteladas. As
autarquias, a meio caminho entre o Estado e a comunidade, ficam ainda mais
amarradas à administração pública. Este processo de reforma alarga a malha do Estado. Trata-se de uma
regionalização disfarçada que traz para dentro do Estado central as regiões e
os municípios. É uma democracia de proximidade que submete os cidadãos ao
Estado. Não se trata obviamente de aproximar a administração dos cidadãos, mas
sim de incluir os cidadãos na administração. É a isto que se chama uma
administração pública inclusa!
A leitura combinada dos projectos de regionalização, do programa de governo e do orçamento é luminosa porque permite ver as penumbras. Aonde
está a ideia de libertar os cidadãos? Nem uma referência! Aonde estão os
antigos desejos dos libertários, dos social-democratas e das esquerdas
democráticas? Ausentes! Ideias nobres que fizeram décadas de esperança
desapareceram. Não se pensa em remover obstáculos à criatividade e à iniciativa
dos cidadãos. Morreram os sonhos que alimentaram muita política, quando ser de
esquerda era sobretudo ser livre e permitir a liberdade. Nunca substituir a
liberdade.
As esquerdas trouxeram solidariedade. Eis uma ambição
que prometia grandeza. Mas depressa se transformou em medonha: dar a liberdade,
a igualdade e a criatividade! Organizar, orientar, conduzir e mobilizar os
cidadãos! Dar-lhes um propósito e garantir a sua absoluta igualdade!
O Governo e seus grandes, médios e pequenos funcionários procuram
obsessivamente definir estratégias nacionais, elaborar planos nacionais e
construir programas nacionais para organizar a vida de todos. O Governo pretende até elaborar planos para promover
Portugal como destino turístico LGBTIQ! O ideal deixou de ser a liberdade, para ser a
integração. Tudo é Estado, nada é civil. Tudo é administração, nada é cidadão.
Os casos aberrantes da
educação e da saúde são excelentes exemplos. Ambos os sectores estão em crise,
sobretudo a saúde. Há cada vez mais médicos e enfermeiros, há cada vez mais
professores por aluno, há cada vez menos alunos, nada disso tem importância: o que os partidos do Governo e acessórios querem
são mais professores, mais médicos e mais enfermeiros, quando é evidente que o
essencial é um problema de organização. Portugal é um dos países da Europa com
mais médicos por habitante, mas continua a procurar-se mais médicos. Se o
Serviço Nacional de Saúde tem um gravíssimo problema de organização, a resposta
é vociferar contra a saúde privada! Apesar de haver funcionários a mais, o
atendimento dos serviços públicos na segurança social, nos papéis de
identidade, no registo de estrangeiros e nas autorizações e licenças é
ineficiente, moroso e desigual. Graças às delícias da Internet e da
administração digital, há cidadãos pobres, nacionais ou estrangeiros, que são
enviados de Lisboa para os Açores ou do Porto para Faro, “a fim de serem
recebidos mais depressa”.
O Leviatã, grande monstro marinho, dragão, serpente, demónio e
devorador de cidadãos é o Estado forte que se constrói diante de nós. Dia após
dia.
Sociólogo
COMENTÁRIOS:
GMA, 05.01.2020: Entre o Estado-Leviatã (ou Big Brother) e
o estado-falhado, há a complemento necessário entre o estado e o mercado. Mas
para o Professor Barreto, na sua cegueira de ressabiado fundamentalismo
anti-estado (ou anti-PS?), todo a sanha do catastrofismo medonho é justificável
em nome de uma qualquer desconhecida agenda. Hoje por hoje, não vislumbro mais
poderoso aliado do Sr. Ventura do que o Sr. Barreto, com a sua jactante
arrogância intelectual ao serviço de uma simplificadora dicotomia povo -
elites, o ovo da serpente de que sai o populismo mais alucinado. Merecia outro
final de crónica o Professor Barreto!
AA...Para a mentira ser segura ... tem que ter
qualquer coisa de verdade, 05.01.2020: O problema de Portugal é que quer quase
tudo mamar na teta do estado. Com tanto mamão, não há receita de impostos que
aguente. É sempre a aumentar. Isto não tem remédio.
Jose, 05.01.2020: Um monte de banalidades. Slogans reacionários contra o
Estado, contra os partidos, contra a democracia, contra a política, contra os
políticos, contra a liberdade sexual, contra a negociação, contra o serviço
nacional de saúde, contra o ensino público, etc. Um texto de propaganda reaccionária
a destilar ódio ao 25 de Abril. O Orçamento de Estado gasta menos que o que
está autorizado a gastar pelo poder fático da UE/BCE que é quem decide e já
decidiu em primeira mão. Há muito pouco dinheiro em jogo para o Estado receber
e ainda menos para as despesas do Estado. Toda a riqueza produzida em Portugal
é recolhida nas contas dos patrões que são os receptadores de toda a riqueza
natural somada pelo valor acrescentado do proletariado. Das contas todo o
cêntimo que sai tem a assinatura do patrão.
Jose, 05.01.2020: É o patrão, ou seu legal representante,
quem distribui ou não distribui a riqueza para: Estado; trabalhadores;
segurança social; fornecedores e para eles próprios em contas nacionais ou
estrangeiras. O OE alimenta a segurança de pessoas e bens, a educação que as
famílias, por ganharem mal, não dão aos filhos, paga parte dos transportes e
habitação aos trabalhadores que recebem do patrão menos que o necessários para
estar vivo e comparecer no posto de trabalho, gasta para os mais de dois
milhões de portugueses que trabalharam uma vida e estão à míngua porque o
patrão lhe distribuiu tão pouco. O OE paga os serviços da dívida pública que os
bancos privados fizeram para falir por fim. O OE paga as injecções de capital
no NB, BPN, TAP e outros livres incompetentes. Tinha de ser diferente e não é.
Manuel, 05.01.2020: "Um monte de banalidades" ou um
monte de verdades?! Ataque as ideias não o autor. É mentira que somos dos
paises com mais médicos por habitante, mais professores por aluno? É mentira
que cada vez há menos liberdade? Hoje em dia o que é que não é regulado pelo
Estado? É defensor da regionalização? Um monstro de despesas, jogos de poder,
corrupção...
mamaciel, 05.01.2020: Obrigado Dr António Barreto por mais um excelente artigo de
opinião. Como é óbvio, é um artigo que não agrada a todos os leitores, por via
da cor e pensamento político que defendem, que respeito, mas a omnipresença do
estado é por demais evidente.
rafael.guerra,
05.01.2020: Retrato dum fóssil
dum mamífero que mamou praticamente toda a vida à conta do Estado! É pena que
não tivesse aliviado as contas públicas em mais tenra idade...
António Borga, 05.01.2020: Steve Bannon ao Expresso: Na Europa, os
problemas resolvem-se «desconstruindo o Estado administrativo»; «algo
importante» nessa desconstrução é «a desregulamentação em massa».
ana cristina, 05.01.2020: regular e legislar é papel do estado. substituir-se à iniciativa
privada não é.
ana cristina: excelente texto! terrivel realidade. o PS tornou-se uma
versão light da esquerda totalitária. a pata do estado por todo o lado..... e
em nome de quê? do clientelismo e da corrupção.
Maria João: Excelente artigo! O PS está a transformar o país num
pesadelo, apoiado pelos seus comparsas da esquerda dos direitos adquiridos.
Porque é disso que se trata. O país já não é o mesmo de há 10 anos e daqui a 10
anos será completamente diferente. Impõe-se uma reforma do estado que acompanhe
estas mudanças e liberte a sociedade para os novos desafios. Hoje estou
convencida que estas geringonças são o catalisador do fim destes partidos e
pior ainda, do aparecimento dos populismos. Contas certas globais é coisa que o
PS não sabe fazer. A maioria que obteve no universo de votantes não chega a 20%
do universo dos eleitores. Com este apego ao passado está a criar uma bomba
relógio. Em Portugal as mudanças chegam tarde mas depois são arrasadoras!
PRO: Concordo com alguns pontos.
jcastilho: Tal como nos nos países nórdicos , onde reina a miséria
e o desespero social, um exemplo de Estados fortes e altos impostos a esmagar o
cidadão!!
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