segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Verdades como punhos



António Barreto bem se esforça, na sua prosa límpida que nos penetra a alma, pela sabedoria que contém aliada à impecabilidade do discurso que a reproduz. Terá sempre os que o abominam, pertencendo a outra falange que não admite que lhes descubram a careca. A mim, o seu saber parece de grande argúcia, penetrando em todos os interstícios dos jeitos governativos que vão destruindo o país, numa ilusão de avanço que vai manietando uma população onde a abulia pesa definitivamente.
OPINIÃO
Mais Governo, mais Estado
Apesar das contas certas e do possível excedente público, a verdade é que a principal característica deste orçamento é o do aumento do Estado e do Governo. Como há muitos anos acontece. Aliás, as negociações entre partidos têm apenas esse objectivo: gastar mais!
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 5 de Janeiro de 2020
Orçamento! É a discussão dos dias presentes e das próximas semanas. É natural que assim seja. Trata-se do documento mais importante que a nossa assembleia legislativa aprova anualmente. Explícitas ou implícitas, estão ali as escolhas do Governo, do Parlamento, dos partidos e, em certa medida, da população. As prioridades e as estratégias estão ali desenhadas, assim como as verdadeiras opções. Mesmo se os deputados e os jornalistas vão perder muito tempo com debates inúteis. Quem tiver tempo para ler, perceberá quem fica a ganhar e a perder. Poderá detectar os castigos e os favores. Conseguirá sentir a justiça e a injustiça das políticas públicas. Tudo está ali, para o melhor e o pior. O problema é que se vê mal. E nem sempre se percebe. Com tudo cortado às fatias e às rubricas, é difícil compreender o principal.
Pena é que a intriga seja o tema essencial. Há aliança ou não? À esquerda ou à direita? Cede-se um pouco aos pobres, para agradar ao Bloco, ou aos funcionários públicos, para contentar o PCP? Vamos ter estridência bloquista quanto baste, acidez comunista com fartura. Assim como a presunção dos pequenos partidos que vão falar como se tivessem 30% dos votos! Muito vai ser dito a propósito da desinteligência entre Costa e Centeno, tema relevante, mas não decisivo.
Apesar das contas certas e do possível excedente público, a verdade é que a principal característica deste orçamento é o do aumento do Estado e do Governo. Como há muitos anos acontece. Aliás, as negociações entre partidos têm apenas esse objectivo: gastar mais! Tanto a esquerda como a direita querem gastar mais. Na educação, na saúde, na função pública, nos vencimentos, nas pensões e na justiça: aumentar a despesa e o número de funcionários é a reivindicação.
Sem que se perceba, neste orçamento continua indigitado o caminho para a regionalização. Com as invenções de Costa e Cabrita, não se chama regionalização, chamar-se-á outra coisa qualquer. Talvez descentralização. Não se criarão regiões, mas entidades. Não se farão eleições, mas serão eleitos uns representantes para fazer companhia a uns nomeados: não serão uma coisa nem outra. Tudo será feito para evitar o veto do Presidente da República e para afastar a hipótese de referendo. Mas é este o mais intenso programa com o qual o PS pretende criar um Estado à sua imagem.
Com um palavreado onírico sobre a democracia de proximidade e a sustentabilidade autárquica, o que o Governo e o PS propõem é simples. Aumentar o Estado. Aumentar os orçamentos públicos. Criar novas competências para a administração. Duplicar competências e confundir funções entre o local, o autárquico, o regional e o nacional. Aumentar a despesa. Aumentar a dependência dos concelhos, das freguesias e das comunidades locais. Aumentar a dependência da sociedade civil e dos cidadãos. Na verdade, trata-se de dar mais um passo no alargamento da administração pública e do Estado e no enfraquecimento da sociedade civil.
A associação entre representantes com legitimidades diferentes, nomeados pelo governo, designados pela administração, representantes de instituições públicas e privadas e finalmente eleitos, cria uma espécie de câmara corporativa na qual os cidadãos, as instituições livres, as organizações privadas e as associações ficam tuteladas. As autarquias, a meio caminho entre o Estado e a comunidade, ficam ainda mais amarradas à administração pública. Este processo de reforma alarga a malha do Estado. Trata-se de uma regionalização disfarçada que traz para dentro do Estado central as regiões e os municípios. É uma democracia de proximidade que submete os cidadãos ao Estado. Não se trata obviamente de aproximar a administração dos cidadãos, mas sim de incluir os cidadãos na administração. É a isto que se chama uma administração pública inclusa!
A leitura combinada dos projectos de regionalização, do programa de governo e do orçamento é luminosa porque permite ver as penumbras. Aonde está a ideia de libertar os cidadãos? Nem uma referência! Aonde estão os antigos desejos dos libertários, dos social-democratas e das esquerdas democráticas? Ausentes! Ideias nobres que fizeram décadas de esperança desapareceram. Não se pensa em remover obstáculos à criatividade e à iniciativa dos cidadãos. Morreram os sonhos que alimentaram muita política, quando ser de esquerda era sobretudo ser livre e permitir a liberdade. Nunca substituir a liberdade.
As esquerdas trouxeram solidariedade. Eis uma ambição que prometia grandeza. Mas depressa se transformou em medonha: dar a liberdade, a igualdade e a criatividade! Organizar, orientar, conduzir e mobilizar os cidadãos! Dar-lhes um propósito e garantir a sua absoluta igualdade!
O Governo e seus grandes, médios e pequenos funcionários procuram obsessivamente definir estratégias nacionais, elaborar planos nacionais e construir programas nacionais para organizar a vida de todos. O Governo pretende até elaborar planos para promover Portugal como destino turístico LGBTIQ! O ideal deixou de ser a liberdade, para ser a integração. Tudo é Estado, nada é civil. Tudo é administração, nada é cidadão.
Os casos aberrantes da educação e da saúde são excelentes exemplos. Ambos os sectores estão em crise, sobretudo a saúde. Há cada vez mais médicos e enfermeiros, há cada vez mais professores por aluno, há cada vez menos alunos, nada disso tem importância: o que os partidos do Governo e acessórios querem são mais professores, mais médicos e mais enfermeiros, quando é evidente que o essencial é um problema de organização. Portugal é um dos países da Europa com mais médicos por habitante, mas continua a procurar-se mais médicos. Se o Serviço Nacional de Saúde tem um gravíssimo problema de organização, a resposta é vociferar contra a saúde privada! Apesar de haver funcionários a mais, o atendimento dos serviços públicos na segurança social, nos papéis de identidade, no registo de estrangeiros e nas autorizações e licenças é ineficiente, moroso e desigual. Graças às delícias da Internet e da administração digital, há cidadãos pobres, nacionais ou estrangeiros, que são enviados de Lisboa para os Açores ou do Porto para Faro, “a fim de serem recebidos mais depressa”.
O Leviatã, grande monstro marinho, dragão, serpente, demónio e devorador de cidadãos é o Estado forte que se constrói diante de nós. Dia após dia.
Sociólogo

COMENTÁRIOS:
GMA, 05.01.2020: Entre o Estado-Leviatã (ou Big Brother) e o estado-falhado, há a complemento necessário entre o estado e o mercado. Mas para o Professor Barreto, na sua cegueira de ressabiado fundamentalismo anti-estado (ou anti-PS?), todo a sanha do catastrofismo medonho é justificável em nome de uma qualquer desconhecida agenda. Hoje por hoje, não vislumbro mais poderoso aliado do Sr. Ventura do que o Sr. Barreto, com a sua jactante arrogância intelectual ao serviço de uma simplificadora dicotomia povo - elites, o ovo da serpente de que sai o populismo mais alucinado. Merecia outro final de crónica o Professor Barreto!
AA...Para a mentira ser segura ... tem que ter qualquer coisa de verdade, 05.01.2020: O problema de Portugal é que quer quase tudo mamar na teta do estado. Com tanto mamão, não há receita de impostos que aguente. É sempre a aumentar. Isto não tem remédio.
Jose, 05.01.2020:  Um monte de banalidades. Slogans reacionários contra o Estado, contra os partidos, contra a democracia, contra a política, contra os políticos, contra a liberdade sexual, contra a negociação, contra o serviço nacional de saúde, contra o ensino público, etc. Um texto de propaganda reaccionária a destilar ódio ao 25 de Abril. O Orçamento de Estado gasta menos que o que está autorizado a gastar pelo poder fático da UE/BCE que é quem decide e já decidiu em primeira mão. Há muito pouco dinheiro em jogo para o Estado receber e ainda menos para as despesas do Estado. Toda a riqueza produzida em Portugal é recolhida nas contas dos patrões que são os receptadores de toda a riqueza natural somada pelo valor acrescentado do proletariado. Das contas todo o cêntimo que sai tem a assinatura do patrão.
Jose, 05.01.2020: É o patrão, ou seu legal representante, quem distribui ou não distribui a riqueza para: Estado; trabalhadores; segurança social; fornecedores e para eles próprios em contas nacionais ou estrangeiras. O OE alimenta a segurança de pessoas e bens, a educação que as famílias, por ganharem mal, não dão aos filhos, paga parte dos transportes e habitação aos trabalhadores que recebem do patrão menos que o necessários para estar vivo e comparecer no posto de trabalho, gasta para os mais de dois milhões de portugueses que trabalharam uma vida e estão à míngua porque o patrão lhe distribuiu tão pouco. O OE paga os serviços da dívida pública que os bancos privados fizeram para falir por fim. O OE paga as injecções de capital no NB, BPN, TAP e outros livres incompetentes. Tinha de ser diferente e não é.
Manuel, 05.01.2020: "Um monte de banalidades" ou um monte de verdades?! Ataque as ideias não o autor. É mentira que somos dos paises com mais médicos por habitante, mais professores por aluno? É mentira que cada vez há menos liberdade? Hoje em dia o que é que não é regulado pelo Estado? É defensor da regionalização? Um monstro de despesas, jogos de poder, corrupção...
mamaciel, 05.01.2020:  Obrigado Dr António Barreto por mais um excelente artigo de opinião. Como é óbvio, é um artigo que não agrada a todos os leitores, por via da cor e pensamento político que defendem, que respeito, mas a omnipresença do estado é por demais evidente.
rafael.guerra, 05.01.2020:  Retrato dum fóssil dum mamífero que mamou praticamente toda a vida à conta do Estado! É pena que não tivesse aliviado as contas públicas em mais tenra idade...
António Borga, 05.01.2020: Steve Bannon ao Expresso: Na Europa, os problemas resolvem-se «desconstruindo o Estado administrativo»; «algo importante» nessa desconstrução é «a desregulamentação em massa».
ana cristina, 05.01.2020:  regular e legislar é papel do estado. substituir-se à iniciativa privada não é.
rafael.guerra, 05.01.2020: Se o Steve suíno diz que Sim, os franceses dizem Bah Non!
antonio rocha, 05.01.2020: Basta sguir o guião da reforma deixada pelo Portas.
ana cristina: excelente texto! terrivel realidade. o PS tornou-se uma versão light da esquerda totalitária. a pata do estado por todo o lado..... e em nome de quê? do clientelismo e da corrupção.
Maria João: Excelente artigo! O PS está a transformar o país num pesadelo, apoiado pelos seus comparsas da esquerda dos direitos adquiridos. Porque é disso que se trata. O país já não é o mesmo de há 10 anos e daqui a 10 anos será completamente diferente. Impõe-se uma reforma do estado que acompanhe estas mudanças e liberte a sociedade para os novos desafios. Hoje estou convencida que estas geringonças são o catalisador do fim destes partidos e pior ainda, do aparecimento dos populismos. Contas certas globais é coisa que o PS não sabe fazer. A maioria que obteve no universo de votantes não chega a 20% do universo dos eleitores. Com este apego ao passado está a criar uma bomba relógio. Em Portugal as mudanças chegam tarde mas depois são arrasadoras!
PRO: Concordo com alguns pontos.
jcastilho: Tal como nos nos países nórdicos , onde reina a miséria e o desespero social, um exemplo de Estados fortes e altos impostos a esmagar o cidadão!!

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