segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Presunção e água benta


Uma crónica a merecer destaque, mau grado a presunção de vários comentadores – que não coloquei – na sua ficção de urbanidade democrática, aceitando o exibicionismo de Joacine e condenando a seriedade da cronista São José Almeida pela “futilidade” do tema que escolheu. Não passa isso, contudo, de nítida demagogia provocatória, pois o assunto é importante, pela palhaçada em que se converteu a Assembleia da República, com a deficiência de expressão da deputada, que todos fingem escutar com seriedade, embora, no fundo, ela esteja mesmo a exibir-se e a troçar do circo em que converteu o Parlamento, autêntica bambochata de um ridículo inaceitável.
OPINIÃO
Há limites, deputada Joacine!
SÃO JOSÉ ALMEIDA
A deputada assume atitudes que indiciam uma tentativa de subjugar o direito de informar ao direito à imagem
PÚBLICO, 11 de Janeiro de 2020

Lê-se e não se acredita. No plano internacional, a semana foi dominada pelo clima de crescente tensão entre os EUA e o Irão, depois de o presidente Trump ter autorizado o ataque que matou o número dois do regime de Teerão, o general Qassem Soleimani, durante uma visita ao Iraque. Em Portugal, realizaram-se as últimas negociações prévias à aprovação na generalidade do Orçamento do Estado para 2020, na sexta-feira. Mas, para surpresa do país, a deputada eleita pelo Livre, Joacine Katar Moreira, foi notícia, não por razões políticas, mas pelo que pode ser visto como uma demonstração de vaidade desmesurada, de mitomania exacerbada ou, simplesmente, porque tem uma incorrigível tendência para o disparate.

Como o PÚBLICO noticiou terça-feira, Joacine Katar Moreira tentou proibir a publicação no site da Assembleia da República de uma fotografia em que constava. Por razões que não quis explicar aos jornalistas – já que, depois de questionado, seu serviço de assessoria de imprensa recusou comentar o assunto –, a deputada achou-se no direito e senhora do poder de vetar uma foto oficial dos membros da Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, à qual pertence. É claro que não conseguiu nada, além de se expor ao ridículo. Na troca de emails que ocorreu, os serviços parlamentares recusaram tal exigência, explicando o que toda a gente minimamente informada sabe e que, por maioria de razão, quem é eleito à Assembleia da República tem obrigação de saber.
Os serviços parlamentares fizeram mesmo questão de lembrar à deputada que a “divulgação da foto da comissão decorre das funções de representação” político-parlamentar e que o número 2 do artigo 79.º do Código Civil determina que “não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente”.
A deputada do Livre entrou em São Bento como defensora de causas, desde o combate ao racismo à defesa dos direitos das mulheres. Ainda que mostrando alguma presunção, ao assumir-se como a única anti-racista e feminista em Portugal, a missão que se atribui é nobre. Mas tem sido notícia por razões erradas – pelo menos pelo que tem demonstrado desde que tomou posse.
Logo no primeiro dia, surgiu com um novo penteado, em que acrescentou extensões ao seu cabelo, numa manifestação de africanidade que, por muito legítima que seja do ponto de vista do activismo político, deixa dúvidas sobre os limites do aproveitamento da imagem por parte da deputada do Livre. Isto, no mesmo dia, em que o seu assessor de imprensa decidiu chamar à atenção apresentando-se de saia – uma indumentária que a alta costura masculina recuperou há anos e que é perfeitamente normal em Nova Iorque, Londres, Berlim ou Paris, não em Lisboa, muito menos na Assembleia da República. O mesmo assessor que esteve envolvido na decisão de pedir a um agente da GNR para escoltar a deputada do Livre dentro do Parlamento, para que os jornalistas dela não se aproximassem no exercício da sua profissão de perguntar. No fundo, a deputada assume atitudes que indiciam uma tentativa de subjugar o direito de informar ao direito à imagem.
Com repercussão pública sobre a imagem do Livre, Joacine Katar Moreira iniciou uma querela com o partido, pelo qual foi eleita e cuja direcção integra, por se ter abstido no voto do PCP contra um ataque israelita à Faixa de Gaza, quando a posição oficial do partido é claramente pró-palestiniana. Um diferendo que podia até ter tido um fundo de divergência política, pois a deputada tem autonomia no desempenho do seu mandato para votar como quiser.
A verdade é que Joacine Katar Moreira nunca evocou razões políticas, antes confrontou a direcção do Livre com uma atitude de autonomia individual que não é compaginável com a sua eleição numa lista partidária num sistema eleitoral proporcional. O resultado foi o arrastar do diferendo, que nada de politicamente útil deu ao partido, nem à deputada. Ainda esta polémica corria, quando mais uma vez Joacine Katar Moreira rebenta nas notícias porque não entregou a tempo um projecto de lei sobre nacionalidade, tema que era uma das apostas do programa eleitoral do Livre.
Em pouco mais de dois meses, Joacine Katar Moreira tornou-se um dos deputados da actual legislatura mais conhecidos e mais noticiados. Tristemente por más razões. É do mínimo bom senso que Joacine Katar Moreira estude as regras parlamentares e os preceitos constitucionais e legais que enquadram o seu mandato de deputada. O Parlamento é um órgão de soberania onde os deputados representam os cidadãos, não um palco para sedes de protagonismo. Há limites à vaidade, à presunção, à mitomania e ao disparate.

COMENTÁRIOS
prof profissional 11.01.2020: Para quem dizia mal da AR e dos partidos, tradicionais, estes 3 partidos afinal não são iguais aos tradicionais, são diferentes para pior. A entrada do chega, do IL, é do livre só fizeram baixar o nível e transportar para o interior, achincalhamento e palhaçada principalmente por esta senhora e o assessor das saias, é o ventura. Lamentável. É os grandes, culpados, são os, mais de 50% de abstencionistas que não cumpriram o seu dever e obrigação, além de um direito. Se têm ido votar nunca estes 3 partidos teriam entrado.
Armando Heleno11.01.2020: Admiro a qualidade e também a frontalidade e pertinência do artigo de opinião da Drª São José Almeida. Tem os meus parabéns.
ana cristina, 11.01.2020: sejamos justas. a jornalista não critica a mudança de penteado. sublinha o tipo de mudança e o momento em que aconteceu. e isso, a meu ver, faz sentido que seja notado. as extensões da Joacine tornam mais visível a bandeira de africanidade que defende com palavras. Não é uma mudança para todas as bolsas nem para agendas sobrecarregadas. Agora a Joacine pode. Podiam era ter sido mais hábeis, ela e o assessor, nos ajustes de imagem. assim ficou um bocado a soar a folclore. demasiada coerência mata a coerência.
Joao, 11.01.2020:: Acho que denunciei um comentário qualquer, desculpem. Isto de me meter em discussões de senhoras dá no que dá. era só para dizer algo como que acho que a Joacine e qualquer um deveria assumir no parlamento a imagem e as opiniões que demonstrou e mostrou durante a campanha. Pela sua imagem, pela sua opinião, pelo que disse e mostrou é que foi escolhida pelos portugueses ... se afinal não era isso ou afinal era outra coisa que não mostrou ... cheira um pouco a burla.
António Cunha, 11.01.2020: Neste post concordo - há sempre uma primeira vez - com a ana cristina. O problema de Joacine (o Daniel Oliveira enunciou-o com especial assertividade) é que ao fazer de si o exemplo concreto mina as causas que defende. As nobres causas são, dessa forma, banalizadas. Nada contra o facto de Joacine ser coquette mas está a ultrapassar os limites do aceitável, com tanta presunção e altivez. Humildade precisa-se.
Ceratioidei, 11.01.2020: Limites (já) não há. Por isso subscrevo São José Almeida. E ainda que por norma não critique roupas e penteados, também é verdade que estes podem transmitir uma mensagem com significado político intencional por parte dos/das Modelos. As causas são decisivas nas eleições. A necessidade de sublinhar a causa com roupas e penteados é caricaturesca. P.ex.: Burka ou cabeleira postiça para esconder o cabelo de olhares marotos numa sociedade alegadamente careca. É mentira. Temos pelo na venta, pelo menos eu, tenho. E sou de má raça, é a única raça a que pertenço. Muito pior é a performance política pelos motivos enunciados. Tudo junto, as roupas e os penteados são imagens. E como sempre, uma imagem diz mais do que mil palavras. Joacine está no local errado. É pena. Um desperdício de recursos.

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