Uma crónica a merecer destaque, mau
grado a presunção de vários comentadores – que não coloquei – na sua ficção de
urbanidade democrática, aceitando o exibicionismo de Joacine e condenando a seriedade da cronista São José Almeida pela “futilidade”
do tema que escolheu. Não passa isso, contudo, de nítida demagogia provocatória, pois o assunto é
importante, pela palhaçada em que se converteu a Assembleia da República, com a
deficiência de expressão da deputada, que todos fingem escutar com seriedade,
embora, no fundo, ela esteja mesmo a exibir-se e a troçar do circo em que
converteu o Parlamento, autêntica bambochata de um ridículo inaceitável.
OPINIÃO
Há limites, deputada Joacine!
SÃO JOSÉ ALMEIDA
A deputada assume atitudes que
indiciam uma tentativa de subjugar o direito de informar ao direito à imagem
PÚBLICO, 11 de Janeiro de 2020
Lê-se
e não se acredita. No plano internacional, a semana foi dominada pelo clima de
crescente tensão entre os EUA e o Irão, depois de o presidente Trump ter
autorizado o ataque que matou o número dois do regime de Teerão, o general
Qassem Soleimani, durante uma visita ao Iraque. Em Portugal, realizaram-se as
últimas negociações prévias à aprovação na generalidade do Orçamento do Estado
para 2020, na sexta-feira. Mas, para surpresa do país, a deputada
eleita pelo Livre, Joacine Katar Moreira,
foi notícia, não por razões políticas, mas pelo que pode ser visto como uma
demonstração de vaidade desmesurada, de mitomania exacerbada ou, simplesmente,
porque tem uma incorrigível tendência para o disparate.
Como
o PÚBLICO noticiou terça-feira, Joacine
Katar Moreira tentou
proibir a publicação no site da
Assembleia da República de uma fotografia em que constava. Por razões que
não quis explicar aos jornalistas – já que, depois de questionado, seu serviço
de assessoria de imprensa recusou comentar o assunto –, a deputada achou-se no
direito e senhora do poder de vetar uma foto oficial dos membros da Comissão de
Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, à qual pertence. É claro que não
conseguiu nada, além de se expor ao ridículo. Na troca de emails que ocorreu, os serviços parlamentares recusaram tal
exigência, explicando o que toda a gente minimamente informada sabe e que, por
maioria de razão, quem é eleito à Assembleia da República tem obrigação de
saber.
Os
serviços parlamentares fizeram mesmo questão de lembrar à deputada que a
“divulgação da foto da comissão decorre das funções de representação”
político-parlamentar e que o número 2 do artigo 79.º do Código Civil determina
que “não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o
justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou
de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a
reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de
interesse público ou que hajam decorrido publicamente”.
A deputada do Livre entrou em São
Bento como defensora de causas, desde o combate ao racismo à defesa dos
direitos das mulheres. Ainda que mostrando alguma presunção, ao assumir-se como
a única anti-racista e feminista em Portugal, a missão que se atribui é nobre.
Mas tem sido notícia por razões erradas – pelo menos pelo que tem demonstrado
desde que tomou posse.
Logo
no primeiro dia, surgiu com um novo penteado, em que acrescentou
extensões ao seu cabelo, numa manifestação de africanidade que, por muito
legítima que seja do ponto de vista do activismo político, deixa dúvidas
sobre os limites do aproveitamento da imagem por parte da deputada do Livre.
Isto, no mesmo dia, em que o seu assessor de imprensa decidiu
chamar à atenção apresentando-se de saia – uma indumentária que a alta costura
masculina recuperou há anos e que é perfeitamente normal em Nova Iorque,
Londres, Berlim ou Paris, não em Lisboa, muito menos na Assembleia da República. O
mesmo assessor que esteve envolvido na decisão de pedir a um agente da GNR para escoltar a
deputada do Livre dentro do Parlamento, para que os jornalistas
dela não se aproximassem no exercício da sua profissão de perguntar. No
fundo, a deputada assume atitudes que indiciam uma tentativa de subjugar o
direito de informar ao direito à imagem.
Com
repercussão pública sobre a imagem do Livre, Joacine Katar Moreira iniciou uma querela com o partido, pelo qual foi
eleita e cuja direcção integra, por se ter abstido no voto do PCP contra
um ataque israelita à Faixa de Gaza, quando a posição oficial do partido é
claramente pró-palestiniana.
Um diferendo que podia até ter tido um fundo de divergência política, pois a deputada
tem autonomia no desempenho do seu mandato para votar como quiser.
A
verdade é que Joacine Katar Moreira nunca evocou razões políticas, antes
confrontou a direcção do Livre com uma atitude de autonomia individual que
não é compaginável com a sua eleição numa lista partidária num sistema
eleitoral proporcional. O resultado foi o
arrastar do diferendo, que nada de politicamente útil deu ao partido, nem à
deputada. Ainda esta polémica corria, quando mais uma vez Joacine Katar Moreira rebenta nas notícias porque não entregou a tempo um projecto de lei
sobre nacionalidade, tema que era uma das apostas do programa
eleitoral do Livre.
Em
pouco mais de dois meses, Joacine Katar Moreira tornou-se um dos
deputados da actual legislatura mais conhecidos e mais noticiados. Tristemente
por más razões. É do mínimo bom senso que Joacine Katar Moreira estude as
regras parlamentares e os preceitos constitucionais e legais que enquadram o
seu mandato de deputada. O Parlamento é um órgão de soberania onde os deputados
representam os cidadãos, não um palco para sedes de protagonismo. Há limites à
vaidade, à presunção, à mitomania e ao disparate.
COMENTÁRIOS
prof
profissional 11.01.2020: Para quem dizia mal da AR e dos partidos, tradicionais,
estes 3 partidos afinal não são iguais aos tradicionais, são diferentes para
pior. A entrada do chega, do IL, é do livre só fizeram baixar o nível e
transportar para o interior, achincalhamento e palhaçada principalmente por
esta senhora e o assessor das saias, é o ventura. Lamentável. É os grandes,
culpados, são os, mais de 50% de abstencionistas que não cumpriram o seu dever
e obrigação, além de um direito. Se têm ido votar nunca estes 3 partidos teriam
entrado.
Armando Heleno: 11.01.2020:
Admiro a qualidade e também a frontalidade e pertinência do artigo de opinião
da Drª São José Almeida. Tem os meus parabéns.
ana cristina, 11.01.2020: sejamos justas. a jornalista não critica
a mudança de penteado. sublinha o tipo de mudança e o momento em que aconteceu.
e isso, a meu ver, faz sentido que seja notado. as extensões da Joacine tornam
mais visível a bandeira de africanidade que defende com palavras. Não é uma
mudança para todas as bolsas nem para agendas sobrecarregadas. Agora a Joacine
pode. Podiam era ter sido mais hábeis, ela e o assessor, nos ajustes de imagem.
assim ficou um bocado a soar a folclore. demasiada coerência mata a coerência.
Joao,
11.01.2020:: Acho que denunciei um comentário
qualquer, desculpem. Isto de me meter em discussões de senhoras dá no que dá. era
só para dizer algo como que acho que a Joacine e qualquer um deveria assumir no
parlamento a imagem e as opiniões que demonstrou e mostrou durante a campanha.
Pela sua imagem, pela sua opinião, pelo que disse e mostrou é que foi escolhida
pelos portugueses ... se afinal não era isso ou afinal era outra coisa que não
mostrou ... cheira um pouco a burla.
António Cunha, 11.01.2020: Neste post concordo - há sempre uma primeira vez - com
a ana cristina. O problema de Joacine (o Daniel Oliveira enunciou-o com
especial assertividade) é que ao fazer de si o exemplo concreto mina as causas
que defende. As nobres causas são, dessa forma, banalizadas. Nada contra o
facto de Joacine ser coquette mas está a ultrapassar os limites do aceitável,
com tanta presunção e altivez. Humildade precisa-se.
Ceratioidei, 11.01.2020: Limites (já) não há. Por isso subscrevo São José
Almeida. E ainda que por norma não critique roupas e penteados, também é
verdade que estes podem transmitir uma mensagem com significado político
intencional por parte dos/das Modelos. As causas são decisivas nas eleições. A
necessidade de sublinhar a causa com roupas e penteados é caricaturesca. P.ex.:
Burka ou cabeleira postiça para esconder o cabelo de olhares marotos numa
sociedade alegadamente careca. É mentira. Temos pelo na venta, pelo menos eu,
tenho. E sou de má raça, é a única raça a que pertenço. Muito pior é a
performance política pelos motivos enunciados. Tudo junto, as roupas e os
penteados são imagens. E como sempre, uma imagem diz mais do que mil palavras.
Joacine está no local errado. É pena. Um desperdício de recursos.
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