terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Quand même



Passeio circunscrito a uma viagem no Reno, em elegante cruzeiro de requinte que seguimos com encanto, através dos descritivos, como sempre recheados de interesse, de Salles da Fonseca. Só podemos ficar gratos. Para o ano haverá mais – ou seja, para este ano, pelo verão ...
HENRIQUE SALLES DA FONSECA    A BEM DA NAÇÃO, 06.01.20
QUAND TOUT VA BIEN
Heim, em alemão, significa casa. Esta informação prévia tem a ver com o facto de termos visitado Rüdesheim (a casa de Rüde) e Manheim (a casa do homem). Visitámos também Heidelberg (o monte de Heidel) e Speyer (sem tradução).
Então, foi assim:
No primeiro dia, como já referi, embarcámos em Estrasburgo, tivemos os salamaleques da recepção e navegámos toda a noite durante a qual transpusemos três eclusas – sono tranquilo;
Durante a manhã do segundo dia, navegámos para jusante ao longo do que eles chamam o «romântico Vale do Reno» ouvindo as explicações dadas por uma Senhora que estava dentro dos altifalantes do barco – castelos, mansões, igrejas, vinhedos nas duas margens, povoações à beira rio, histórias de conquistas e de reconquistas que até metiam suecos e espanhóis à mistura e, já mais recentemente, o extravagante rei Luís da Baviera a comprar uns quantos castelos em ruínas, a reabilitá-los e a contribuir fortemente para a delapidação das Finanças bávaras. Depois de passarmos o Lorelei, fizemos inversão de marcha frente a Sankt Goar (que não visitámos) e, passando novamente pelo Lorelei, acostámos em Rüdesheim. Pelo que a Senhora do altifalante dissera, estávamos todos convencidos de que ali era a capital do riesling e que haveria uma prova de vinhos a condizer com a fama do produto. Mas o que nos deram a ver foi o Museu da Música Mecânica com tudo o que pudéssemos imaginar de pianolas, grafonolas, realejos e não sei mais o quê… Mas se queres um vinhito, pagas! O exemplar único que me calhou era muito doce para meu gosto, ficou lá meia flute. Mas até poderia ser que o vinho ao lado fosse mais do meu agrado. Não ousei. No entanto, o que mais me chamou a atenção foi o facto de por aquelas encostas além os vinhedos estarem plantados em filas quase perpendiculares e não em socalcos por curvas de nível como no Douro. Eles lá sabem porquê (a Senhora do altifalante àquela matéria disse «nada») mas eu aposto mais no nosso método por impedir a erosão e por os vindimadores não terem que trabalhar pendurados por cordas em rappel (o que não vi que acontecesse). E assim foi nestas cogitações que zarpámos para montante rumo a Manheim… Depois de navegarmos durante a noite, ao terceiro dia, apeámo-nos em Manheim, demos uma volta de autocarro pela cidade para termos a certeza de que ela existe e rumámos a Heidelberg onde visitámos o castelo.
E este, que nos é apontado como o expoente máximo do romantismo no Vale do Reno, está quase totalmente em ruinas, adivinha-se-lhe uma arquitectura romântica mas a História que transporta tem muito mais que romantismo pois, entre outras funções, foi ali que ficou detido em regime prisional e alimentado apenas a pão e água aquele que ficou conhecido como o Antipapa João XXIII, um dos três Papas que, em simultâneo, se arrogava o exclusivo da legitimidade. Luís III do Palatinado foi o representante do imperador e o juiz supremo, e foi nessa qualidade que em 1415, de acordo com o Concílio de Constança e a mando do Imperador Sigismundo, aprisionou o já deposto Antipapa João XXIII antes deste ser levado para a vizinha Mannheim. Mas durante a sua prisão no castelo, foi aberta uma janela panorâmica sobre o vale do rio Neckar para que ele pudesse ver a destruição que as guerras por ele provocadas tinham causado a toda a região. Outra curiosidade histórica tem a ver com a chamada Disputa de Heidelberg travada por Martinho Lutero com os seus irmãos Agostinhos no âmbito da justificação que lhe fizeram sobre cada uma das 95 teses que ele afixara na porta da igreja de Wittenberg. Com -4º C, rumámos a Speyer onde, dado o adiantado da hora, não visitámos o Museu Aeronáutico, embarcámos e preparámos-nos para o réveillon pois já estávamos em 31 de Dezembro. Na passagem do ano fui beijado por quem nunca tinha visto mais gordo nem mais magro, saudámos à felicidade de todos e cada um e deixámos os foliões a dançar.
O quarto dia foi dedicado à navegação nocturna e quando acordámos já estávamos acostados em Estrasburgo. Desembarcámos pelas 10,30 h e retomámos a cena da mais «curta» distância entre aquela cidade e Lisboa passando quase pelo Polo Norte. Demorámos só 13 horas assim economizando 5 em relação ao que acontecera na ida.
E como dizem os franceses, tout va bien qui finit bien. E foi o caso.     FIM
Janeiro de 2020    Henrique Salles da Fonseca

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