Fartos da sensaboria de um discurso de aparência falsamente optimista
sobre um país manifestamente caído no atoleiro da rebaldaria, que o actual PR
finge não enxergar, ajoujado à sua eloquência feita de opacidade vazia e piegas,
para continuar a merecer a empatia que acima de tudo procura, enredado numa
toleima revestida de simplicidade peca e enjoativa, julgo também que o país
teria a ganhar com a personalidade de Ana Gomes
na chefia do país, como defende Francisco Assis e alguns comentadores a quem
não afecta o seu carisma de mulher frontal.
OPINIÃO
Porquê Ana Gomes
Num momento em que o país precisa de um
sobressalto cívico-moral a sua candidatura presidencial constitui um verdadeiro
imperativo categórico.
FRANCISCO ASSIS
PÚBLICO, 25 de Janeiro de 2020
Há
uns dias, no contexto de um debate que realizo semanalmente com o eurodeputado
Paulo Rangel na Rádio Renascença, num momento em que discutíamos o caso Luanda
Leaks, pronunciei-me en passant sobre as virtualidades de uma
hipotética candidatura presidencial de Ana Gomes. Esse comentário, apesar
de induzido pelo tema em apreciação, corresponde a uma convicção que tenho
vindo a sedimentar desde há alguns meses e que se pode explicitar de modo muito
simples: nas presentes circunstâncias históricas Ana
Gomes prestaria um relevante serviço ao país se se dispusesse a entrar na
corrida presidencial. Procurarei de seguida fundamentar esta mesma
alegação.
Dentro
de um ano os portugueses serão chamados de novo a votar numas eleições
presidenciais. O actual Presidente da República, salvo inesperado motivo de
força maior, recandidatar-se-á naturalmente ao exercício do cargo. Marcelo Rebelo de Sousa não
foi um mau Presidente da República. Dotado de superiores qualidades
intelectuais, de uma invulgar cultura política e de uma assinalável capacidade
de empatia com as massas populares, revelou-se, como seria, aliás, de esperar,
um homem à altura das suas imensas responsabilidades institucionais.
Não
tem sido, porém, como de resto ninguém o seria, um Presidente perfeito. Na sua vertiginosa vontade de ser amado por todos
exagerou na apologia dos afectos contribuindo, desse modo, para uma relativa
despolitização da função presidencial, o que teve reflexos negativos na vida
democrática do país. De uma certa forma, Marcelo Rebelo de Sousa tratou
sempre a sociedade portuguesa como um imenso “O Programa da Cristina”. O
mundo das selfies, dos intermináveis beijos e abraços, remete para uma espécie
de irrealidade anestesiante da verdadeira e necessária discussão política.
Não
terá sido por acaso que o Presidente da República, tão empenhado na busca de um
quase unanimismo emocional, se tenha revelado incapaz de promover qualquer
entendimento de carácter sistémico entre os dois maiores partidos portugueses.
Os consensos políticos ao nível das verdadeiras questões do regime exigem mais
razão do que emoção, apelam mais à dimensão argumentativa da política e menos
às suas manifestações folclóricas. É pena que um homem com a estatura
intelectual de Marcelo Rebelo de Sousa coloque demasiadas vezes a inteligência
ao serviço de uma obstinação pelo reconhecimento público, com prejuízo para a
sua actuação institucional.
Tudo
isto não significa, porém, que o balanço da actuação presidencial seja
negativo. É, a meu ver, apesar das insuficiências referidas, um balanço
positivo. Por isso mesmo, Marcelo Rebelo de Sousa pode, deve e vai
recandidatar-se.
Admitida
esta evidência coloca-se uma nova questão: deve ou não surgir uma candidatura
presidencial oriunda do espaço da esquerda democrática. Creio que só em
circunstâncias absolutamente excepcionais se pode justificar a inexistência de
um candidato oriundo deste espaço político. O que é normal, se não mesmo
exigível, é que surja alguém capaz de representar na disputa presidencial os
princípios, os valores e os pontos de vista próprios desta importante corrente
de opinião política.
Só
assim se valoriza a instituição Presidência da República, se concorre para a
valorização da discussão política, se combate o risco de afirmação de
populismos extremistas. A esquerda democrática não pode deixar de comparecer na
eleição presidencial. Tem essa obrigação perante o país.
Aqui
chegados depara-se-nos uma outra questão: quem estará hoje em melhores
condições para representar este espaço político-doutrinário nestas eleições.
Admito que haja várias personalidades em condições de aspirar a tal estatuto. Não
vejo, contudo, melhor candidatura do que aquela que poderá vir a ser
protagonizada por Ana Gomes. Procurarei resumidamente explicar porquê.
A
partir de uma certa altura uma personalidade política densa e séria passa a
valer tanto por aquilo que simboliza como por aquilo que é. E vale tanto mais
quando há uma coincidência entre o que simboliza e o que é. Ana
Gomes é hoje para o país inteiro o símbolo da luta por um
Estado de direito democrático impermeável a qualquer tipo de corrupção e por um
modelo de intervenção política contrário a qualquer promiscuidade entre
interesses públicos e interesses privados. Alcandorou-se a esta posição por
mérito próprio.
Nos
últimos cinco anos acompanhei de perto a sua actuação no Parlamento Europeu e
pude constatar o elevado grau da sua coragem moral e física. Nunca se coibiu de
visitar países onde era ameaçada de morte, foi a voz mais activa no combate aos
paraísos fiscais e jamais cedeu a qualquer tipo de calculismo quando se tratava
de defender os Direitos Humanos. Dizem que por vezes é excessiva, pouco
diplomática, com alguma propensão para o maniqueísmo. É possível que algumas
vezes assim tenha sucedido, mas o que é que isso representa perante tudo o
resto, e é quase tudo, que identifica a sua desassombrada intervenção política.
Escrevo
por isso aqui o que já transmiti pessoalmente a Ana Gomes: num momento em que o
país precisa de um sobressalto cívico-moral a sua candidatura constitui um
verdadeiro imperativo categórico. Um imperativo dessa natureza coloca-se antes
e para além de qualquer decisão de natureza partidária. Uma coisa é certa – o
país terá muito a ganhar se daqui a um ano pudermos optar entre duas
personalidades de elevada envergadura, Marcelo Rebelo de Sousa e Ana Gomes.
Militante
do PS
TÓPICOS
POLÍTICA PS ELEIÇÕES MARCELO REBELO DE SOUSA ANA GOMES PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA LUANDA LEAKS
COMENTÁRIOS
Antonio
Silva: "o país precisa de um sobressalto
cívico-moral". De acordo. A Drª Ana Gomes é uma raridade de coragem moral
e de rumo constante. Não se vende, não disfarça e guia-se apenas e sempre pela
ética da polis. Aos vesgos, que são muitos, e gostam de viver nesta miséria
moral, continuem em sobressalto com o fantasma Ana Gomes.
Macuti:
Ana Gomes é alguém que falhou o seu
objectivo de vida: ser ministra dos negócios estrangeiros. Não perdoa ao seu PS
o facto de nunca a terem nomeado para esse ministério e daí a acrimónia com
todos aqueles que assumiram tal pasta: Durão, Portas, L.Amado , Martins da Cruz
etc. O elogio que merece, sem dúvida, na sua luta contra a corrupção, contra a
promiscuidade entre interesses públicos e privados e contra o PS dos negócios,
não lhe confere o perfil necessário para ser uma boa candidata presidencial..
José
Manuel Martins: adoro a da
'esquerda democrática', a baloiçar entre o pleonasmo e o oxímoro, e a garantir
que 'a outra' também faz parte da democracia. A política é um carrossel de
tolos, e é por isso que o marcelo põe a boina e sai para os afectos... Já o
problema de ana gomes é aquela tendência que ela tem para, à revelia de
qualquer função presidencial ou valendo-se precisamente dela, se sair de repente
a elencar em vários idiomas os sinónimos altamente refinados de 'vagina'; isto
quando não desata a gritar, o que é embaraçoso (quase sempre com razão, o que
seria presidenciável), contra qualquer coisa ou alguém que a deixem indignada,
possessa e esbravejante. É de presidenta, caramba, mas não sei se será presidencial.
Esta madame sans-gêne é um estardalhaço imprevisível, ai da porcelana...
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