Este texto de RUI GONÇALVES.
Deve ser lido e posto em prática com urgência.
OPINIÃO
Clima – 10 resoluções para 2020
As resoluções que proponho são
exequíveis, não aumentam a despesa pública e não implicam mudanças sensíveis no
nosso modo de vida. O que fazem é cortar com práticas arreigadas há décadas e
geralmente entendidas como normais.
RUI GONÇALVES
PÚBLICO, 29 de Janeiro de 2020
Mais de 30 anos depois de
estabelecido o consenso científico sobre o impacto dos gases com efeito de
estufa no clima, o sentimento de estarmos perante uma “emergência climática”
parece ter atingido o comum dos cidadãos “et pour cause” os políticos de (quase)
todos os quadrantes.
No
entanto, a resposta política a um problema global de longo prazo é
particularmente difícil no actual contexto planetário. Como organizar uma
resposta comum a cerca de 200 países, maioritariamente organizados em sistemas
democráticos com rotações governamentais de quatro ou cinco anos e sem nenhuma
liderança internacional clara?
Talvez o presidente Macron tenha
aberto um novo caminho ao ameaçar “sanções” económicas (não assinar o acordo UE-Mercosul) para
forçar alguma acção na Amazónia. Mas ainda vai demorar até se conseguir uma
coordenação internacional efectiva, isto é, que vá além das mentiras piedosas
do Acordo de Paris.
Entretanto, será que, neste pequeno
rectângulo, podemos e devemos fazer alguma coisa?
Muitos
têm dito que nada do que fizermos fará diferença e que o melhor é esperar
para ver. Discordo profundamente. Por um lado, temos que nos proteger
dos efeitos da mudança, cada vez mais rápida, do clima (em 2019,
a temperatura média em Lisboa ficou 1,8ºC acima do normal). Por outro, ser capaz de tomar a dianteira nas
medidas de mitigação das emissões elevará o nosso poder negocial quando forem tomadas
medidas mais dolorosas a nível global.
As
resoluções que proponho são exequíveis, não aumentam a despesa pública e não
implicam mudanças sensíveis no nosso modo de vida. O que
fazem é cortar com práticas arreigadas há décadas e geralmente entendidas como
normais.
Parar toda a construção e reconstrução
de edificações nas zonas alagáveis e inundáveis. A
eventual destruição de edifícios provocada por cheias ou inundações deverá
levar à sua automática relocalização em zona de baixo risco.
Não construir nem mais um km de estrada
ou auto-estrada. Sendo o
tráfego rodoviário uma das maiores fontes de gases de estufa, não se entende a
continuação do investimento numa rede que já está entre as dez melhores do mundo.
Apostar todo o investimento público em
mobilidade no transporte colectivo eléctrico, preferencialmente
sobre carris (a nossa rede ferroviária é das piores da Europa).
A subsidiação pública do transporte individual, mesmo totalmente eléctrico,
deve ser eliminada devido aos seus outros efeitos negativos. O actual
diferencial de custo dos veículos eléctricos pode ser suportado pelos próprios
utilizadores, que assim darão um contributo mais palpável para a redução das
emissões do que a habitualmente invocada “reciclagem” dos resíduos
domésticos.
Reduzir o número e a área ocupada pelos
aglomerados urbanos. Se outras
razões não houvesse, a redução do consumo de energia, dos tempos de deslocação
e dos custos de fornecimento de serviços básicos tornam incompreensível a não
adopção destas medidas. Recorde-se que vivemos um declínio demográfico e
existem mais de 700.000 casas desocupadas em todo o país.
Baixar significativamente o consumo de
carne de vaca. Aqui está
uma área em que os
cidadãos podem ser os principais actores. Se cada um e todos os
portugueses assim o decidirem, este objectivo será fácil de alcançar. As
políticas públicas podem dar uma ajuda, com normas de rotulagem que
identifiquem a origem e forma de produção. Dado que somos deficitários na
produção de carne de vaca, não são as nossas vaquinhas de pasto que estão em
risco.
Deixar de subsidiar a plantação de
árvores. É sempre boa notícia o anúncio de novas
plantações, que podem ir de 200 até 25 milhões de árvores, mas a verdade é que a
plantação é a parte mais fácil. Na realidade os apoios à florestação,
existentes desde 1980, são um fracasso, tendo levado à perda quase total do
investimento (público) realizado e à redução da área florestal. Importa é
apoiar a gestão florestal a longo prazo, 20-40 anos, para que, depois da
plantação, os espaços florestais não sejam deixados à sua sorte.
Eliminar todos os subsídios aos
combustíveis fósseis. Apesar das
boas palavras sobre a progressiva “eliminação dos subsídios prejudiciais ao
ambiente”, mantêm-se em vigor isenções fiscais para a produção de
energia e para os transportes públicos e de mercadorias, com recurso a
combustíveis fósseis, que totalizam várias centenas de milhões de euros.
Isto é, não apenas, prejudicial ao ambiente, como desincentiva a transição
energética.
Autonomizar e reforçar os Serviços
Meteorológicos. Com
eventos extremos cada vez mais frequentes e violentos é fundamental reforçar
os meios humanos e técnicos dos serviços de meteorologia para aumentar a
antecedência e precisão das previsões meteorológicas.
Evitar
utensílios de uso único. Agora que o plástico
ganhou uma imagem negativa, muitas pessoas acham adequado usar
talheres, recipientes e outros utensílios descartáveis em madeira, papel ou
alumínio. Ora esses materiais, apesar de recicláveis, têm uma pegada ambiental
considerável. O ideal é abandonar o conceito de usar e deitar fora.
Tornar transparente a pegada carbónica
das empresas. Os
empresários nunca perdem uma oportunidade para afirmar a sua consciência
ambiental, mas são mais reservados sobre o real impacto das suas actividades. Todas as empresas com um volume de negócios acima de
um milhão de euros deviam publicar anualmente um relatório com as suas
emissões totais de gases com efeito de estufa. Será assim mais fácil
identificar as oportunidades de redução de emissões e certificar a boa
cidadania empresarial.
A mudança climática está em curso acelerado. O que fizemos até agora é
claramente insuficiente para a travar. Será que os nossos representantes têm a
visão e a coragem necessárias para adoptar estas resoluções?
Engenheiro
do Ambiente
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FÓSSEIS
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