quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A gamela



Já lá vai o tempo dessas distinções que opunham políticas e políticos, ideologicamente falando. Tudo isso já se foi, vivemos hoje num palco de marionetas manipuladas pelos respectivos chefes atidos a uma nomenclatura diferenciadora pré-estabelecida, sim, mas na realidade todos lutando pelos seus interesses de aproveitamento próprio, debruçados sobre uma gamela que todos quereriam lamber. Assim se deu conta de um país a saque, que é o que somos, desde a revolução salvadora, mesmo com as ideologias diferenciadoras. Isto agora é outra loiça, não de porcelana mas de barro, mas a gamela mantém-se, nas ambições, mesmo assim, degradada.
OPINIÃO
Rui Rio é o melhor líder para o PSD – saiba porquê
Neste momento, o timing político e a reconfiguração do espectro partidário português após as últimas eleições jogam a favor de Rio.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 14 de Janeiro de 2020
Rui Rio é o futuro da direita em Portugal? Não é. Rui Rio é actualmente o melhor candidato a líder do PSD? É. Porque é que a resposta à primeira pergunta não coincide com a resposta à segunda? Porque a política é como a comédia – o segredo está no timing. E, neste momento, o timing político e a reconfiguração do espectro partidário português após as últimas eleições jogam a favor de Rio. Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz estão convencidos de que são jovens e que têm o tempo inteiro à sua frente. Na verdade, eles chegaram tarde demais. Os eleitores que o PSD poderá vir a conquistar num futuro próximo muito mais depressa votarão em Rui Rio do que neles.
A razão é simples: o PSD, enquanto catch-all party da direita, já era. Com a eleição de André Ventura e do deputado da Iniciativa Liberal, as épocas de maioria absoluta de um só partido acabaram por uma década. Acabaram à direita, e acabaram, com grande probabilidade, à esquerda. O espectro partidário fragmentou-se, há novos protagonistas na Assembleia da República, e basta ver a capacidade que têm para captar a atenção mediática para perceber o seu potencial de crescimento. São outros tempos, é outro o eleitorado, e a competição pelo voto será cada vez maior, sobretudo nos extremos do espectro político, que o PSD já deixou de ter capacidade para alcançar, a não ser em coligação. Por isso, neste momento, Rui Rio tem razão. É ao centro que estão os votos do PSD.
Mais: é também ao centro que estão os possíveis entendimentos para um futuro governo liderado por sociais-democratas, e, nesse sentido, a insistência de Rio em não queimar as pontes com António Costa não é uma estratégia estúpida. A probabilidade de toda a direita ter mais de 50% dos votos em 2023 é pouco mais do que nula. Se o governo PS chegar muito desgastado a essas eleições, e o PSD conseguir ser o partido mais votado, a única hipótese de Rui Rio poder efectivamente governar, e não ser atropelado por uma nova “geringonça”, é se as relações entre PS, Bloco e PCP já se tiverem deteriorado de forma irrecuperável. É nisso que Rio aposta, na zanga das comadres rosas e vermelhas, e em termos de táctica, após a fragmentação de 2019, ela não é tonta.
Dir-me-ão: mas se assim é, por que insisto eu em afirmar peremptoriamente que Rio não é o futuro da direita? Porque aquilo que acabei de descrever não é futuro para ninguém, nem para a direita, nem para Portugal. Seria apenas mais uma mudança de gestão no palacete de São Bento. A visão de Rio para o país não salva coisa alguma e as suas ambições são modestíssimas – mas, pelo menos, são realistas. Ele tem uma vaga ideia de como chegar ao poder, e tem uma notoriedade no país que fica a milhas da de Montenegro ou Pinto Luz.
Quanto a estes dois, Luís Montenegro fez um trabalho meritório no terreno, sem dúvida, e conseguiu impor uma segunda volta a Rio em cima do gongo; mas não se chega a perceber o que pretende fazer de diferente, a não ser zangar-se mais vezes com António Costa. Miguel Pinto Luz quis muito parecer disruptivo e moderno, mas acabou a remontar um vídeo absurdo na recta final da campanha, recusou clarificar a relação contratual com a sua agência de comunicação, que é a mesma da Câmara de Cascais (onde trabalha), e anunciou 12% de votos quando teve 9%. Ambos recusaram responder às perguntas dos jornalistas no final da noite. Para quem quer passar por novo, tudo isto cheira demasiado a velho. E velho por velho, mais vale Rui Rio.
Jornalista

COMENTÁRIOS
Leclerc: Considero errado o raciocínio de que os novos partidos vão crescer à custa do eleitorado dos partidos nexistentes. Acho o que o discurso dos mesmos dirige-se para os abstencionistas e para quem votou nulo ou em branco (mais de 50% nas últimas legislativas). Se reduzirem a abstenção terão a vantagem de diluir a percentagem de votantes dos outros partidos. Não será estranho que o PS, cujo eleitorado depende dos favores concedidos, tenha elegido a Iniciativa Liberal como o alvo a combater, é só ver a trollaria afecta ao PS que infesta as caixas de comentários dos blogs afectos à IL. O Costa pode não ser habilidoso na governação do país, mas habilidade não lhe falta para atingir o poder e fazer tudo ao seu alcance para nele se perpetuar.
ana cristina: adeus, política de causas. bem-vinda, política de cálculos. eu, nesse jogo não entro. "melhor lider" não é aquele que toma posições que lhe dão jeito, a ele, para se agarrar ao poder. é o que assume posições justas e adequadas para o bem comum, mesmo se lhe estragam alianças que daqui a uns anitos o poderão levar ao poder. "se lhe estragam as alianças"
AndradeQB: Uma afirmação seguida de um "saiba porquê" costuma ser depois descrita com uma base opelo menos, de conhecimento empírico aceite. Nunca me lembro de ter visto, nem me parece que a seguir a um "saiba porquê" venha uma opinião pessoal, independentemente da fundamentação dessa opinião.
Sima Qian: Eu acho que se Rui Rio não for eleito, o PSD encolherá muito. A vitória de Montenegro será festejada por todos os que não são PSD.
Leitor Registado: uma crónica que faz realçar o sentimento/fase/ em que este país se encontra: deprimente! Regressámos a uma paz podre que relembra o 2º mandato do Cavaco ou o marasmo de Guterres.
Comentadora XYZ: Em todos os países pobres, sem excepção, o eleitorado gosta de um estado paternalista (seja á direita, à esquerda ou ao centro, é irrelevante), e é esse o ciclo vicioso... estados paternalistas geram eleitorados pobres e vice-versa... quebrar este ciclo, isso sim, vale 1 milhão de euros... Portugal é um país pobre.
mário borges: Eu por mim o Rio pode ficar no PSD até finalmente ele descer abaixo dos 20%. Aí sim acho que ele até merecerá uma condecoração.
cisteina: Uma análise perfeita do que é a política hoje e como vai ser daqui a mais uns anos, a menos que se repita 2011, todos sabemos que é assim e até António Costa, atolado em problemas e com a "manta" cada vez mais curta, já percebeu que precisa de sair da camisa de forças em que se meteu, isto mudou muito em 10 anos. E Rui Rio, sempre igual a si mesmo e a querer proteger o país (está na sua genética) também sabe que o tempo é curto, um dia destes tem de dar lugar a outro e, para um político como ele, o seu maior orgulho é preparar-lhes o caminho, como aconteceu no Porto, limpar a casa, sanear a incompetência, enfim, boas contas. Se não for eleito, o PSD entra em liquidação, como o CDS.
Leclerc: JMT estou a ler a Conspiração Oligárquica do Rui Ramos, que no prefácio lhe agradece a ajuda a seleccionar os textos  publicados. Fico admirado que quem tenha lido o livro possa conceber a participação de PS num governo (aliás bastaria de ver os restos socráticos que ainda se arrastam pelo PS e governo para não aconselhar um governo do PS). No caso do Rui Rio existe algo que não compreendo. Quando era presidente da CMP e a Red Bull Air Race decorria na cidade, o Costa da CML consegue desviar a competição para Lisboa com promessas várias (entre as quais redução do IVA que não poderia fazer, nada de novo no caso do Costa da palavra honrada), acabando pela competição deixar de se realizar quer no porto quer em Lisboa. Depois disto como é que o Rio pode ter confiança no Costa?
Paulo G: Ora aí está uma matéria em que, não sendo eu admirador nem de Rio nem de Costa, só tenho que lhes agradecer: mandar embora as corridas de aviões.
bento guerra: É claro, RR garante Costa ,até à eleição presidencial de 2026
OldVic1: Num país onde a maioria do eleitorado gosta de um Estado paternalista, a social-democracia parece ser o "centro" à volta do qual oscilam as soluções capazes de gerar maiorias eleitorais. Enquanto esse eleitorado não tiver a visão alargada necessária para olhar à sua volta e perceber que há soluções políticas mais eficazes nos nossos parceiros europeus, estaremos condenados à nossa mediocridade tranquila secular.
SC RIBEIRO: ...".gosta dum Estado Paternalista." Essa a resposta do milhão de euros!!!! E é difícil dar a volta a isso ainda nas duas próximas gerações...pelo menos.



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